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10/07/2014
Relatório preliminar para a reforma de fiscalidade verde
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Relatório preliminar para a reforma de fiscalidade verde
- Assembleia da República, 10 de Julho de 2014 -

1ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como todos sabemos, foi ontem apresentado o relatório preliminar da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde.
Com toda a franqueza, gostaria de dizer aos Srs. Deputados que ainda não nos foi possível ler detalhadamente o relatório que foi apresentado, aliás, não seria possível, de ontem para hoje, ler detalhadamente aquelas centenas de páginas. De qualquer modo, já fizemos uma leitura rápida do documento e já nos foi possível chegar a algumas conclusões ou, pelo menos, suscitar algumas dúvidas que nos surgem dessa leitura do referido relatório.
Mas, antes disso, talvez seja importante recordar às Sr.as e aos Srs. Deputados que houve inúmeras propostas apresentadas aqui, na Assembleia da República, pelo Grupo Parlamentar Os Verdes que incidem diretamente sobre fiscalidade ambiental que quer o Governo quer a maioria PSD/CDS rejeitaram.
Posso recordar que foram rejeitadas propostas do Grupo Parlamentar Os Verdes, por exemplo, para dedução do passe social no IRS, ou para a descida do IVA relativamente às bicicletas, ou para consignação de uma parte do imposto sobre produtos petrolíferos para o investimento no transporte público; ou para a reposição dos benefícios fiscais à aquisição de equipamentos para energias renováveis, ou para redução do IVA relativamente a produtos com matéria reciclada. E não maço mais as Sr.as e os Srs. Deputados com as inúmeras propostas que Os Verdes apresentaram, e eu poderia continuar aqui a elencar, mas que esta maioria, inacreditavelmente, foi rejeitando.
Mas talvez não fosse mau relembrar que foi este Governo PSD/CDS que retirou, por exemplo, os benefícios fiscais às empresas para se instalarem no interior do País, atacando assim aquele que é, de facto, um grave problema ambiental no País, que se prende com as assimetrias regionais e com tudo o que daí decorre, e com o despovoamento do interior do País, portanto, de vastas regiões deste País, criando assim condições para o esvaziamento desse território.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de dizer que a fiscalidade ambiental pode ser através de dois caminhos: um, procurando incentivar, repito, incentivar melhores comportamentos ambientais e aí incidirá, sobretudo, sobre os custos acrescidos que os cidadãos têm por procurarem melhores desempenhos e comportamentos ambientais; outro, aumentar as receitas para o Estado, incidindo, sobretudo, sobre a penalização. E daquilo que tivemos a oportunidade de ler da proposta, não temos dúvida de que foi este o caminho apontado. Parece claro, portanto, que esta proposta incide, sobretudo e fundamentalmente, sobre a penalização.
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, esta proposta representa, ao nível da receita fiscal para o Estado, cerca de 160 milhões de euros; de penalização, 180 milhões de euros; de incentivos, 17 milhões de euros. Isto representa, Sr.as e Srs. Deputados, um agravamento do já brutal aumento de impostos com que este País se confronta.
Fala-se da neutralidade fiscal desta dita «reforma da fiscalidade ambiental», mas nós precisamos saber — e isso não é dito — como é que isso vai ser garantido. Pôr-se-á, por exemplo, a hipótese de ser compensada através da redução da TSU para as empresas?
Sr.as e Srs. Deputados, nós não concordaríamos com uma proposta desta natureza, porque não vale «misturar alhos com bugalhos», não vale retirar receitas da segurança social, que são dos trabalhadores, e que têm uma consignação específica, compensando, por outro lado, as empresas e prejudicando os cidadãos e fragilizando a segurança social.
Gostaríamos, portanto, de dizer aqui, hoje, que não se pode discutir esta proposta, sem conhecer o reverso da medalha da compensação que gerará a neutralidade fiscal de que se fala e que não conseguimos vislumbrar nesta proposta.
Por outro lado, não se pode discutir esta proposta, ou uma proposta desta natureza, sem falar e apresentar, simultaneamente, um programa de sensibilização e de educação para os cidadãos.
Começo a acreditar que muitas Sr.as e Srs. Deputados falam da questão da sensibilização da educação dos cidadãos sem acreditar nela. E quando falamos, por exemplo, dos sacos de plástico ou da componente da reciclagem, a sensibilização é uma matéria fulcral, mas nisso o Governo não aposta.
Também não se pode falar desta proposta sem oferecer alternativas, e gostaria de dar o exemplo dos transportes públicos. Para retirar os carros das cidades, que é uma questão fundamental, é preciso um investimento sério — não a oferta de transporte que é feita aos cidadãos — para que os cidadãos possam optar e sintam vantagem em largar o automóvel individual para se dedicarem à utilização do transporte coletivo. Mas quando, por exemplo, os utentes da Fertagus não têm acesso ao passe social intermodal ou quando os utentes do Metro Sul do Tejo, para terem acesso a esse passe, têm de pagar uma taxa adicional, está tudo errado, na lógica do incentivo aos cidadãos para a utilização do transporte coletivo.
Por outro lado, temos receio de que esta proposta venha a agravar desigualdades sociais. Reparem, Sr.as e Srs. Deputados: ela está construída numa lógica de que quem tem dinheiro paga, quem não tem dinheiro paciência, prescinde. O aumento do preço dos combustíveis e a taxa à entrada das cidades, independentemente da discussão sobre as propostas em concreto, tem justamente essa consequência: quem pode paga, e não pesará muito; quem não pode fica, naturalmente, enrascado.
Ora, esta taxa para entrada das cidades ou esta taxa de tráfego, como lhe queiramos chamar, é apresentada quando, por exemplo, não são apresentadas outras alternativas, como um incentivo à partilha do automóvel, um incentivo à utilização da mobilidade suave ou um maior incentivo concreto e direto à utilização do transporte público e não apenas ao nível genérico.
Sr.as e Srs. Deputados, temos algumas dúvidas relativamente ao relatório que foi apresentado. Ele entra agora em discussão pública, é preciso que seja discutido, mas também é preciso que a Assembleia da República não fique fora desta discussão.
Tenho conhecimento de que o Partido Socialista solicitou a algumas comissões, na Assembleia da República, a audição do Coordenador da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde. Obviamente, não nos oporemos a esta audição; de qualquer modo, deixar o Governo fora desta discussão até outubro não é sério e por isso, imediatamente, no início da próxima sessão legislativa, Os Verdes promoverão aqui, na Assembleia da República, uma discussão com o Sr. Ministro do Ambiente, no sentido de envolvermos a discussão parlamentar com a discussão governamental relativamente a esta proposta para que o Governo não fique à margem do mesmo.
Não se trata aqui de uma questão técnica, trata-se, sim, de uma discussão política. Um aumento brutal da carga fiscal à custa do ambiente é pôr as pessoas contra o ambiente, e isso nós receamos, verdadeiramente.
Atenção, Sr.as e Srs. Deputados, não é assim que se promove política ambiental.

2ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Miguel Tiago, Pedro Farmhouse e Luís Fazenda, agradeço as considerações e as questões colocadas.
Srs. Deputados, quero assinalar a não intervenção quer do PSD quer do CDS relativamente a esta matéria. Acho que, nesta altura, era importante que todos entrássemos no debate para perceber a reação e a sensibilidade de cada uma das bancadas em relação àquilo que nos é apresentado, sabendo, contudo, que é necessária uma análise mais aprofundada do documento, que, certamente, ainda não houve tempo para ser feita por parte de todas as bancadas.
Sr.as e Srs. Deputados, afigura-se-nos claro que aquilo que o relatório propõe é nitidamente um agravamento significativo de impostos. Com toda a franqueza, a preocupação de Os Verdes neste âmbito não se direciona para as grandes empresas poluidoras, que, por acaso, são aqui pouco tocadas para além do que já acontece hoje, mas, sim, para o facto de o encargo se direcionar na totalidade, ou na sua maioria, fundamentalmente para os consumidores finais. São os consumidores finais que vão sentir uma grande diferença no bolso!
Assim, Os Verdes consideram que este documento segue a lógica da penalização e não a lógica do incentivo aos bons comportamentos ambientais. É fundamentalmente na lógica do incentivo que Os Verdes têm direcionado as suas propostas e é por aí que consideramos que se deve ir.
Para além de que não queremos descurar a questão da informação, da educação e da sensibilização do consumidor. Este é um assunto que, de uma vez por todas, deve deixar de ser uma parangona no nosso País para começar a ser uma prática que o Governo deve também incentivar. E há muitas matérias e muitas sedes ao nível de política ambiental onde se requer a prática desta educação e desta sensibilização.
Estou m crer, Sr.as e Srs. Deputados, que o grande objetivo da encomenda, digamos assim, deste relatório não é o de uma alteração substancial dos padrões ambientais em Portugal, mas, sim, o de olhar para as contas públicas e pensar: «Onde é que podemos ir sacar mais algum dinheiro? Olha, aqui está um setor importante e ao qual as pessoas, normalmente, são sensíveis. Então, vamos lá retirar mais algum dinheiro!…»
Tanto assim é que a questão da neutralidade fiscal é algo que está por provar. E tanto assim é que, por exemplo, o projeto que Os Verdes trouxeram a debate neste Plenário, sobre a redução das embalagens — com o qual ninguém ganharia, a não ser o País, o planeta e o ambiente; não se faria negócio à conta da proposta que aqui apresentámos e, por isso, ela foi chumbada —, visava justamente olhar para a lógica das imensas embalagens que existem no mercado, e que são absolutamente superficiais, que não têm nada a ver com a preservação da qualidade e das características dos produtos, para procurar regular o mercado no que respeita a essa matéria. Os senhores não quiseram! Têm medo: «Ai o mercado! Agora, íamos ferir o mercado?».
Não pode ser, Sr.as e Srs. Deputados! Era só o ambiente que ganharia com isso! Mas, afinal, qual é o vosso objetivo?
Os senhores só olham para o ambiente nesta lógica: «Vamos ver onde é que podemos sacar dinheiro e vamos ver onde é que podemos fazer negócios para grandes empresas»! Mas as pessoas não contam, no meio disto tudo?
Também no ambiente não se quer pessoas formadas, para haver bons desempenhos ambientais? Mas não é por aí que os senhores vão, e é por isso que esta proposta sofre de um descrédito de um objetivo de partida.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, consideramos fundamental ouvir o Sr. Ministro do Ambiente, que, como o Sr. Deputado Luís Fazenda referiu, já foi várias vezes confrontado com a questão da fiscalidade verde. Nós, Os Verdes, já tivemos oportunidade de dizer ao Sr. Ministro que o nome é bonito, mas o que importa é o conteúdo. É o conteúdo que queremos discutir com o Governo e é sobre este conteúdo concreto que temos muitas dúvidas.
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