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08/03/2006
Saúda o Dia Internacional da Mulher e sobre co-incineração de RIP
Declaração da Deputada Heloísa Apolónia que saúda o Dia Internacional da Mulher e sobre co-incineração de RIP
Assembleia da República, 8 de Março de 2006
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Porque hoje é o dia internacional da mulher, a primeira palavra de “Os Verdes”, nesta declaração política, é de saudação a todas as mulheres e às lutas que se têm empreendido contra a discriminação e a favor de uma efectiva igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Mas será também um dia oportuno para denunciar o quanto certas opções políticas sectoriais continuam a prejudicar a participação e até o respeito pelas mulheres: desde uma deficiente rede pública do ensino pré-escolar que nega lugar às crianças e remete muitas mães, com incapacidade de pagar o ensino privado, para casa; passando pelo peso que o desemprego, que atinge hoje 8% dos portugueses, tem maioritariamente para as mulheres, bem como o trabalho precário; passando ainda pelos baixos salários sujeitos a descidas reais e que enfrentam o aumento do custo de vida de produtos tão essenciais como o pão (que aumentou 10%) ou o azeite (que aumentou 40% no espaço de um ano); até ao profundo desrespeito que profissões que são maioritariamente femininas encontram sistematicamente por parte do Governo, como os professores deste país; ou até à recusa da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, eternamente adiada por uma maioria absoluta que prometeu às mulheres portugueses remover uma legislação criminosa.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

O Governo anunciou formalmente na passada 6ª feira que a co-incineração vai avançar em breve na Arrábida e em Souselas. Tive oportunidade de estar presente na sessão de apresentação, na qual um conjunto de questões ficaram amplamente claras e devem merecer a nossa real preocupação.

Desde logo, pelo que ficou dito e pelo que nos é possível ver no relatório da Comissão Científica supostamente Independente, fica claro que esta Comissão tinha um mandato bem determinado, que aliás já tinha exercido plenamente aquando da elaboração do parecer de 2000: concluir que a co-incineração é o milagre para resolver o problema dos resíduos industriais perigosos.

E para isso tenta convencer que a co-incineração não acarreta riscos de ordem ambiental e de saúde pública, recorrendo a rigores científicos como este que vou citar: “No que se refere, em particular, à descrição de efeitos na saúde devido à co-incineração em unidades cimenteiras de resíduos industriais perigosos, é muito escassa a informação disponível. A escassez de informação pode, por isso, ser vista como um indício de que não surgiram problemas especiais”. É este o rigor que a Comissão de alguns cientistas utiliza para concluir o que o Governo ordenou que fosse concluído.

Mas, Srs. Deputados, o Governo diz que a co-incineração é fundamental para garantir o princípio da auto-suficiência na gestão e tratamento de resíduos industriais perigosos, sem recurso ao escandaloso princípio da exportação de resíduos, mas é a sua própria Comissão que sempre disse, nessa parte sem destaque, é certo, porque não interessava, que, mesmo com co-incineração em Portugal, uma parte dos resíduos continuará inevitavelmente a ser exportado para incineradoras especialmente adaptadas a resíduos específicos, designadamente os fortemente clorados ou contaminados com mercúrio e outros metais pesados.

Mas o Governo introduziu algumas novidades em relação ao passado, no anúncio que fez na 6ª feira. Enquanto no passado se admitia que cerca de 12% de resíduos industriais perigosos fossem co-incinerados, actualmente o Governo admite que essa percentagem possa subir aos 20% (i.e cerca de 50.000 toneladas) - isto significa que o PS admite que resíduos susceptíveis de outras formas de tratamento sejam sujeitos a co-incineração, como são claramente exemplo os óleos usados, que a Comissão Científica dita Independente conclui que poderá ser demasiado oneroso regenerar, tornando claro que critérios se sobrepõem aos interesses e às boas práticas ambientais. Ou seja o argumento de que só seriam co-incinerados resíduos não susceptíveis de outra forma de tratamento foi esquecido e as cimenteiras agradecerão porque receberão bom dinheiro pelos resíduos recebidos.

Mas mais, o Sr. Ministro do Ambiente deixou claro que a co-incineração avançará antes da entrada em funcionamento dos CIRVER, ou seja, dá-se um período de 3 a 6 meses para realização de testes nas cimenteiras e a partir daí a co-incineração estará em pleno funcionamento, enquanto os CIRVER só entrarão em funcionamento para meados de 2007, para além de que os CIRVER terão também uma componente de pré-tratamento e encaminhamento dos resíduos para a co-incineração.

Ou seja tudo isto não deixa margem para dúvidas que a co-incineração é o pilar estruturante da estratégia do PS para a gestão e tratamento dos resíduos industriais perigosos e que os CIRVER serão apenas um complemento da co-incineração, e consequentemente esta não é tida como uma solução de fim de linha, mas como uma opção de primeira linha. Isto é profundamente errado numa perspectiva ambiental e de saúde pública, mas as cimenteiras certamente agradecerão!

Um relatório sobre o inventário das fontes de dioxinas nos EUA considerou que fornos de cimenteiras a co-incinerar resíduos perigosos apresentavam emissões de dioxinas e furanos por quilograma de clinquer produzido muito superior às cimenteiras sem co-incineração. Em França tornaram-se públicos estudos epidemiológicos que detectaram que o teor de dioxinas no leite materno em zonas de suposta contaminação junto a incineradoras activas era em média superior. Daqui se conclui que pelo menos a inocuidade da co-incineração não é, nem de perto, nem de longe, unânime.

Na apresentação pública da passada 6ª feira, o Sr. Ministro do Ambiente referiu-se a inúmera legislação europeia e a convenções internacionais, mas esqueceu-se de referir uma relevantíssima, justamente a Convenção de Estocolmo sobre poluentes orgânicos persistentes, que determina que a incineração e a co-incineração, e em especial os fornos de cimento que queimam resíduos perigosos, comportam um potencial elevado de emissões de poluentes persistentes e por isso devem ser objecto de continuada minimização e de efectiva eliminação. Ora justamente dois anos depois de o Estado português ter aprovado esta Convenção (em Junho de 2004), o Governo vem, não acabar, mas iniciar a co-incineração em Portugal.

E o Governo optou por Souselas, onde um recente estudo epidemiológico dá conta de uma população martirizada em termos de saúde pública, comparativamente à média nacional, e na Arrábida em pleno parque natural e sítio de interesse comunitário que o Governo quer brindar com a queima e transporte regular de resíduos industriais perigosos, na mesma área protegida onde restringe sobremaneira a pesca artesanal para, segundo diz, preservar os seus valores naturais – quem consegue perceber estas incoerências?

Esta obsessão do PS com a co-incineração soa a grande teimosia, a ajuste de contas em relação à forte contestação que no passado pôs fim à intenção de co-incineração, mas soa também a intenção de servir interesses económicos das cimenteiras que contam para este Governo mais do que a preservação do ambiente e a salvaguarda da saúde pública.

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