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25/04/2005
Sessão comemorativa do 25 de Abril de 1974
Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes Sessão Solene Comemorações do 25 de Abril
Assembleia da República, 25 de Abril de 2005

 

 

 

 

 

 
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo Sras. e Srs. Deputados, Valentes Capitães de Abril, Sras. e Srs. Convidados, Concidadãos portugueses.

Faz hoje 31 anos não era feriado no nosso país. Faz hoje 31 anos que ocorreu algo de extraordinário aqui. Há 31 anos, por esta hora, Lisboa encontrava-se inundada de gente que saía para a rua para fazer uma revolução e acabou fazendo uma festa. Foi o 25 de Abril de 1974, a revolução que devolveu a democracia e a festa que gerou a liberdade.

Falar do 25 de Abril de 1974 é recontar uma história, que eu, e todos os que como eu tiveram o privilégio de nascer já em liberdade, não vivenciámos directa e pessoalmente. Dos outros não sei, mas eu quase que sinto como se estivesse estado lá.

Através das histórias e relatos dos que me formaram e informaram, acompanhei a coluna militar que saiu da Escola Prática de Cavalaria de Santarém em direcção a Lisboa, seguindo o Capitão Salgueiro Maia, e aprendi a importância e o valor do bem que se conquistou naquele dia: o direito a viver livre, de pé, com o rosto erguido e com dignidade.

Aprendi como, numa madrugada fria, um grupo de militares deu o primeiro passo, abriu a válvula e deixou escapar a raiva contida por tanto tempo dando lugar a uma torrente de vida, uma explosão de riso e alegria, um grito enorme que se fez ouvir em todo o mundo, acompanhado de lágrimas de alívio, um imenso alívio, pelo fim da guerra, pelo fim da opressão, pelo renascer da esperança viva dum futuro melhor a bailar nos olhos da malta.

Mas também aprendi como em Portugal, durante 48 anos, o fascismo do Estado Novo corporativista de Salazar e Caetano semeou bem fundo a ignorância, o medo e a pequenez. Como a PIDE/DGS perseguiu, prendeu, torturou e assassinou por motivos políticos. Como o atraso, o analfabetismo e a iletracia, a fome e a miséria, principalmente no interior rural, se sentavam à mesa e eram parente próximo de grande parte da população. Como uma guerra colonial, profundamente injusta e irracional, se arrastou por tantos anos ceifando vidas e consumindo alento. Como a censura procurava inutilmente cortar a raiz dum pensamento que se tornava cada vez mais claro, forte, necessário e urgente.

Desta forma foi fácil perceber a razão da revolta, o motivo da alegria a justificação do alívio. E foi mais fácil ainda entender o valor da liberdade.

Contudo, a minha geração, que não experimentou o gosto amargo da opressão e o doce sabor da libertação, a quem nem a escola, onde se gasta mais tempo a ensinar a crise de 1383 ou a revolução francesa do que a falar na nossa história recente, soube ou sabe passar a mensagem, nem sempre dá o valor a esse bem tão precioso que já tem como adquirido. Tem desculpa, já que não podemos amar o que não conhecemos e dificilmente conhecemos o que não nos mostram.

É como um privilégio que encaro o facto de ser herdeiro de Abril, mas é também inegável a inveja que sinto por ter perdido a festa, pá! Porque quando cá cheguei já a emoção tinha dado lugar ao desalento, já as conquistas se perdiam a cada dia, a cada ano que passava, a cada revisão que a nossa lei fundamental sofria. E aquele brilhozinho nos olhos já se ia apagando.

É por isso fundamental assumir a recusa em deixar de falar da revolução dos cravos, lembrando aos que já esqueceram e aos que nunca conheceram, o significado daquele dia e a distância abissal que separa os dois países: o Portugal de ontem e o Portugal de hoje.

Que o Portugal de hoje, mercê de importantes conquistas de Abril, é um Portugal melhor, não podemos deixar jamais cair no esquecimento.

Não podemos deixar cair no esquecimento que foi com Abril que se garantiram direitos tão essenciais como o salário mínimo e o direito a férias, o direito à Segurança Social, ou o acesso universal ao Serviço Nacional de Saúde e à escola pública.

É importante lembrar que Abril trouxe a igualdade entre homens e mulheres, os direitos de participação cívica e política, o direito da livre fruição e criação cultural, a liberdade de informação e o fim da censura prévia.

Não podemos deixar ainda de lembrar que foi com Abril que o Poder Local, com profundas raízes no nosso país, anteriores até à própria monarquia, voltou a ser um verdadeiro poder autónomo, pluralista e democraticamente eleito, voz dos anseios das populações e motor de desenvolvimento das suas autarquias. O mesmo poder local que agora se vê ameaçado na sua pluralidade de participação política pela famosa ideia dos executivos camarários monocolores, que, sob o falso argumento de aumentar a eficácia de actuação e a governabilidade, compromete, na realidade, não só uma longa e profícua experiência de poder executivo autárquico plural, racionalmente empenhado na busca de consensos como coloca em causa o funcionamento dos próprios mecanismos de controlo e fiscalização desse poder actualmente existentes.

Não basta, contudo, a memória. É preciso que no chão, desbravado pelo Movimento dos Capitães e pelo povo, em que semeámos liberdade, justiça e igualdade saibamos hoje sedimentar o trabalho necessário para honrar e cumprir o Abril que está por cumprir. Porque a Democracia é como um jardim ou uma floresta que é preciso cultivar e cuidar, com empenho e dedicação, todos os dias da nossa vida, sob pena de a vermos invadida de espécies daninhas e infestantes, como o totalitarismo, a arrogância e a intolerância ou sob o risco de assistirmos à sua destruição, paulatinamente, ano após ano, pelos incêndios da falta de participação e da apatia, fortemente agravados pela seca do descrédito da vida política, ameaçando, não só a sua riqueza, a sua saúde e o seu equilíbrio, mas a sua própria existência.

Quando é a Democracia participativa que se encontra enfraquecida, seja pelo desalento, a resignação ou comodismo, seja pela desmotivação ou alienação que levam ao afastamento, ao desinteresse e ao descrédito na política e nos políticos, é a própria base do nosso Estado e da nossa civilização, que está em perigo. E se a Democracia que temos, se encontra muito aquém da Democracia que queremos, cada vez mais aberta, plural e participada, tal se deve certamente às opções e condutas que têm norteado a condução dos destinos do nosso país nos últimos anos.

Impõe-se, assim, exercer uma vigilância constante e permanente, pois, tal como a Democracia, também as conquistas de Abril não estão automaticamente asseguradas. Lutar pelos nossos direitos e pela liberdade, sempre que estes estejam em causa, é uma lição de Abril que, no Partido Ecologista Os Verdes, temos procurado pôr em prática no nosso dia a dia.

Seja na luta contra a privatização do acesso à água, o bem mais precioso à vida e direito inalienável da humanidade,

Seja exigindo a despoluição e a salvaguarda dos nossos recursos hídricos,

Seja pelo direito a uma alimentação saudável e em segurança, recusando, no respeito pelo princípio da precaução, o plantio de organismos geneticamente modificados,

Seja defendendo os transportes colectivos, as energias alternativas ou os modos de produção ambientalmente mais sustentáveis como forma de combater as emissões de gases e com efeito estufa e a poluição responsáveis pelas alterações climáticas, pelo aumento da mortalidade e diminuição da qualidade de vida,

Seja pugnando pelo desenvolvimento sustentável, o ordenamento do território e a correcção das assimetrias regionais, os quais tardam em ter uma aplicação efectiva e generalizada no nosso país.

Os Verdes assumem o compromisso de promover a paz, a correcção das desigualdades sociais através da repartição da riqueza mediante um sistema fiscal cada vez mais justo e a erradicação da fome, da pobreza e da exclusão social. Lutaremos pelos direitos das minorias e pelo direito à diferença numa sociedade mais livre, tolerante, solidária e esclarecida. Acreditamos que o verdadeiro desenvolvimento sustentável, compatibilizará os desejáveis aumentos da nossa produtividade industrial, agrícola e laboral, sustentada nos progressos científicos, tecnológicos e educacionais, com o respeito pelos direitos dos trabalhadores e pelo meio ambiente, em equilíbrio e harmonia com a Natureza.

Assumimo-nos como herdeiros dos valores e das metas de Abril, da democracia, da liberdade e do desenvolvimento sustentável, com a consciência, porém, que tal é claramente insuficiente, pois é preciso que sejamos também obreiros e defensores dessa herança, como do ambiente e do nosso planeta, isto se os queremos legar aos nossos filhos em melhor situação do que actualmente se encontram. Por isso Abril não é apenas passado, nem é somente presente, é principalmente e acima de tudo, um futuro que queremos e desejamos seja melhor.

VIVA O 25 DE ABRIL!

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