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28/04/2008 |
Sessão Solene Comemorativa do XXXIV Aniversário do 25 de Abril |
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Sessão Solene Comemorativa do XXXIV Aniversário do 25 de Abril Deputado José Miguel Gonçalves 25 de Abril de 2008
Sr. Presidente da República; Sr. Presidente da Assembleia da República; Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo; Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça; Srs. Deputados; Srs. Capitães de Abril, que aqui particularmente saúdo em nome do Partido Ecologista “Os Verdes”; Sr.as e Srs. Convidados:
Lembrar o legado de Abril, trata-se de um exercício, que a todos nos deve envolver, não como um ritual, não como uma rotina, mas acima de tudo, como uma afirmação de valores, de caminhos e de sonhos, dos tais sonhos que são uma constante da vida.
O 25 de Abril transbordou a madrugada, transbordou o dia, transbordou o passado tal como transbordará o presente, transbordou os locais da revolução, transbordou fronteiras, Abril, são sentimentos, actos, convicções.
Lembrar Abril deve ser pois um momento constante de recordar as conquistas, mas também tudo aquilo que permanece por conquistar, entre direitos e liberdades muitas vezes falhadas.
Passados 34 anos da revolução, as músicas de José Afonso, continuam a retratar aquilo que o espírito de Abril, ainda hoje, não conquistou na realidade de muitos.
“Adeus ó Serra da Lapa” a música que retratava a ventura de quem fugia à miséria vivida na serra da lapa, entre Trás-os-Montes e a Beira Alta.
Hoje já sem a ventura de outros tempos que era conseguir sair do país, muitos são os 2 milhões de Portugueses que continuam a tentar fugir à miséria que persiste.
Continuamos a ser um país que cresce e se desenvolve de forma desigual, onde as oportunidades para a realização dos sonhos tardam em chegar para muitos.
É o caso dos sonhos daqueles que sucumbem as desigualdades territoriais, que permanecem nuns casos e se agravam noutros. Distâncias que nem os muitos investimentos rodoviários conseguem encurtar.
À concentração de mais cidadãos nos grandes centros urbanos tem-se respondido com maior concentração do investimento público.
À diminuição de cidadãos nos centros rurais, tem-se respondido com encerramentos e maior concentração dos serviços públicos.
Apesar do território Português ser escasso e as distâncias serem curtas, parte permanece num silêncio esquecido.
Mas a materialização dos sonhos continua também a ser suspensa diariamente, para aquele meio milhão de Portugueses, que não encontra emprego e para muitos mais, que vivem todos os dias com a incerteza do trabalho precário.
Vidas ditadas por sonhos adiados, nos projectos familiares, profissionais e sociais, de jovens e menos jovens.
Neste Portugal ressurgido de Abril o desemprego continua a ditar excluídos e o trabalho precário a limitar os direitos e a liberdade de expressão nas relações laborais.
Trata-se de uma subalternização justificada pelas regras da competitividade.
É a tal globalização, que dita a livre concorrência, que dita competitividade, que por sua vez dita a flexibilidade laboral.
Vivemos hoje numa situação em que a economia de mercado global, não protege, mas expõem, os mais frágeis das sociedades, em que os erros de alguns e um tal de subprime, que ocorre do outro lado do Atlântico, dita que quem tem crédito à habitação tenha de pagar uma taxa de juro mais elevada, dita que uns tantos milhares em diferentes partes do mundo tenham de ficar sem emprego.
São as ondas dos mercados financeiros, que por vezes se transformam em verdadeiros tsunamis, que arrastam todos de forma por igual, tenham ou não tenham bóia de salvação.
Um mercado global em que, sem que o comum cidadão se aperceba do porquê e de quem, assinam-se acordos de livre comércio, que vêm ditar o fim do seu emprego, ou por deslocalização, ou por encerramento por falta de competitividade da sua empresa no mercado alargado.
Um mercado financeiro que se instalou com força no sector da alimentação, com a criação de novos fundos de investimento, um sector da alimentação que passou a ser negócio de combustíveis, negócios que passaram a ditar o acesso ao pão, aos cerais, às massas, ou às tortilhas.
Caminhos muitas vezes sem rosto, traçados longe e sem alcance, vias que ditam as realidades locais.
Um mundo, em que apesar do crescimento dos meios de informação, o entendimento foge e a percepção é cada vez mais difícil para o comum cidadão.
E é nesta realidade, que se aprovou na passada Quarta-feira o Tratado de Lisboa, aquele que era para ser referendado mas apenas acabou ratificado aqui nesta casa.
Tratado que consubstancia, suporta e reforça, o distanciamento de mais poderes de decisão.
Sem que a maioria dos Portugueses desse conta disso, há dois dias atrás, passámos a gestão e a conservação dos nossos recursos biológicos do mar para a competência exclusiva da União Europeia.
Passaram-se já 22 anos desde a nossa adesão à então CEE, e desde lá, de tratado em tratado, de ratificação em ratificação, a discussão da Europa que temos e a Europa que queremos, tem ficado à margem da grande maioria dos Portugueses, à margem de uma discussão abrangente.
Ora por uma razão, ora por outra.
E é nesta Europa, que Portugal vive hoje uma situação, em que grande maioria dos Portugueses tem suportado, ao longo dos últimos 6 anos, em nome do equilíbrio orçamental, a estagnação dos seus salários, a subida dos impostos, o aumento do custo dos bens essenciais, a perda de poder de compra.
À custa das políticas de equilíbrio orçamental, tem-se fomentado o desequilíbrio territorial e o desequilíbrio social, com consequências por demais evidentes, muitas delas de difícil reversibilidade.
Redescobrem-se misérias a cada aumento dos bens alimentares, dos medicamentos, da educação, da electricidade, da água, dos transportes, das taxas de juro, aumentos que acobertam desiguldades.
A magia da revolução de Abril não resolveu, como não se podia esperar que resolvesse todas as situações de injustiças.
Mas a revolução deu-nos a liberdade de intervimos e de agirmos no que se passa à nossa volta, no que nos rodeia, deixou-nos o espírito de Abril, de solidariedade, mas também o dever de não nos alhearmos e de ficar no conforto do silêncio.
Abril não é alheamento, é participação aos vários níveis, no direito básico que nos é concedido de reclamarmos e nos manifestarmos quando discordamos dos caminhos.
Mas se a todos nós nos cabe o inconformismo, ao poder político, o espírito de Abril reclama que saiba ouvir, não desprezando e não desvalorizando, os contributos que vão chegando da sociedade civil, através das diversas formas de expressão democrática.
Não se pode criticar quem não se resigna e quem não confere ao voto o seu absentismo de cidadania, tal como o "Gastão" da música de José Afonso, um tipo perfeito, que reunia em si todas as qualidades do oportunista, de quem se adapta ao sistema vigente para obter benefícios onde não cabem o sofrimento dos outros.
Sofrimento, esse, que continua a ecoar de muitas partes do mundo, mas particularmente do Iraque, onde se vendeu a ocupação e a destruição como sendo liberdade.
5 anos passados de guerra, ditada pela mentira de uns e a sonolência obedecida de outros, o Iraque é bem o exemplo, dos caminhos tomados por poderes surdos àquela que foi a opinião pública da comunidade internacional.
Poderes surdos que ao surdo poder diziam pretender combater.
Mas é perante as injustiças que ecoam na realidade de hoje, que Abril é esperança, a esperança de quem não se resigna, esperança reforçada pelo exemplo de todos aqueles que durante anos não se resignaram até fazerem Abril com a revolução.
Mas Abril, também é festa, a festa assente no inconformismo, assente na ideia de que não há caminhos inevitáveis, mas de que inevitáveis apenas são os sonhos.
Não vemos Abril como história passada, vemos Abril como história presente, construída pela coragem daqueles que fizeram a revolução, mas também por todos aqueles que a sedimentam diariamente e que diariamente reafirmam:
Viva Abril e tudo aquilo que ele representa,
Viva o 25 de Abril