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15/09/2004
Sobre a Abertura da actividade parlamentar
Declaração Política da Deputada Heloísa Apolónia Abertura da actividade parlamentar
Assembleia da República, 15 de Setembro de 2004
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sr Presidente, Srs Deputados

Teria ficado bem ao Sr. Ministro das Finanças reconhecer, na declaração que fez ao país na 2ª feira, que a generalidade dos portugueses vive hoje pior do que vivia há cerca de dois anos atrás. Afinal a obsessão do Governo com o défice e o cumprimento do pacto de estabilidade, que levou o Governo a exigir tantos sacrifícios aos portugueses, não levou à consolidação das contas públicas, e o Governo vem agora querer que os portugueses mais uma vez suportem a factura da sua incompetência, ou seja a promessa dos bons tempos na segunda metade do mandato já se transformou em continuação do aperto de cinto.

Más notícias para os portugueses num mês que se transforma para muitas famílias numa completa asfixia financeira, devido ao início do ano lectivo, com a angustia de famílias que têm que recorrer ao crédito bancário para garantir aos filhos o direito fundamental à educação, que o Governo se vai desresponsabilizando de garantir, num país onde os encargos com a educação são dos mais elevados para as famílias na Europa, onde o abandono escolar é extremamente preocupante, como mais uma vez é exposto no relatório da OCDE e onde os professores são dos mais mal pagos. A isto acresce a incompetência do Governo na colocação de professores, fingindo que amanhã se inicia um ano lectivo, onde a componente da docência está mais do que coxa, agravada com um novo adiamento da publicação das listas de colocação de professores.

É num país onde o desemprego continua a subir, onde os salários mínimos são dos mais baixos ao nível europeu, com um custo de vida muito elevado, que o Governo assegura, num ano onde os títulos dos transportes públicos aumentaram muito acima da inflação e mais do que é usual aumentarem, que agora vão aumentar trimestralmente em função dos preços dos combustíveis, o mesmo Governo que nunca conseguiu encontrar uma estratégia para aliciar utentes para uma maior utilização dos transportes colectivos e que teima na ineficácia no cumprimento dos objectivos do Acordo de Partilha de Responsabilidade associado ao Protocolo de Quioto.

Na saúde o Governo, contrariando o princípio constitucional da tendência de gratuitidade deste sector, anuncia que vai diferenciar as taxas moderadoras, utilizando vergonhosamente a capa da justiça social. Mas na sua declaração ao país Bagão Félix deixou claro que o objectivo não é promover a justiça social, mas sim aumentar os encargos dos utentes com a saúde porque o Estado tem outras prioridades de intervenção e portanto não há dinheiro para esse sector. Assim, o Governo intensifica o princípio de que quem quer saúde que a pague, quando aqui a questão não é sequer quem quer, mas sim quem precisa.

E como é que o Governo garante que isto se vai processar? – as pessoas vão ser distinguidas no Serviço Nacional de Saúde pelo cartão dos mais abastados e pelo cartão dos mais pobres em função do rendimento declarado. E como todos sabemos que neste país as declarações de rendimentos são tão diferentes dos rendimentos reais, à excepção dos trabalhadores por conta de outrem, o que vai acontecer é que os cartões em muitas situações não vão corresponder a essa eventual capacidade de pagamento. Há que perguntar portanto para o cartão de utente de saúde vão contribuir também os sinais exteriores de riqueza?!

Mas estamos, ainda por cima, a falar sobre um pagamento que os utentes não têm sequer que suportar, porque já pagam impostos justamente para que o Estado lhes ceda esses serviços, sendo que o que o Governo quer é que as famílias suportem duplamente o sector da saúde. E não estamos a falar de serviços de que as pessoas usufruem porque lhes apetece, mas sim porque têm necessidade disso (e aliás o Governo bem tem contribuído para agravar essa necessidade quando devido à sua inércia ou a políticas absolutamente erradas intensifica níveis de poluição que muito se têm reflectido no agravamento de doenças crónicas, nomeadamente nos centros urbanos).

É caso então para perguntar se os nossos impostos não servem para pagar estes serviços públicos tão essenciais, então para que é que servem? Aplicar aqui o princípio do utilizador-pagador é abdicar totalmente do princípio da solidariedade, que na verdade o Governo insiste em transformar em diferentes áreas no princípio da caridade.

Isto é imoral num país onde os índices de pobreza são tão elevados e profundos, 22% da população vive no limiar da pobreza, onde os riscos de pobreza aumentam preocupantemente, e onde o fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é dos mais profundos da Europa. Ora se o Governo continua ao serviço de quem já pode mais, a tendência é para aumentar esse fosso. Não é por acaso que enquanto a generalidade dos portugueses se queixa legitimamente que o orçamento familiar já não consegue cobrir gastos em bens e serviços essenciais, uma pequena maioria, designadamente ligada à banca, se regozija por estes dois últimos anos terem sido muito proveitosos e de significativa obtenção de lucro. Aqui bem se aplica o princípio de que uns são filhos e outros enteados e bem se vê ao serviço de quem está o Governo PSD/PP.

O Governo diz que o Orçamento de Estado não dá para pagar tudo, não dá para suportar tantos serviços públicos essenciais, como a saúde, a educação ou os transportes, mas dá para permitir paraísos fiscais em Portugal, dá para pagar chorudos salários a directores e Administradores, dá para adquirir material de guerra – para quê? Para os utilizar na vigilância de barcos como o da organização Women on Waves inventando um tão potencial risco para a saúde pública dos portugueses?

De um Governo que para sobreviver numa coligação com o PP prefere adiar a resolução da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, não se pode esperar que esteja muito preocupado com os problemas concretos dos portugueses.

De um Governo que anda desacertado e zangado porque o relatório do acidente da Petrogal de Matosinhos veio dizer coisas que não devia, porque é preciso salvaguardar a imagem dos Ministros (sendo que o Ministro António Mexia tem óbvias responsabilidades na existência de um plano de emergência da Galp altamente ineficaz), não se pode esperar isenção no trabalho subsequente que é o de aprofundar a seguranças nas industrias sediadas em Portugal – mas sobre isso teremos oportunidade de, em sede de Comissão, ouvir os Ministros às avessas sobre a matéria.

Sr Presidente
Srs Deputados

Ao Governo pede-se pudor.

Ao Sr Presidente da República que deu o poder a esta Coligação PSD/PP, e que se assumiu como vigilante das suas políticas “Os Verdes” pedem que não aceite inconstitucionalidades declaradas.

Aos portugueses pede-se inconformismo com estas políticas e acção na defesa dos seus direitos.

Nós Verdes não abdicaremos de denunciar e de contestar veementemente aos profundas injustiças que este Governo ameaça aprofundar com o próximo Orçamento de Estado.

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