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07/12/2005
Sobre a Conferência das Partes Alterações climáticas
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia Sobre a Conferência das Partes Alterações climáticas
7 de Dezembro de 2005 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados

Não faltam estudos e relatórios que nos dão conta, mais intensa e explicitamente desde o início da década de 90, da forma como o modelo de crescimento dos países, ditos desenvolvidos, está a prejudicar o Planeta, provocando o aquecimento global da Terra.

O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) dá-nos bem conta da questão quando num dos seus relatórios afirma que o Planeta aumentou no século XX a temperatura média em 0,6ºC e que a orientação e o ritmo que o modelo de crescimento económico predominante assume poderá levar a que durante o século XXI a temperatura média aumente até 5,9ºC. Por aqui bem se vê o perigo iminente a que estamos sujeitos acaso se persista neste modelo.

O relatório da OMS que foi apresentado na 2ª feira, na Conferência das Partes em Montreal, também é elucidativo em relação à forma como as alterações climáticas estão a atingir a saúde da população mundial, com o aumento de doenças como a malária, respiratórias, alérgicas e outras. Este relatório dá conta do número já significativo de mortes humanas directamente relacionadas com as mais elevadas temperaturas, mas são já conhecidos números assustadores de mortes indirectas relacionadas, por exemplo, com fenómenos climáticos extremos que têm devastado zonas diversas do Globo, fenómenos esses que são já uma consequência das alterações climáticas e que terão tendência para se intensificarem.

É neste quadro que está a decorrer no Canadá, até ao próximo dia 9, a 11ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as alterações climáticas - a primeira desde a entrada em vigor do Protocolo de Quioto - que se pretende esclarecedora em relação à situação e objectivos propostos para 2008-2012 e decisiva quanto à definição de objectivos para os anos 2013-2017. Mas, mais uma vez, as negociações estão difíceis pela vontade já expressa por algumas partes, incluindo a União Europeia, de não encerrar a discussão, remetendo para o futuro os objectivos da próxima etapa, o mesmo é dizer dificultando que essas metas entrem em vigor antes de 2013 e, nesse caso, comprometendo o imperativo global de redução das emissões de gases com efeito de estufa.

E é, também, neste quadro que a Administração Norte-Americana, responsável pelo país do mundo que lança o maior número de emissões de gases com efeito de estufa, continua intransigente na sua desvinculação do protocolo de Quioto e na recusa de novos acordos para anos seguintes, continuando a assumir que o seu poder económico não pode ser beliscado a troco de compromissos internacionais que visam tão simplesmente garantir condições de vida no Planeta a médio e longo prazos. Foi neste país que, num só ano, furacões como Katrina e Rita, e outros que virão e cujos nomes não haverá dificuldade em inventar, devastaram e mataram. Mas, ainda assim, o poder económico nos EUA vale mais do que estes azares, assim o entenderão, que a Natureza vai provocando. Este é o paradigma do modelo de destruição – guerra sob as mais diversas formas é o que a Administração Norte Americana está sempre pronta para oferecer – e há muito que declararam uma guerra ambiental no Planeta.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

“Os Verdes” propõem que, mais uma vez neste plenário, olhemos também o fenómeno à nossa dimensão, porque também fazemos parte dele – o projecto SIAM estudou as consequências das alterações climáticas neste país: um alerta foi de imediato para a intensificação de fenómenos climáticos extremos e mais prolongados ou o problema que poderá constituir o aumento do nível dos mares num país que vive quase todo mergulhado no litoral.

Orgulhar-nos-emos porventura de fazer parte dos países do anexo 1 do Protocolo de Quioto, aqueles a que se atribuiu o rótulo de desenvolvidos, e com essa posição temos compromissos assumidos para os anos 2008 a 2012, no âmbito do acordo de partilha de responsabilidades, firmado na União Europeia, de não aumentar em mais de 27% as nossas emissões de gases com efeito de estufa, com valores de referência de 1990.

Em 2003, de acordo com os registos da Agência Europeia do Ambiente, Portugal já tinha aumentado as suas emissões em 36,7% e a previsão desta Agência é que já contando com o Plano Nacional de combate às alterações climáticas e suas medidas adicionais, até 2012 atingiremos o aumento de 42,2%. Seremos assim o país Europeu mais incumpridor do acordo de partilha.

Esta situação e esta perspectiva constituem motivo da fragilização da posição portuguesa na Conferência das partes. Mas, diz o Governo português que isso não é significativo, que não é assim tão problemático, porque temos, ainda assim, condições de chegar a 2012 com os objectivos cumpridos – foi o que ouvimos de declarações públicas do Sr. Secretário de Estado Humberto Rosa, que só não disse é quanto é que os portugueses vão ter que pagar pela incompetência dos Governos que se recusaram a fazer o seu trabalho e os investimentos necessários.

E esses investimentos em medidas internas não foram feitos porque os sucessivos Governos não têm tido uma visão integrada do desenvolvimento, mas antes uma visão cega do crescimento. Se não fosse assim Portugal não seria um dos recordistas de consumo energético: somos o país da Europa que mais aumentou os níveis de emissões no sector dos transportes, fruto da insuficiência da resposta do transporte colectivo às necessidades das populações; foi preciso o preço do petróleo disparar para se definir uma estratégia de redução da dependência do país do petróleo, porque os valores ambientais nunca motivaram nenhum Governo para o efeito; os nossos índices de consumo de energia no sector doméstico não param de aumentar; e para produzir uma mesma quantidade de riqueza gastamos hoje mais 12% do que gastávamos em 1991, o que demonstra bem o pouco que se tem investido na modernização produtiva com vista à eficiência energética; as opções em termos de política florestal e agrícola, que tiveram como consequência o abandono da nossa floresta virando-a predominantemente para a fileira industrial intensiva e rápida, deram o resultado que deram nas tragédias dos fogos florestais, que por sua vez bem contribuíram para mais uma boa dose de emissões de CO2.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

A solução a que o Governo agora se agarra é à compra de licenças de emissão e ao investimento em projectos de desenvolvimento limpo nos países em desenvolvimento. “Um acto de enorme significado histórico” assim designou ontem o Ministro do Ambiente, no Carregado, as primeiras transacções simbólicas entre empresas portuguesas, quando deveria era ter reconhecido que é o resultado da incompetência e da falta de visão estratégica deste Governo e dos anteriores.

As empresas pagarão caro, os próximos Orçamentos de Estado pagarão caro, mas sobretudo esse preço sobrecarregará os orçamentos familiares e sairá do bolso dos portugueses, sobre quem se farão recair os custos adicionais: 22,35 euros é quanto custa uma tonelada de dióxido de carbono e 300 a 400 milhões de euros anuais é quanto se estima que poderá custar aos portugueses a recusa dos sucessivos Governos em investir internamente o que agora vão investir no exterior.

Este é um exemplo que se pode dar, àqueles que só vivem no âmbito de uma visão economicista do mundo, do que custa à economia portuguesa a ausência de políticas integradas para o ambiente e a menorização de medidas de qualificação ambiental.

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