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18/04/2002
Sobre a Discussão de Encerramento do Programa do Governo 2002
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia Discussão de Encerramento do Programa do Governo
Assembleia da República, 18 de Abril de 2002 
 

 
 
 
 
 
 
  
 
 
Sr Presidente, Sr 1º Ministro, Sras e Srs membros do Governo,Sras e Srs Deputados,

Como bem ficou expresso durante o debate, são profundas as divergências ideológicas e políticas que "Os Verdes" têm em relação a este programa apresentado pelo Governo PSD/PP.

Este programa vai todo na lógica da desresponsabilização do Estado em relação às mais diversas áreas. E o pior é quando isso toca sectores vitais dos quais o Estado nunca deveria abrir mão. E nunca deveria abrir mão porque ao Estado cabe assegurar direitos às pessoas, garantir-lhes acesso e sucesso em igualdade a serviços tão fundamentais como são a saúde ou a educação.

O Sr 1º Ministro dizia ontem que não lhe interessam discussões ideológicas sobre o público ou o privado. Mas deveriam interessar, porque é a natureza do serviço que define também o seu objectivo.

As empresas só assegurarão aos cidadãos o que lhes assegurar lucro, a elas. Tudo o mais necessário, que não proporcione ganhos materiais objectivos, o sector privado não assegura. Temos bons exemplos disso, por exemplo na área dos transportes. O que não é legítimo é que o Governo tome essa lógica e se desresponsabilize das suas obrigações nomeadamente em áreas essenciais.

O sector privado deve existir, mas sempre como alternativa e como uma opção do cidadão. E para haver opção do cidadão é preciso que o sector público lhe dê resposta efectiva e que lhe garanta igualdade de acesso e sucesso. Ora deixar de dar essa resposta do sector público, é não deixar alternativa às pessoas e garantir-lhes que, para beneficiar alguns grupos económicos, se prejudicam os cidadãos porque quem quer saúde ou educação tem que as pagar.

Na área da educação, por exemplo, mercantilista ou economicista, um ou outro caem impecavelmente bem ao PS e ao PSD, ambos bem sintonizados na degradação do nosso sistema educativo e da escola pública. Já agora, referir apenas que não são os rankings e as medalhas de mérito que vão resolver os problemas do nosso sistemas de ensino, especialmente quando nada se apresenta para garantir igualdade a todos os estudantes para merecer esse mérito.

Privatizar é a palavra de ordem deste Programa de Governo – a água, os transportes, os resíduos, a RTP, a segurança social. Que benefícios para os cidadãos? É claro, por exemplo no sector da água, atendendo a inúmeros exemplos conhecidos noutros países – pagar mais, e às vezes muito mais, garantindo-se o mínimo de qualidade.

Outra palavra de ordem deste Programa é pedir sacrifícios às pessoas durante os próximos tempos, a pretexto de uma situação grave das contas públicas, que não quer dizer que não exista, mas com a qual o PSD já contava quando durante a campanha eleitoral prometeu mundos e fundos aos portugueses, nomeadamente a redução dos impostos.

E afinal, como foi por diversas vezes referido no debate, o que acontece é que aumentam os impostos nomeadamente o IVA que dói mais àqueles que têm menor capacidade económica. Procura por aí, o Governo, arrecadar mais dinheiro, mas no que respeita às receitas continua a deixar por tributar por exemplo as mais valias. Afinal pedem só solidariedade com a crise e esforço àqueles que não podem fugir a nada, porque os paraísos, a evasão, a fraude e a imoralidade fiscais parece que continuarão a ser uma realidade.

E simultaneamente não põem a hipótese de renegociação do pacto de estabilidade, que deveria necessariamente atender à realidade particular de cada país. Pede-se um esforço de

grande contenção aos portugueses, avisa-se que vai doer, para continuarmos na Europa a demonstrar o que não somos, a inventar ou a batalhar por números que depois não correspondem minimamente à garantia da qualidade de vida dos cidadãos.

E por falar em qualidade de vida, convinha justamente perceber o que é que este Governo pretende em matéria de ambiente. Na sua intervenção o Sr 1º Ministro nada referiu sobre a matéria. O Sr Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, que eu acho que, a olhar pelo programa do Governo, vai ser o Ministro das Cidades e ponto final, não fez intervenção neste debate. Do programa do Governo sobre a matéria só constam um conjunto de generalidades e omissões. Portanto, o que esperar?

"Os Verdes" deixaram algumas preocupações expressas durante o debate, e o que gostava de realçar eram 3 aspectos, que não esgotam as nossas preocupações, mas que são sobremaneira relevantes:

1. O ambiente tem que ser assumido como algo estruturante, transversal a todas as áreas e não sectorial. Esse tem sido um dos grandes problema, é que o ambiente tem sido um sector, residual ainda por cima. E este programa do governo não demonstra que exista outro entendimento, o que é, desde logo, preocupante.

2. As alterações climáticas sumiram-se pura e simplesmente do programa do Governo. Aqui não se tratam de sumidouros de CO2, mas de sumidouro das preocupações com esta matéria, que é tanto mais grave quanto o facto de Portugal ter já ultrapassado em quase 5% os valores de emissões de gases com efeito de estufa que deveria atingir entre 2008 e 2012. O que significará esta omissão?

3. Por outro lado saudamos evidentemente a imediata suspensão do processo de co-incineração, mas não aceitamos que se cruzem os braços, ou que se descruzem a troco de sei lá o quê. Estaremos muito atentos. Resolver o problema do tratamento dos resíduos industriais é um imperativo, mas não aceitamos, de modo nenhum que se coloque novamente mal a questão, i.e como se o problema dos resíduos industriais passasse pela opção única entre co-incineração ou incineração dedicada. Não é disso que se trata. O que é fundamental é que se conheça o que se produz para adequar o melhor tratamento a cada tipo de resíduo. E definir uma estratégia a implementar com urgência que dê prioridade à redução, e às formas de tratamento reciclagem e reutilização.

Sr Presidente
Sras e Srs Membros do Governo
Sras e Srs Deputados

Não queria terminar esta intervenção sem antes referir a vergonha, sublinho a vergonha, que representa para as mulheres portuguesas, no capítulo da família, o programa do Governo assumir que a assistência aos filhos é papel que cabe à mulher e em troca cria-se uma espécie de trabalho própria para o efeito – o trabalho a tempo parcial, que noutros países já deu provas de ser uma medida que para além de retirar à mulher plenos direitos ao trabalho, a prejudica gravemente na sua valorização e progressão na carreira. As mulheres portuguesas têm direito ao exercício da maternidade e a trabalhar plenamente.

Mas de visões tão retrógradas como esta está este programa cheio. Por isso rejeitá-lo-emos através da votação das moções de rejeição apresentadas.

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