|
19/10/2005 |
sobre a Lei do Arrendamento Urbano |
|
Intervenção proferida pelo Deputado José Luís Ferreira Na Assembleia da República
Com o objectivo de dinamizar o mercado de arrendamento e impulsionar a renovação, reabilitação e requalificação urbanas, o Governo apresentou a proposta de Lei que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano e que hoje discutimos.
Para atingir estes objectivos, o Governo insiste, porém, no caminho trilhado pelas últimas alterações ou reformas de que o arrendamento tem vindo a ser objecto, e que é a liberalização assumida do mercado de arrendamento.
Os resultados das alterações que tiveram por base a liberalização, estão à vista de todos: paralisação do mercado de arrendamento, degradação do parque urbano e especulação imobiliária.
O regime de rendas livres trazido com a alteração de 1981 e depois acentuadas em 1985 e 1990, também transportavam os mesmíssimos objectivos que o Governo afirma na sua proposta, a dinamização do mercado e a recuperação das casas degradadas, porém o que se verificou foi exactamente o contrário. E os cerca de 550 mil fogos devolutos dão-nos a exacta leitura da pretendida dinamização do mercado com recurso à liberalização do arrendamento.
Os erros deveriam servir para com eles aprendermos, como forma de evitar repeti-los, mas o Governo insiste na liberalização, correndo portanto o sério risco de voltar a errar.
A nossa Constituição, no seu artº. 65º, elege a habitação como um direito que assiste a todos os Portugueses, e compete ao estado criar as condições politicas que permitam a materialização desse direito.
Apesar disso o Governo pretende agora, acabar com a protecção que a lei até agora tem vindo a conceder, e a nosso ver bem, aos inquilinos, garantindo uma relação equilibrada e estável entre as duas partes.
O arrendamento não pode ser visto apenas sob a perspectiva do potencial económico que pode representar, mas acima de tudo, na perspectiva de que a habitação é um bem social, um direito fundamental e que se vê assim profundamente abalado com esta proposta.
Proposta que representa, antes de mais, um forte empurrão para que o arrendamento se situe exclusivamente dentro da esfera da autonomia negocial das partes, cujo exemplo mais claro nesta matéria, representa a possibilidade do senhorio denunciar o contrato sem causa justificativa.
Com esta proposta o contrato pode cessar por iniciativa unilateral e não justificado pelo senhorio. Tudo se passa como se as partes estivessem em pé de igualdade, quando não estão.
Como é que se pode afirmar que se pretende combater a degradação do património urbano, quando a proposta acrescenta à al. e) do artº. 1051º do Código Cívil, o desaparecimento de qualidades do edifício, como causa de caducidade do contrato?
Desta forma, não estaremos a incentivar o senhorio a não fazer as obras no edifício para que este perca as suas qualidades e para, por via desse facto, poder fazer caducar o contrato de arrendamento. Onde está o combate à degradação do património?
Por outro lado, a abertura que é feita na proposta, para a possibilidade de haver contratos que dispensem a licença de utilização, nº 2 do artº. 1070º, poderá vir a permitir a celebração de contratos de arrendamento de prédios sem o mínimo de condições, degradados e até clandestinos.
No que diz respeito à resolução do contrato para arrendamento, registe-se a redacção proposta para o nº. 2 do artº. 1083º do Código Civil, que faculta ao senhorio um indeterminado rol de fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento por incumprimento.
Acresce ainda que a proposta atribui ao senhorio o poder de recusar a manutenção do contrato, se o arrendatário estiver em mora no pagamento de renda superior a três meses,
Ignorando assim a situação económica e financeira de muitos portugueses, fechando desta forma, os olhos perante o aumento do desemprego e sobretudo esquecendo que o próprio Governo não prima pela pontualidade no que diz respeito ao pagamento de subsídios aos Portugueses que deles beneficiam.
Também na denúncia para habitação nos contratos de duração indeterminada, a proposta consagra situações que a nosso ver são inaceitáveis, desde logo, a faculdade que é atribuída ao senhorio, nos termos do artº 1101º., para, sem ter de justificar, poder denunciar o contrato, bastando para tal que comunique o facto ao arrendatário com a antecedência de cinco anos.
E neste caso, ao contrário dos restante casos de denúncia por parte do senhorio, sem prever qualquer indemnização para com o arrendatário.
Relativamente ao regime da transmissão por morte, é verdade que a proposta vem alargar o universo das pessoas para quem a transmissão pode operar, quando comparado com o universo actual, o que aparentemente seria positivo.
Porém se tivermos em consideração a faculdade que a proposta confere ao senhorio de, sem causa justificativa, poder denunciar o contrato, facilmente constatamos que a transmissão pode ser travada unilateralmente pelo senhorio, basta para tal aguardar cinco anos.
E portanto o objectivo que em matéria de transmissão por morte, a proposta pretende, cai assim por terra.
Em conclusão, a nosso ver, a proposta do governo para além de não ir contribuir para dinamizar o mercado de arrendamento, nem impedir a progressiva degradação do património urbano, é desequilibrada e socialmente injusta.
Foi aqui dito pelo Sr. Secretário de Estado que a proposta do PSD que não chegou a ser lei, que seria a lei despejos, esta se vier a ser aprovada, não é a lei dos despejos porque acaba por dispensa-los, tantas são as faculdades atribuídas para por termo ao contrato de arrendamento.