|
07/10/2004 |
Sobre a liberdade de expressão e sobre a R.A. da Madeira |
|
Declaração política Deputada Heloísa Apolónia (PEV) Sobre a liberdade de expressão e sobre a R.A. da Madeira
Assembleia da República, 7 de Outubro de 2004
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
É preciso que os portugueses tenham consciência que chegámos ao cúmulo do autoritarismo quando o Governo, ao fim de 2 anos e meio de mandato, já não suporta ouvir críticas e usa a sua influência descaradamente para calar vozes incómodas. Neste país as coisas funcionam assim: há interesses com poder, e quando algum projecto ou alguma pessoa incomoda esses interesses são usados todos os mecanismos, mesmo que impensáveis e ilegítimos, para o seu silenciamento. Este vício antidemocrático que caracterizou vários Governos, e agora o Governo PSD/PP, é pura e simplesmente intolerável e merece o repúdio dos portugueses e dos demais órgãos de soberania. É esse repúdio que “Os Verdes” querem aqui manifestar, como sempre repudiámos formas de discriminação, que existem mesmo nos canais públicos de televisão, e nos indignámos com afirmações de responsáveis da informação que demonstram essas formas de pressão e se assumem igualmente como voz dessa discriminação em relação a certos projectos, definidas nas suas orientações jornalísticas.
No caso concreto do Professor Marcelo, alguém estaria à espera que o Governo reconhecesse que tinha de facto exercido pressão para calar Rebelo de Sousa? Mas uma coisa é o que o Governo diz e o que tenta ludibriar, outra coisa são os factos. O facto é que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares manifestou publicamente, e certamente foi mais claro privadamente, uma profunda intolerância em relação às críticas que o comentador dirigiu ao Governo e considerou que isto não poderia continuar assim sem contraditório, ou seja sem que o Governo tivesse o mesmo tempo de antena para jogar à defesa e procurar convencer da bondade desta maioria.
O facto é que pouco tempo depois Paes do Amaral falava com Marcelo, o qual, de acordo com as suas próprias declarações, consciente que não estavam reunidas as condições para continuar a exercer livremente o seu direito de expressão, considerou desvincular-se dos comentários de domingo da TVI. Pergunta-se então que relação poderá haver entre as críticas do Ministro Gomes da Silva e a conversa de Paes do Amaral! Coincidências ou pressões eficazes em troca da concretização de projectos televisivos – a dúvida fica para quem quiser continuar a acreditar em contos de fadas. Para quem tem os pés bem assentes na terra a certeza é a de que o lápis azul está um pouco mais carregado, começando a lembrar outros tempos. E o Primeiro-ministro, Santana Lopes, pactua com este triste espectáculo.
Mas não é só na comunicação social que o Governo procura silenciar vozes incómodas. E há ex-Ministros de Governos PSD que, apesar de afirmarem o contrário, sabem que a história desse partido está cheia destes exemplos (não vale a pena indignarmo-nos apenas quando a discriminação toca uma figura pública) - nos tempos de Cavaco Silva o bastão da polícia de choque era um instrumento constantemente presente nas manifestações públicas contra as políticas do Governo. Este Governo PSD/PP tem usado o instrumento do medo para silenciar vozes – lembremo-nos da forma como a própria alteração ao Código de Trabalho fragilizando os contratos de trabalho, tornando os trabalhadores mais dependentes da boa vontade das entidades patronais, contribuiu para generalizar o medo de participar em manifestações públicas, maiores ou menores, para poder garantir o posto de trabalho.
Os vícios do poder de Alberto João Jardim servem de orientação a este Governo. Na Madeira a generalidade das pessoas foge da visibilidade pública para não ameaçar a sua carreira, as câmaras da televisão aproximam-se e as pessoas dispersam para fugir à imagem. Isto é democracia? Isto é liberdade? Os portugueses, todos, onde quer que estejam, concluirão!
Chegados aqui permitam-me, Srs. Deputados, manifestar um exemplo de como esta prepotência se reflecte em políticas concretas, nomeadamente na colocação de leis nas gavetas; manifestar uma indignação particular com aquilo a que temos, ao longo dos tempos, assistido na Madeira, com as ameaças ao ordenamento daquele território.
Na ilha da Madeira parece que as regras mais elementares respeitantes ao domínio público hídrico não se aplicam. A opção tem sido a da promoção de um turismo massificado e da elitização de certas zonas turísticas. O desordenamento, a destruição paisagística, a degradação dos recursos naturais que tem sustentados estas opções, acabarão por se virar contra si e na desvalorização do próprio turismo desta ilha. Porém, a destruição do património natural e a betonização dos espaços têm efeitos irreversíveis: na praia de Machico a construção de uma marina, de entre as inúmeras que invadem tudo quanto é baía, e a betonização da praia são um exemplo da forma como insustentavelmente se vão destruindo espaços públicos e valiosos ecossistemas; na praia dos Reis Magos, em Caniço de Baixo, a mega construção hoteleira é o exemplo do que mais há na Madeira (construída junto ao mar, impermeabilizando solos, lançando águas residuais directamente para o mar e condicionando os acessos ao mar da generalidade das pessoas, para bom descanso dos seus clientes, situação que se repete em tantas outras áreas como na praia na Foz da Ribeira ou na zona do ribeiro Seco ou na zona da estrada monumental, onde o PDM foi inclusivamente alterado para permitir a privatização das praias, através do condicionamento do acesso por via de um pagamento que numa família de 3 pessoas requer um pagamento de cerca de 10 euros diários.
Mas perspectivam-se mais agressões sociais e ambientais desta natureza, por exemplo na praia do Touco com a construção de um edifício de 15 andares a ocupar a encosta, a zona de praia e chegando a ocupar uma parcela do mar, ou na reserva do Garajau, uma zona protegida, onde há já um projecto para construir um empreendimento turístico de grande volume na falésia, reserva que já está hoje profundamente ameaçada por diversas fontes poluidoras, desde os efluentes da ETAR do Funchal, muito primária e sem manutenção do emissário, até às águas residuais do parque industrial do Funchal.
É assim, Srs Deputados, com este retrato de situações de verdadeiros atentados ao património natural e àquilo que tem tudo a ver com a destruição da possibilidade de valorização de um potencial de desenvolvimento muito particular que a Madeira encerra em si, que termino, concluindo que o autoritarismo neste país que se reflecte no ordenamento dos espaços, que se reflecte no pacto de não destruição de paraísos fiscais como o off shore da Madeira que tornam imoral os benefícios da banca no nosso sistema fiscal, ou que se reflecte na limitação da liberdade de expressão que o país olha hoje com indignação devido ao caso Rebelo de Sousa, que este autoritarismo é a total submissão aos interesses poderosos deste país, ao poder económico. Haja, pois, quem não cale a voz para exigir o funcionamento da democracia 30 anos depois do 25 de Abril.