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19/05/2004
Sobre a Privatização da Agua
Declaração Política da Deputada Isabel Castro Sobre a Privatização da Agua
Assembleia da República, 19 de Maio de 2004
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É um escândalo.

O Governo, este Governo, este Governo, que não tem uma ideia, uma estratégia, uma política para o ambiente, decidiu a privatização da água.

Um erro político tremendo.

Esta decisão reflecte a total cedência do Governo, a um dos mais poderosos lobbies do mundo – o lobby do negócio da água.

Esta decisão do Governo é inimiga do ambiente, é inimiga dos interesses dos cidadãos consumidores, é inimiga de uma visão estratégica da economia portuguesa.

Em suma, esta decisão é contrária ao interesse nacional.

Passemos aos factos. E relembremos o processo que, aparentemente, precedeu esta decisão:

Em Outubro de 2002, o actual Governo mandou elaborar um primeiro estudo. A sua orientação era: “ definir o modelo empresarial, para efeitos de posterior abertura da água à iniciativa privada “.

Roland Berger foi a consultora escolhida.

O estudo, esse, foi ciosamente guardado e impedido o seu acesso pelo Parlamento.

Em Outubro do ano seguinte, o mesmo governo, com novo titular no Ambiente, encomenda a um grupo de peritos, novo estudo. De acordo com suas próprias palavras, para completar as falhas identificadas no primeiro, que se centrava em exclusivo numa única solução.

O Parlamento desconhece igualmente tal estudo. Bem como as falhas, existentes ou não.

Tudo falhou e faltou no Parlamento.

A falta de transparência é, neste processo, absoluta!

Entretanto, e na sequência de tudo isto, o Governo anuncia esta semana a sua decisão. A alienação da Águas de Portugal, a holding nacional, com a privatização de 49% do seu capital.

É a porta aberta para a privatização total!

Esta a decisão de venda que implica a alienação total da AQUAPOR, a empresa que detém a participação em onze empresas concessionárias da distribuição de água no sistema em baixa.

Esta a decisão que vai determinar a venda da EGF-EMPRESA GERAL DE FOMENTO - empresa responsável pelos resíduos industriais.

A alienação da AdP, que vai significar a entrega a privados da prestação de serviços essenciais e lucrativos em domínios como a engenharia, a operação e a manutenção.

Ainda, uma privatização da AdP que vai, de uma penada, liquidar uma das mais importantes e sólidas empresas nacionais, num sector estratégico, cujo know how lhe deu uma projecção internacional importante, designadamente, em termos da cooperação com África.

Esta a operação que deixa, ainda, em aberto e como incógnita o futuro da EPAL, a jóia da coroa neste sector.

E um infindável rol de fundadas dúvidas, a que se soma a da própria avaliação feita da holding, cujo valor estimado, entre os 500 e 700 milhões, é cerca de 1/3 do montante avaliado há dois anos, cabendo perguntar se houve entretanto, gestão ruinosa da Administração ou se preparam preços de favor para os amigos de ocasião ….

Senhoras e Senhores

Deputados,

Sejamos claros.

O que se prepara é a inadmissível e a inaceitável destruição do controlo público de um recurso estratégico para o país. De um serviço essencial para a preservação da saúde, a preservação do equilíbrio dos ecossistemas, o desenvolvimento, a vida das pessoas.

O acesso à água em qualidade e em quantidade, a um preço justo, é um direito fundamental dos cidadãos.

A água é um bem comum, não uma mercadoria, logo, um recurso que embora com valor económico é insusceptível de ser gerido numa lógica de lucro e de mercado, tão pouco de ficar à mercê da especulação bolsista, a que o actual Governo o pretende entregar!

Essa é, precisamente, a razão pela qual a Resolução do Parlamento Europeu de 14 de Janeiro deste ano, Sobre os Serviços de Interesse Geral é taxativa na desaprovação da ideia da subordinação deste sector, não só em termos de abastecimento de água, igualmente de saneamento, à lógica liberalizadora que deve ser preterida em favor de uma modernização que preserve a qualidade, a eficiência e a protecção ambiental.

A qualidade da água e, em consequência, a prevenção das fontes poluidoras para a garantir saúde humana e protecção do meio ambiente só pode ser garantida pelo controlo público.

Compreendido que não é propriamente esse o objectivo do mercado, mais apostado em vender os seus próprios produtos, desde logo, os que decorrem das necessidades geradas pela contaminação.

A eficiência, isso significando o acesso universal a um preço socialmente justo, com equidade inter territorial e em condições de sustentabilidade ambiental, só pode ser garantida pelo controlo público da água.

Compreendido que não é certamente a lógica do mercado que teria determinado e tornado rentável que uma população como a de D. Maria, no concelho de Sintra, pudesse ter já tido acesso a este bem vital, para a melhoria da sua qualidade de vida.

A protecção ambiental, aí consideradas a exigências de uma nova cultura da água, que permita a utilização sustentada deste bem, combata o desperdício e respeite o equilíbrio ambiental, só pode ser garantida pelo controlo público da água.

Compreendido que não é propriamente dos accionistas que se pode esperar que promovam a poupança de um recurso, cujo lucro será tanto maior quanto o consumo verificado.

Dados incontornáveis que as experiências pontuais ocorridas há anos no Reino Unido, em França e nos Estados Unidos, concretamente em Atlanta, permitem observar.

Exemplos vários de significativa degradação na qualidade nos serviços de abastecimento prestados aos consumidores, nalgumas regiões de França que adoptaram o sistema.

Exemplo de aumento do desperdício de água, a atingir no Reino Unido a ordem dos 30%.

De brutal agravamento do preço das tarifas aos consumidores neste país e nos Estados Unidos – a ultrapassar os mais 42% - o que levou Atlanta, ao fim de 4 anos de privatização, a abandonar esta desastrosa opção.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Isto é um escândalo.

Esta decisão de privatizar a água.

A decisão que o representante da Associação das Empresas do Sector do Ambiente, João Levy, um dos três peritos que integrava a task force, criada pelo governo, diz corresponder ao interesse dos privados.

O que afinal não surpreende, sabido que o representante escolhido pelo Ministério das Finanças neste grupo para o presidir e decidir sobre uma questão da maior importância para os portugueses, foi precisamente o representante da Lusagua, ou seja, a empresa do grupo SUEZ/LYONNAISE uma das multicionacionais na luta pelo domínio neste sector.

Um escândalo que o Parlamento não pode ignorar.

Motivo que justifica precisamente por isso, a decisão dos Verdes de requerer a realização de um inquérito parlamentar, com a iniciativa que vamos apresentar na mesa.

Inquérito sobre uma decisão tomada pelo Governo que representa um tremendo erro político.

A decisão que é inimiga do ambiente dos interesses dos consumidores /inimiga da nossa economia/.

Decisão que é contrária ao interesse nacional.

Disse!

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