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23/06/2005 |
Sobre a proposta de lei nº6/X que altera o estatuto do pessoal dirigente na função pública |
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Intervenção Deputado Francisco Madeira Lopes Sobre a proposta de lei nº6/X que altera o estatuto do pessoal dirigente na função pública
Lisboa, 23 de Junho de 2005
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,
O tema que discutimos aqui hoje é, no entender d’ Os Verdes, da maior importância.
É da maior importância porque Portugal precisa, para vencer as dificuldades do presente e os desafios do futuro, sem abdicar das conquistas de direitos sociais e dos progressos civilizacionais, de uma Administração Pública forte, competente, isenta, estável e motivada, para que o Estado possa cumprir cabalmente os objectivos programáticos aos mais diferentes níveis que a nossa Constituição nobremente lhe confiou.
E essa Administração Pública, competente, estável, motivada, implica necessariamente um regime de acesso às suas carreiras e cargos, justo, transparente, tão célere quanto possível sem prejudicar as garantias dos que concorrem a esses lugares, e guiado pela busca dos mais competentes para os lugares certos. Tal desiderato deve ser perseguido, na maior extensão possível, através de concursos públicos que permitam seleccionar os mais bem preparados e com mais experiência, em suma aqueles que serão mais capazes de melhor servir o interesse público, independentemente do seu género, orientação sexual, raça, credo religioso, clube desportivo, lobbie, congregação secretista ou partido político.
Num momento em que o Governo exige contenção, sempre mais a uns do que outros, sempre mais aos mesmos;
Num momento em que a função pública em geral e os chamados corpos especiais em particular, sofrem o mais desavergonhado ataque aos seus direitos adquiridos e legitimamente consolidados durante anos de dedicação e entrega à causa pública, sem qualquer reconhecimento por parte do executivo;
Num momento em que a real ameaça de aumento de desemprego paira sobre os portugueses e em que continua de pé a promessa do Governo do PS de extinguir 75 mil postos de trabalho na função pública:
Os Verdes afirmam que são totalmente favoráveis a todas as medidas que visem moralizar e dignificar o acesso aos mais altos cargos da Administração Pública, os cargos dirigentes.
È aliás caricato que sejam precisamente os partidos que ficarão na história do regime democrático do pós 25 de Abril, como os introdutores da moda dos “jobs for the boys”, que vêem depois defender que é preciso emagrecer o estado e reduzir o seu peso enquanto empregador.
É também caricato ver hoje PSD e PP criticar o PS por ter a mesma conduta que eles próprios tiveram quando eram Governo… Não que a crítica não assente ao PS …
Pois, infelizmente, nesta matéria, o Governo prometeu muito mas, mais uma vez, não está a cumprir com o que prometeu. Começou este mandato apresentando um governo com menos ministros do que os anteriores, tendo ainda prometido então, de acordo com o seu programa eleitoral, “Acordar a nível parlamentar na definição dos cargos dirigentes de nomeação e sua vinculação ou autonomia em relação às mudanças eleitorais”. E ao longo destas semanas, desde que tiveram lugar as rondas realizadas por todos os partidos com assento parlamentar, bem se esforçou o Governo para, na comunicação social, tentar passar a ideia de que a proposta apresentada reunia o consenso de todas as bancadas.
Mas a verdade é outra, Srs. Deputados. Se de facto esta proposta repõe, de forma correcta, a situação de recrutamento por concurso para as chefias intermédias, os directores de serviços e chefes de divisão, e se corrige ainda a gravosa situação referente às chorudas indemnizações costumeiras na famosa dança das cadeiras sempre que há eleições, a verdade é que o diploma que o Governo nos apresentou a final vem defraudar por completo as expectativas criadas, pecando por falta de extensão e de visão relativamente ao que deve ser uma Administração Pública moderna, isenta, rigorosa e eficaz.
Infelizmente, não é ainda com esta proposta de lei que se irão moralizar as admissões realizadas através de nomeação política. É que o diploma apresentado não deixa qualquer margem para dúvidas, pois logo na primeira alteração proposta para o artº 1º da Lei nº2/2004, se cria toda uma panóplia de regimes de excepção que, pela sua extensão, e pela grandeza de números que implica, torna a excepção em regra e a regra em excepção, desvirtuando por completo as boas intenções anunciadas.
O Governo PS pretende assim fazer um truque de ilusionismo. Faz desaparecer umas nomeações políticas de um lado para logo a seguir as fazer reaparecer noutro lado.
Mas se de facto, ainda houvesse dúvidas relativamente às intenções do Governo bastaria olhar o quadro total abarcando não só a proposta de lei mas aquela que tem sido a sua conduta desde que tomou posse.
Com efeito, como foi bastamente noticiado na comunicação social, o Governo Sócrates já nomeou 1.100 pessoas para cargos públicos em dois meses e meio, a uma média de 12,7 nomeações por dia, dos quais mais de 800 para gabinetes ministeriais, não se deixando, assim, ficar atrás dos dois anteriores governos da direita demonstrando mais uma vez que é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa.
O Sr. Primeiro-Ministro, inclusivamente, preocupado em dar o exemplo, foi nesta matéria anunciado como o vencedor e recordista, com a melhor marca pessoal desta legislatura, com 47 colaboradores directos.
Bem pode o Governo dizer que todas as nomeações foram de confiança política e que estão dentro da lei. Mal seria que o Governo tivesse violado frontalmente a lei. É absolutamente normal e desmerecedor de quaisquer incómios que o Governo cumpra a lei. O que aqui está em causa é precisamente a lei e a situação que actualmente existe, manifestamente iníqua nesta matéria, e saber se as alterações agora propostas vêm corrigir a situação ou não. E a nossa resposta, infelizmente, Srs. Deputados é que não vem. Fica claramente aquém do que se impunha, demonstrando uma postura politicamente fraca e pouco frontal.
E isto é tão mais grave quanto é sabido, que não basta fazer leis recheadas de boas intenções, se depois, como já se assistiu anteriormente, se vier com futura legislação avulsa, designadamente com as leis orgânicas dos entes da Administração Pública, a introduzir distorções e contornos dos poucos princípios enunciados, permitindo entrada franca pela porta do cavalo a todos os boys que deixarão de entrar pela porta da frente.
Ou seja, importaria que o Governo na sua actuação, aplicasse na prática, de facto, os bons princípios que teoricamente defende, o que, com a postura que tem adoptado nesta matéria até este momento, quer do ponto de vista legislativo, quer do ponto de vista da sua actuação, já demonstrou não estar empenhado em fazer.