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14/12/2006
Sobre a reunião do Conselho Europeu de Bruxelas, 14 e 15 de Dezembro
Declaração Política do Deputado Francisco Madeira Lopes Sobre a reunião do Conselho Europeu de Bruxelas, 14 e 15 de Dezembro 14 de Dezembro de 2006
 

 

 

 

 

  

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Começou hoje a reunião de dois dias do Conselho Europeu, com a presença dos representantes dos diferentes governos da União Europeia, a qual foi convocada com uma agenda específica, proposta pela Presidência Finlandesa, a qual propunha limitar a discussão às questões:

- Do alargamento, o mais próximo, já em Janeiro da Bulgária e Roménia, e os futuros incluindo a questão da Turquia;
- Da implementação do programa de Haia nas áreas da liberdade, segurança e justiça (incluindo a questão migratória);
- Da reconhecimento da importância de apostar na inovação e de discutir a questão energética relacionando-a com as alterações climáticas; e
- Da agenda das relações com países terceiros.

Contudo, ao conhecermos o projecto de conclusões da reunião, que foi previamente elaborado, verificamos que a essa agenda inicial foram aditadas, ou melhor enxertadas artificialmente, duas questões que importa destacar porquanto essa inclusão é extremamente significativa.

Em primeiro lugar, a questão do Tratado Constitucional Europeu inserido a título de ponto prévio pelo facto óbvio das duas próximas presidências, a Alemã no 1º semestre de 2007 e a Portuguesa no 2º semestre, se encontrarem clara e assumidamente empenhadas em o levar por diante apesar do texto já ter sido rejeitado em referendo pelos povos de dois países, a França e a Holanda e que, por isso mesmo, não podendo haver a fundamental unanimidade, é um texto já inviável e não desejável o que, quanto mais depressa for assumido, mais rapidamente poderemos dirigir energias para os problemas que afectam verdadeiramente os europeus e os portugueses.

Aliás, não é por acaso, que se vão levantando, preocupantemente, cada vez mais vozes contra a questão da unanimidade nas decisões europeias, as mesmas vozes que reclamam pela resolução do dito problema institucional, que não permite que a Europa fale a uma só voz, sem se preocupar que essa voz possa não representar os interesses, desejos e aspirações dos povos da União Europeia.

Mesmo que aqueles não se sintam representados, nem se revejam nas políticas prosseguidas pelos órgãos da União, nem concordem com as suas orientações, mesmo que vejam os seus direitos paulatinamente serem postos em causa em nome da competição pela supremacia económica e de prestígio na cena internacional, em, nome de uma Europa mais coesa e mais eficaz nas decisões mas menos coesa regional e socialmente e menos capaz de responder aos problemas e às necessidades internas da generalidade dos cidadãos dos estados membros, o rumo está traçado e não passa por um olhar crítico para dentro analisando onde é que se está a falhar, que erros foram ou estão a ser cometidos, o que é que deve ser mudado para inverter este caminho de progressivo divórcio entre as instituições e as pessoas.

Não, Srs. Deputados, infelizmente o caminho que está traçado passa única e simplesmente, por estudar a melhor maneira de convencer os cidadãos europeus, certamente com recurso às melhores estratégias de marketing, que querem a constituição europeia, que precisam da constituição europeia, que não há melhor caminho do que aquele apontado pela constituição europeia, e que não há outra alternativa.

E esse é o caminho que vai ser prosseguido, com prioridade, e a toda a velocidade, pela presidência Portuguesa, pois o Governo até já se arroga de afirmar, pela voz do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, como se já tivesse havido um referendo e os portugueses já se houvessem pronunciado, que Portugal apoia o Tratado Constitucional. É profundamente lamentável.

Mas não só. Pois ainda de acordo com o projecto de conclusões, e se este se confirmar, há ainda um outro ponto que será enxertado na ordem de trabalhos inicial, de forma quase discreta, apelando a um debate aprofundado sobre a flexisegurança durante a Cimeira Social Extraordinária, em Outubro do próximo ano, em plena presidência do nosso país.

Estranhamente, ou não, o tema da flexisegurança é introduzido no ponto da agenda referente a Inovação Tecnológica, Energia e Alterações Climáticas. Tem tudo a ver, não se está mesmo a ver? À falta de melhor, uma vez que não era possível encaixá-lo nem no Alargamento, nem nas relações externas, poderiam pelo menos ter ensaiado a sua inclusão no ponto referente a Segurança, Liberdade e Migrações já que é a segurança do direito ao emprego e ao trabalho que é posta em causa, uma vez que é a total liberdade para poder despedir sem qualquer justificação que se pretende instalar satisfazendo os que defendem a desregulamentação e a desprotecção dos trabalhadores o que vai naturalmente condená-los a uma eterna migração, de emprego em emprego, circulando não livremente mas obrigatoriamente dentro do seu país e de estado membro para estado membro, reduzido à condição de uma qualquer mercadoria sujeita às leis da oferta e da procura, sem direito à estabilidade, com prejuízo para a vida familiar e a inserção social, os novos nómadas do Séc. XXI recolectores de salários.

Mas não, afinal a flexisegurança não é pelos vistos encarada como uma questão social e laboral, mas antes é encarada como uma questão de Inovação, inovação tecnológica certamente na visão tecnocrática e desumana da tirana eficácia competitiva no mercado global.

De mercado principalmente se fala, mais uma vez, no que toca ao tema da energia e das alterações climáticas.

Não é possível pretender mudar realmente a nossa realidade de dependência extrema e de ineficiência gritante a nível da energia, com reflexos ambientais, económicos e sociais extremamente graves, quando as medidas se limitarem a andar ao sabor dos grandes interesses económicos e onde estes mostram vontade de investir independentemente de uma estratégia nacional, que compreenda que a sustentabilidade ambiental pressupõe sustentabilidade social, que coloque o Estado a assumir as suas responsabilidades públicas, designadamente numa política de promoção do transporte colectivo público atacando o problema da dependência do petróleo e das emissões de gases com efeito de estufa.

Não é igualmente possível encarar o combate às alterações climáticas colocando no centro da discussão uma pretensa essencialidade do mercado do carbono global, como o faz o projecto de conclusões do presente Conselho Europeu. Os Verdes, reconhecendo a importância fundamental do protocolo de Quioto e do cumprimento desse compromisso internacional, reafirmam que os princípios e os objectivos de Quioto não se cumprem principalmente através do mercado de carbono nem com o recurso por regra e norma ao sistema da compra e venda de emissões.

Quioto cumpre-se adoptando políticas e medidas que reduzem internamente a emissão de gases, que apostam na poupança e na eficiência energética. O mercado do carbono serve apenas para gerir a incapacidade de prosseguir esses objectivos através de um sistema de multas aplicadas aos prevaricadores.

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Bom seria que o Governo Português e os restantes governos da União Europeia, reflectissem para onde caminhamos. É que a ideia de uma Europa mais forte não vale por si só. É preciso saber para quê e como é que se vai usar essa força e à custa de que sacrifícios e de que retrocessos sociais é que ela se consolidará.

Não basta defender políticas comuns, seja na energia, na agricultura ou na regulação laboral, é preciso conhecer, analisar, discutir os conteúdos dessas políticas antes de defender a adesão às mesmas.

Não basta aperfeiçoar no sentido da celeridade e da eficácia o mecanismo de decisão se estas não responderem aos problemas das pessoas, se não procuram o seu envolvimento crítico e activo e se se limitam a tratar com paternalismo e complacência as suas lutas e reivindicações sociais, económicas e ambientais, arredando-as cada vez mais da vida pública, prestando assim um mau serviço à democracia, à Europa e ao Mundo.

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