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22/09/2004
Sobre a Semana da Mobilidade - Dia sem carro
Declaração Política do Deputado Francisco Madeira Lopes sobre a Semana da Mobilidade
Assembleia da República, 22 de Setembro de 2004
 

 
 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Comemora-se hoje, dia 22 de Setembro de 2004, a 5ª Edição do Dia Europeu Sem Carros, dia em que chega também ao fim mais uma Semana Europeia da Mobilidade, este ano promovida sob o lema “Caminhos Seguros para as Crianças”.

Mais uma vez, relembram-se preocupações e promessas, aprovam-se pequenas medidas simbólicas e dão-se pequenos mas importantes passos. É inegável a importância desta iniciativa pelo contributo que dá para o aumento da consciencialização por parte de cidadãos e entidades para os problemas da mobilidade.

No entanto, igualmente inegável é, que o principal, continua por fazer. Com efeito temos assistido, e continuamos a assistir a um progressivo e aparentemente inexorável avanço da degradação dos Sistemas de Transportes Colectivos Públicos, Urbanos e Interurbanos na generalidade do país. Se é verdade que algo foi feito, nas duas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, apesar de manifestamente insuficiente face ao quadro negro que apresentam, todo o resto do país continua a ser paisagem para ser observada da Auto-estrada ou da janela dos Comboios Alfas-Pendulares.

A verdade é que, a nível Nacional se tem assistido a um verdadeiro retrocesso de décadas, com a média distância entre as pequenas localidades e os centros urbanos mais próximos a sofrer dos maiores revezes. O desmembramento da antiga Rodoviária Nacional, com a progressiva supressão de linhas e horários considerados não rentáveis, tem deixado inúmeras localidades de Norte a Sul do país votadas ao total isolamento, contribuindo de forma acentuada para a desertificação humana e criando verdadeiros problemas sociais de acesso aos mais elementares bens e serviços, como a saúde, aos mais idosos, aos mais pobres e aos mais desfavorecidos. Também a ferrovia, já há alguns anos a esta parte, passou a ser vista e tratada, não como bem público essencial a promover e desenvolver, mas como um doente que, em lugar de se curar, se prefere votar ao abandono. O resultado tem sido igualmente a desactivação de linhas, estações e apeadeiros, a restrição do número de comboios e horários aos portadores de passes sociais, dificultando cada vez mais a vida aos que fazem deste meio de transporte o caminho para o trabalho todos os dias.

O cenário é verdadeiramente dantesco com comboios antigos sujeitos a operações de rejuvenescimento à custa de maquilhagem, com autocarros importados em segunda mão, e veículos em fim de vida que não garantem o transporte dos utentes em condições de segurança e conforto aceitáveis, com atrasos crónicos, com insuficientes linhas dedicadas, com a intermodalidade por fazer, com a integração das bicicletas e a consagração do acesso de pessoas com deficiência e outras pessoas com mobilidade reduzida nos transportes colectivos reduzidas a medidas pontuais, isoladas, pouco abrangentes e ineficazes.

Perante este cenário, a reacção do Governo foi (que surpresa), na lógica que agora se lhe tornou tão cara do utilizador/pagador, tal como do poluidor/pagador e, já agora, do trabalhador/pagador (o que interessa é que seja pagador), voltar agora a aumentar o preço dos passes sociais em 2,9%, o qual, somado ao aumento praticado em Março deste ano de 3,9%, representa um aumento global de 6,8% extremamente gravoso, quando se sabe que os transportes ocupam cerca de 20% do orçamento médio das famílias portuguesas.

Não podem restar, assim, dúvidas de que aos portugueses, mais do que empurrados, escorraçados à força para fora dos transportes públicos colectivos, não lhes resta outra alternativa do que recorrer ao automóvel particular. Só pode ser esta certamente a intenção do Governo que de resto tem dado os seus frutos uma vez que se assiste a uma cada vez maior utilização do carro individual em detrimento do transporte colectivo.

Todos os dias entram em Lisboa, sem contar com os moradores, 407 mil carros e, no Porto, perto de 175 mil, cerca de 80% dos quais transportando apenas o próprio condutor.

Em comparação com outros meios de transporte como os aéreos, marítimos ou ferroviários, os automóveis são responsáveis por 91% das emissões de gases com efeito de estufa. Nos últimos 15 anos o crescimento do parque automóvel supera a venda até dos telemóveis. Portugal apresenta uma média superior a um automóvel por cada dois habitantes.

Os impactos desse fenómeno, são gravíssimos e bem conhecidos, com aumentos preocupantes dos níveis de poluição do ar e das emissões de gases com efeito estufa, tornando claro que já não será possível a Portugal cumprir a sua parte no Protocolo de Quioto, revelando o Governo um total desprezo por aquele que já foi considerado o maior desafio deste Século: o combate ao Aquecimento Global e suas consequências, as alterações climáticas e o efeito estufa.

Portugal é hoje um dos 50 maiores poluidores mundiais, estando em 49º lugar no que toca aos que mais contribuíram com emissões de gases para o efeito estufa do planeta, apesar de sermos apenas o 97º em termos de população!

O nosso país tem atingido níveis francamente preocupantes não só no que toca à emissão de gases poluentes (monóxido de carbono, dióxido de azoto, dióxido de enxofre), mas particularmente no que respeita em concreto às emissões de partículas e de ozono.

Entre 1995 e 2000, registaram-se em todo o país 200 ultrapassagens dos níveis máximos de ozono tolerados pela legislação. Só em 2003, ano em que os níveis de ozono passaram a ser medidos em cerca de 50 estações, o limite foi excedido nada mais nada menos que 230 vezes.

As implicações em termos de Saúde pública, com o aumento das doenças crónicas das vias respiratórias, e alérgicas, bem como dos riscos de cancro, sem já falar no Stress de quem passa em média 1h 40m no trânsito, são enormes e incalculáveis.

É por tudo isto que “Os Verdes”, têm procurado introduzir medidas concretas com vista à promoção de transportes colectivos, em segurança, e transportes alternativos.

É nesse sentido que reapresentaremos o nosso Projecto de Lei sobre a criação do plano nacional para as pistas cicláveis, e realizaremos as nossas jornadas parlamentares, nos dias 11 e 12 de Outubro, subordinadas ao tema dos transportes colectivos.

Nem de propósito, o lema deste ano da Semana da Mobilidade, dedicada à segurança viária infantil, vem plenamente ao encontro do Projecto de lei d’”Os Verdes” que visa promover e assegurar a segurança das crianças nos transportes colectivos, o qual, relembramos, já aprovado na generalidade, encontra-se em sede de Comissão a aguardar, há cerca de um ano, a proposta do Governo (já anunciada publicamente pelo menos 3 vezes) para que possam ser discutidas em conjunto.

Para terminar, não se pode ignorar, de que, os portugueses, não obstante simpatizarem com este tipo de acções, e principalmente por terem, cada vez mais, uma maior consciência da importância e do impacto social, económico, energético e ambiental das políticas de transportes nas suas vidas, começam a achar, que pensar nos transportes alternativos uma vez por ano está bem mas definitivamente não chega, para inverter o rumo preocupante em que nos encontramos e que urge mudar.

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