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30/10/2003
Sobre a Tutela das Áreas Protegidas
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre a Tutela das Áreas Protegidas
Assembleia da República, 30 de Outubro de 2003

 

 

 

  
Sr Presidente, Srs Deputados,

Quem assistiu à polémica sobre a passagem de tutela das áreas protegidas do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) para a recém criada Secretaria de Estado das Florestas e simultaneamente olhou para as Grandes Opções do Plano para 2004, onde se pode ler a intenção do Governo de “reestruturação orgânica das entidades públicas dedicadas à conservação da Natureza”, tinha razão para ficar preocupado.

Ontem o Sr Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente esteve no Parlamento, e, questionado por vários Deputados sobre a tutela das áreas protegidas, fez algumas considerações, deixando outras por fazer, mas sobre as quais importa reflectir:

O Sr Ministro não esclareceu o que é que nas GOP se entende por “reestruturação orgânica das entidades públicas dedicadas à conservação da natureza”.

Por outro lado, confirmou que, de facto, existe um documento do Ministério da Agricultura que propõe a transferência de tutela das áreas protegidas do Ministério do Ambiente para o Ministério da Agricultura. De qualquer modo, garantiu que não era um documento da responsabilidade do Sr Ministro Sevinate Pinto, mas sim dos serviços do seu Ministério, pelo que não lhe atribuía validade.

Garantiu ainda que as coisas estavam esclarecidas entre os dois Ministros em causa e que não haverá passagem de tutela da gestão das áreas protegidas para o Ministério da Agricultura e que o ICN se mantém.

Entendeu, assim, o Sr Ministro Amílcar Theias que o assunto estava encerrado.

Não nos parece, contudo, ser esse o caso. É que houve perguntas feitas ao Sr Ministro que ficaram sem resposta, como por exemplo, se, estando clarificado que a gestão das áreas protegidas não sai do ICN, ainda assim se põe a hipótese de passar para a tutela da Secretaria de Estado das Florestas, através da Direcção Geral dos Recursos Florestais, as zonas florestais das áreas protegidas. É que se a parte florestal das áreas protegidas passar para a Secretaria de Estado das Florestas a questão não está encerrada – e a isto o Sr Ministro não respondeu. E isto será tanto mais preocupante quando em declarações à imprensa o Sr Ministro reconhecia publicamente que havia muitos “interesses particulares” em jogo, sem ter contudo precisado que interesses são esses.

Srs Deputados, falemos claro! Ninguém tem dúvidas sobre as pressões e os lobbies que existem em torno da floresta portuguesa, nomeadamente da forma como o sector das celuloses tem contribuído para o desordenamento florestal a que hoje se assiste em Portugal. E continuemos a falar claro! Ninguém percebe muito bem o que é que se pretende mudar com a nova orgânica que constitui a criação de uma Secretaria de Estado das Florestas, ou o que é que se propõe alterar no ordenamento florestal. Para além disso, a pessoa que o Governo escolheu para estar à frente da Secretaria de Estado das Florestas é uma pessoa ligada às celuloses. Não deixa, portanto, de ser preocupante poder ver concebida a hipótese de passar a parte florestal das áreas protegidas para esta Secretaria de Estado. São, por exemplo, os licenciamentos dos povoamentos florestais, da caça, a prevenção de incêndios, a reflorestação que estão em causa.

Mas, voltando ainda à reunião de ontem, eu própria, em nome de “Os Verdes”, tive oportunidade de colocar 3 questões concretas ao Sr Ministro Amílcar Theias:

1ª pergunta: é ou não verdade que o Sr Secretário de Estado do Ordenamento do Território esteve reunido com o Sr Secretário de Estado das Florestas, onde a questão de transferência de tutela (ressalvo, mesmo que parte da tutela) das áreas protegidas esteve em cima da mesa?

A esta questão o Sr Ministro não respondeu. Disse que ia passar a palavra ao Sr Secretário de Estado do Ordenamento do Território, se ele assim o entendesse, mas este optou por não usar da palavra.

2ª pergunta: é ou não verdade que os directores das áreas protegidas receberam um documento do Governo, no qual também se pedia que se pronunciassem sobre a transferência de tutela?

A esta questão o Sr Ministro não respondeu, afirmando que considerava que não tinha que dar conta ao Parlamento sobre documentos internos do Ministério.

3ª pergunta: é ou não verdade que esta questão vai estar em cima da mesa no próximo Conselho de Ministros?

A esta pergunta o Sr Ministro não respondeu.

Pergunto, Sr Presidente e Srs Deputados, se fosse tudo tão absurdo, se esta questão nunca tivesse de facto sido considerada, não era normal que o Sr Ministro com toda a naturalidade respondesse “não” às 3 perguntas formuladas?! Mas não foi isso que aconteceu.

Vamos contudo ter esperança que as reacções, que o Sr 1º Ministro classificou de “absurdas”, que se fizeram sentir nos mais diversos sectores tenham contribuído para eliminar de vez uma proposta que pelos vistos chegou a ser ponderada.

Termino esta intervenção, referindo que se quisermos fazer em Portugal uma aposta séria nas nossas áreas protegidas há que inverter a política para a conservação da Natureza. Para isso não é preciso alterar tutelas, é preciso é consciencializarmo-nos que são necessários meios para actuar e direccionar as medidas para políticas eficazes. E para isso a melhor tutela é a do Ministério do Ambiente, que se cumprisse o seu papel devidamente estaria em permanente articulação com Ministérios que tutelam as florestas, a agricultura, a economia, as obras públicas. Não é isso que tem acontecido, e o mais preocupante é ver como o próprio Ministério do Ambiente tem descredibilizado o ICN - como é que é possível que este Instituto não tenha meios para pagar regularmente os salários aos seus funcionários e os pague com os duodécimos do mês seguinte? E como é que é possível apostar na conservação da Natureza quando no OE para 2003 a rede nacional de áreas protegidas assistiu a um corte de investimento na ordem dos 15% e com o OE para 2004 se proponha um novo corte de investimento na ordem dos 30%?

Assim, Sr Presidente e Srs Deputados não há área protegida que resista a fenómenos de desprotecção e de desvalorização.

Disse

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