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04/12/2003
Sobre Acesso aos Documentos da Administração
Intervenção da Deputada Isabel Castro Discussão do Projecto de Lei Nº 381/IX (PEV) Regula o acesso aos documentos da Administração
Assembleia da República, 4 de Dezembro de 2003
 

 
 
 
 
 

 

 
 
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

A ideia da participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão é tão antiga quanto a democracia moderna.

A sua necessidade a resultante das sociedade de risco em que vivemos, nas quais os cidadãos reclamam, cada vez mais, ter uma intervenção activa.

A participação que mais do que o exercício do direito é a condição de cidadania activa e plena.

Uma participação dos cidadãos com efeito, que ultrapassa a simples dimensão jurídica de um direito, exercitado, antes sendo, um factor que favorece a legitimação nas tomadas de decisão política, a transparência nos procedimentos administrativos, a co-responsabilização dos cidadãos e o maior envolvimento cívico dos vários actores sociais na gestão da res publica, em suma, uma participação plena que tem implícita uma dimensão cultural e a expressão de nova cultura política e democrática.

Uma outra cultura política, que se revela um factor decisivo para a maior eficácia na implementação das decisões administrativas, acima de tudo, que na política pública de ambiente, é, como em nenhuma outra, vital e condição imprescindível para o seu êxito, devendo por isso ser estimulada, aperfeiçoada e adaptada às necessidades dos complexos processos, aos mais variados níveis.

Uma questão que a nossa Lei Fundamental, no seu artigo 66º, prevê ao consagrar o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e simultaneamente ao definir o dever dos cidadãos de assegurarem a sua defesa.

Uma responsabilidade que a Lei de Bases do Ambiente de 1987 reitera, no papel chave que atribui aos cidadãos.

Uma questão que o principio 10 da Declaração do Rio sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, em 1992, de modo mais abrangente, aborda ao referir :

“que as questões ambientais serão melhor tratadas com a participação a nível apropriado de todos os cidadãos”, e ao explicitar que a sua operacionalização depende do: “acesso adequado à informação relativa ao ambiente”, cabendo por isso aos Estados :“os deveres de o assegurar, disponibilizando amplamente informação, consciencializando para a participação e dando garantias de acesso efectivo aos processos judiciais e administrativos.

Objectivos estes comummente aceites, que ao longo dos últimos anos as políticas de ambiente, no plano nacional e europeu têm, de modo claro, tornado incontornáveis e progressivamente mais exigentes, e presentes por exemplo no Conselho Europeu de Laeken (Dezembro de 2001), no Livro Branco sobre Governação (CE 2001), na 5ª Conferência Ministerial Ambiente para a Europa (Maio de 2003) formas que importa com grau de concretização satisfatório traduzir na lei e, sobretudo, na sua aplicação prática.

Uma necessidade que de ponto de vista dos Verdes requer aperfeiçoamentos e ajustamentos na lei, nomeadamente na que regula o acesso das pessoas aos documentos da administração.

Que pressupõe igualmente vontade política e persistência nas acções de sensibilização desenvolvidas e orientadas para administração pública em geral, no sentido de ajudar a vencer as sistemáticas resistências oferecidas sempre que os cidadãos pretendem, como é seu direito e dever, envolver-se na defesa do ambiente e, justamente por isso, aceder em tempo útil, à informação.

Ainda, de modo muito peculiar, uma necessidade que determina adaptações no regime em vigor, tendo em conta as questões muito específicas e de enorme complexidade que o direito Á INFORMAÇÃO em matéria de ambiente e de ordenamento do território abrangidos pelo mesmo regime de acesso suscitam, bem como o tipo de obstáculos, sistematicamente identificados.

Por último, necessidades que decorrem das novas exigências que a Convenção Aarhus coloca enquanto peça basilar de toda a vida política, cívica e económica para os países europeus assinada por Portugal e entrada em vigor em 30 de Outubro.

Uma convenção que Os Verdes entendem, ser da maior importância transportar, desde já, para a prática instituída, em termos do acesso ao direito do ambiente.

O documento que recolhe, na sua dupla inspiração a experiência internacional, com destaque para a legislação norte americana e a directiva europeia sobre a liberdade de informação em matéria de ambiente (90/313 CE, de 7 de Junho de 1990) ao definir os três pilares essenciais neste domínio: o acesso a informação, o direito à participação dos cidadãos nos processos decisórios e o acesso à justiça no domínio do ambiente

Um documento que veio a ganhar maior acuidade, depois da Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo 2002) com a necessidade dos Estados, aí incluído o nosso, implementarem os compromissos aí assumidos e perspectivarem novas formulas e enquadramentos para uma melhor governação e o exercício da cidadania, na perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Objectivos esses que colocam, na nossa opinião, na ordem do dia, com maior actualidade política, ainda, a premência em reflectir nas múltiplas dificuldades identificadas pelos cidadãos no acesso aos dados da administração e concretamente no acesso à informação em matéria de ambiente, dificuldades essas que tem, de facto, impedido o direito de participar, mais de ceder à justiça, quando isso o justifica, em tempo útil.

E daí questões, como o próprio Secretário Geral das Nações Unidas reconheceu, que constituem um desafio ambiental e democrático, às quais importa dar prioridade e incorporar na nossa legislação, aperfeiçoando os mecanismos de que dispomos.

Uma melhoria que terá de ocorrer, em breve assim o defendemos, no regime jurídico que enquadra o processo de avaliação de impacte ambiental, designadamente pondo fim à interpretação restritiva do conceito de participação, introduzida pelo governo anterior em 2000 ( Decreto lei nº 69/2000).

Alterações e melhorias igualmente, na Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, que regula o acesso aos documentos da administração, e sobre a qual, incide a presente iniciativa legislativa dos Verdes.

Alterações sobre matérias que são cruciais, para o desenvolvimento

sustentável e a própria saúde da nossa democracia e que, precisamente por isso, foram recentemente objecto de uma reflexão patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Conselho Nacional de Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável, na qual quer o Presidente da República, quer o Governo, através do Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, participaram.

Questões respeitantes ao direito de acesso à informação, cuja efectivação ou não condiciona o exercício do direito de participação e que, no entendimento do professor Jorge Miranda, exprime e é um bom indicador do grau de burocratização e de democratização da máquina administrativa do Estado.

Direito à informação cujo exercício efectivo é determinante, afinal, para que as pessoas possam ser chamadas a participar, a pronunciar-se, a influenciar processos relativos às mais variadas questões, em especial as essenciais para propiciar um ambiente propício à saúde e bem estar, ao desenvolvimento social e cultural das comunidades.

uer se trate de discutir questões globais como o Protocolo de Quioto, ou a Estratégia Europeia de Desenvolvimento Sustentável, a autorização de introduzir

Organismos Geneticamente Modificados na nossa alimentação, a transposição de Directivas, como a Quadro da Água, quer se trate de meros processos de avaliação de impacte ambiental sobre obras ou projectos.

Todas questões globais ou locais, que incidem sobre direitos fundamentais, sobre direitos difusos, com reflexos na saúde, no ambiente, no bem estar dos cidadãos, susceptíveis de influenciar no presente e no futuro, que interferem com o dever de solidariedade que temos para com as gerações futuras e que a todos, por isso, sem excepção respeitam, sendo por isso a possibilidade de deter, em tempo útil acesso à informação sobre todas elas uma questão pertinente e decisiva.

É neste contexto pois que o projecto de Lei dos Verdes se entende, no sentido da melhoria da liberdade de acesso à informação, para isso propondo alterações ao diploma que regula o Acesso aos Documentos da Administração (Lei nº 65/93, com as alterações introduzidas pela Lei nº 8/95, de 29 de Março, e pela Lei nº 94/99, de 16 de Julho).

Propostas no sentido de:

Densificar os princípios que devem pautar o acesso dos cidadãos aos documentos administrativos, no que se reporta e incide no domínio muito especifico do ambiente, favorecendo o direito à informação, participação no processo decisório e acesso à justiça;

Precisar o objecto do diploma e dar-lhe maior amplitude, tal como a experiência acumulada e a evolução do direito internacional aconselham;

Retirar expressões que colidem com o preceito constitucional e a Convenção de Arhus e introduzir uma interpretação não restritiva do conceito de participação;

Clarificação do âmbito, de modo a evitar leituras limitativas ou desajustadas das necessidades;

Aperfeiçoar os aspectos relativos ao direito de acesso, no que respeita à tipificação e ao momento de acesso à informação, a qual deve ser assegurada em todas as fases, da preparação até à execução, sob pena de, a manter-se a formulação actual ela ser totalmente inútil;

Definição de um mecanismo de recurso dos cidadãos, no caso de negação de acesso à informação;

Criação de condições que facilitem a consulta e o acompanhamento de planos, projectos, processo em todas as fases da preparação à sua conclusão;

Melhoria da qualidade da informação disponibilizada, designadamente em termos da sua disponibilização por via informática, de modo a favorecer um acesso rápido, mais desburocratizado e acessível, que favoreça uma atitude pró activa dos cidadãos e assegure uma intervenção, caso necessário, no processo, em tempo útil.

Assegurar clareza na linguagem, informação completa, de fácil leitura, transparente e acessível e consagração da liberdade de acesso aos documentos, independentemente da invocação ou existência de um interesse directo o que, aliás, no que respeita às questões ambientais, pela sua própria natureza, não tem qualquer sentido, uma vez que se trata de questões com repercursões de consequências e impacto não limitado.

Alterações essas, no tocante ao âmbito da actual lei, incorporando novos princípios, entretanto definidos no âmbito do direito internacional em matéria de ambiente que devem pautar o acesso dos cidadãos aos documentos administrativos e garantidos pela Administração Pública, a saber: os princípios da igualdade, da solidariedade, do livre usufruto do ambiente, da equidade, da participação, da informação, da publicidade, da transparência, da eficácia, da subsidariedade, da responsabilização, da responsabilidade partilhada ,da precaução, da justiça e da imparcialidade.

Alterações, ao actual diploma, que de modo global regula o acesso à informação, ajustando-o não só à Directiva do Conselho nº. 90/313/CEE, de 7 de Junho de 1990, relativa à liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente, mas à Convenção de Aarhus (Convenção sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente) com todas as particularidades que daí advém.

Alterações, ainda respeitantes ao universo dos documentos abrangido que não se confina a processos, inclui igualmente projectos, planos e demais questões que respeitam ao ambiente, ao ordenamento do território, à saúde e ao bem estar social, todos de óbvio interesse para os cidadãos.

Ainda, modificações que tem sido sistematicamente reivindicadas pelos cidadãos e pelas ONGA, no sentido da possibilidade de ser garantida informação a todo o tempo, desde a concepção à execução do projecto, o que em matéria do direito ao ambiente é um factor decisivo para garantir participação das pessoas, individual e colectivamente consideradas, nos processos decisórios igualmente um factor decisivo em termos processuais no acesso à justiça em matéria de ambiente, direito actualmente, negado na esmagadora maioria dos casos.

Alteração, ainda, na maior precisão quanto aos documentos detidos pela administração sujeitos à interdição total ou parcial, no acesso por parte dos cidadãos, procurando garantir que essa limitação no acesso à informação, é sempre excepção e nunca a regra, e que essa interdição a existir tem de ser sempre temporária e estar previamente determinada.

Mais alterações, no que se reporta aos prazos, no sentido do seu encurtamento, em relação ao actualmente fixado, procurando tornar os processos mais expeditos, igualmente mais exequíveis e com maior probabilidade de eficácia os recursos apresentados pelos cidadãos a quem é garantido, agora, o direito de queixa à Comissão de Acessos aos Dados da Administração (CADA).

Neste sentido é reduzido, não só o prazo a que a administração pública está obrigada, para garantir o direito de acesso à informação aos cidadãos e eventualmente para comunicar a sua recusa, passando esta a ser obrigatoriamente fundamentada e comunicada por escrito, igualmente nos mecanismos de recurso previstos igualmente mais céleres e ajustados ao código de procedimento administrativo cuja entrada em vigor se fará no início do próximo ano de 2004.

Por fim, medida pontual ainda relativa ao incentivo ao uso dos suportes informáticos em matéria de acesso dos cidadãos aos documentos da administração. Condição esta essencial para garantir maior transparência processual, maior celeridade, menor custos e cuja disponibilização é, ainda, muito escassa e de âmbito muito limitada.

Senhor Presidente,

Srs. e Sras. Deputados,

Este é, em síntese, o sentido do projecto dos Verdes aqui apresentado. Um projecto de lei que consideramos da maior importância e que vai ao encontro daquilo que, de modo recorrente, tem sido e foi bem recentemente publicamente reivindicado por diversos sectores, designadamente pelas associações para o desenvolvimento sustentável, no respeitante ao acesso à informação, para que possam exercer cabalmente os seus direitos e deveres.

Uma proposta que não é decerto acabada e que estamos disponíveis a melhorar, acolhendo os contributos dos diferentes partidos.

Projecto que corresponde a um desafio do nosso tempo a que ninguém se pode furtar, o de contribuir para assegurar, de facto, aos cidadãos direito de informação, de participação nos processos decisórios, de acesso à justiça em matéria do ambiente, logo. em matérias que a todos respeitam e das quais ninguém se deve alhear.

O desafio que é também o da própria governação. Uma governação responsável que baseie a sua legitimidade nos valores democráticos que transmite, nos objectivos que persegue e nas competências e instrumentos de que dispõe.

Uma governação assente em instituições democráticas, transparentes e eficazes, que implica capacidade de dar resposta, qualidade de informação, uma legitimidade que diariamente se constrói, na capacidade de ultrapassar o défice de participação e de comunicação, na resposta aos problemas, na busca de consensos, no envolvimento, no comprometimento e responsabilização dos cidadãos.

Como parceiros do desenvolvimento, em suma, do nosso futuro comum.


Ver tambêm:

Projecto de Lei Nº. 381/IX Projecto de Lei- Regula o acesso aos documentos da Administração

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