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22/09/2005
sobre Alteração da Moldura Penal do crime de Incêndio Florestal
Declaração Política do Deputado José Luís Ferreira Sobre a Alteração da Moldura Penal do Crime de Incêndio Florestal
Assembleia da República, 22 de Setembro de 2005
 

 
 

 

 

 

Sr. Presidente,Srs. Deputados,

O projecto que hoje discutimos tem por objectivo alterar a moldura penal para o crime de incêndio florestal. Mais exactamente, alterar a pena mínima de 3 para 4 anos, quando o crime é praticado com dolo.

Conforme os dados disponíveis, cerca de 98% dos incêndios florestais em Portugal têm origem na intervenção humana. Ainda segundo os dados da Policia Judiciária, desse universo, 80% são fogos que deflagram por negligência, o que significa que apenas 20% dos incêndios, cuja origem reside na intervenção humana, são praticados com dolo, o que de certa forma, contraria a ideia de que a mão dos incendiários é responsável pelo cenário devastador que neste verão se estendeu por todo o País.

Porém, tendo presente que os fogos têm atingido enormes proporções e que apenas um incêndio pode devastar milhares de hectares de floresta, estes números não podem, de maneira nenhuma, ser minimizados.

E a facilidade com que os fogos se propagam e avançam no terreno, ganhando, tantas vezes proporções assustadoras, só é possível porque para isso concorrem vários factores, nomeadamente:

  • O baixo teor de água no solo, o que torna naturalmente, mais elevada a carga de combustível disponível para arder na floresta.
  • O abandono do mundo rural e da actividade agrícola, o desordenamento florestal, sem manchas florestais descontinuas que possam travar as chamas, e com espécies altamente inflamáveis como é o caso do eucalipto,
  • A falta de limpeza das florestas, e aqui é o próprio estado que não consegue dar o exemplo e é o primeiro a não cuidar e tratar o que lhe pertence - basta constatar que o fogo consome hectares e hectares dentro das áreas protegidas com a mesma facilidade com que consome noutro qualquer lugar florestal.
  • A falta de meios no combate e a desertificação são também causas que estão na origem da enorme dimensão que os fogos atingem, tornando a floresta um campo fértil para o fogo lavrar.

Assim e perante este cenário, esses 20% ganham outra dimensão e outra relevância.

Segundo dados do Ministério da Justiça, nos últimos 6 anos, entre 1999 e 2005, 71 pessoas cumpriram penas de prisão devido a crimes de incêndio, sendo a pena média de cinco anos, o que confirma que o número de julgamentos e de condenações tem sido muito inferior ao das detenções.

Porém, na nossa perspectiva, a explicação para esse facto não reside propriamente na moldura penal do crime previsto no artº. 272º do Código Penal, mas sim em questões que têm a ver com a dificuldade da produção de prova, porque o crime de incêndio, como se sabe, é muito difícil de provar.

Por outro lado, e tendo presente que o Direito Penal procura constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade e que as molduras penais, por sua vez, procuram traduzir essa hierarquia de valores, onde aliás, reside a própria legitimação do direito penal, a moldura prevista no artº 272º. do Código Penal parece-nos perfeitamente adequada, tendo em consideração exactamente, essa hierarquia de valores.

Trata-se de uma moldura penal exactamente igual, por exemplo, à moldura penal do crime de violação (164º do CP), o que, considerando os bens jurídicos que se pretendem defender, nos parece razoável.

A nosso ver, portanto, a actual moldura penal prevista para o crime de incêndio florestal é suficientemente severa para punir o agente do crime e para, através dessa punição, dissuadir a prática do mesmo. Acresce ainda que, em regra, o agente do crime de incêndio florestal age desconsiderando a pena em que pode vir a incorrer.

Por fim, lembrar que existem mecanismos no Direito Penal que permitem aos tribunais, por exemplo, pela via da atenuação especial da pena (72º), chegar à suspensão da execução da pena, e portanto, em nosso entendimento, o objectivo deste projecto, não é atingido pela solução proposta.

Como última nota relativamente à autonomização do crime de incêndio florestal, relembrar apenas a referência que a este propósito é feita no relatório “Conclusões e Parecer” da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Na verdade, durante as audições feitas por essa Comissão, na XIX Legislatura, com vista à preparação das alterações ao Código Penal e ao Código do Processo Penal, nenhuma dessas entidades se pronunciou pela necessidade de autonomizar o crime de incêndio florestal.

Por tudo isto consideramos que este Projecto de Lei acaba por ser irrelevante relativamente ao objectivo que desejamos ver cumprido, que é o da preservação da nossa floresta e designadamente a sua protecção, no que diz respeito à deflagração de incêndios.

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