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18/12/2002
Sobre alterações climáticas
Declaração Política Deputada Heloísa Apolónia Sobre alterações climáticas
Assembleia da República, 18 de Dezembro de 2002  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Há poucos dias foi tornado público o relatório anual da Comissão Europeia sobre as emissões de gases com efeito de estufa. Os resultados revelados são muito pouco ou nada animadores em relação às metas a atingir nos anos de 2008 a 2012, determinadas no protocolo de Quioto.

Ao nível global a redução de gases com efeito de estufa deveria atingir entre 2008 e 2012 os 5%, com valores de referência de 1990. Neste processo caberia à União Europeia um esforço de redução de emissões de 8%. O certo é que já ultrapassámos metade do período determinado e a União Europeia, apenas conseguiu uma redução de 3,5% e já perspectiva que não conseguirá atingir os 8%.

Tudo isto é extremamente preocupante. A União Europeia, que tem tido um papel relevante na busca de apoios para a entrada em vigor do protocolo de Quioto, é agora a própria a admitir que pode não o cumprir. Isto descredibiliza um mecanismo determinante de combate às alterações climáticas, que, neste momento, depois da ratificação do Canadá e da Austrália aguarda a decisão da Russia para entrar em vigor.

O incumprimento do protocolo de Quioto poderá levar os Estados Unidos a considerar legitimada a sua vergonhosa posição de recusa de ratificação deste instrumento de acção sobre as alterações climáticas, quando são aqueles que mais contribuem para o efeito de estufa e, mesmo nestas circunstâncias, recusaram prestar o seu contributo e a sua obrigação para a resolução deste problema no planeta e, desta forma, declararam mais uma guerra, uma verdadeira guerra ambiental ao mundo, que de acordo com o último parecer do IPCC poderá trazer a médio prazo consequências dramáticas ao nível da saúde pública, ao nível social, ambiental e económico sem fronteiras definidas.

A União Europeia tem, pois, obrigação de fazer tudo para credibilizar o protocolo de Quioto, para a concretização da diminuição das emissões de gases com efeito de estufa, e por isso tem o dever imperioso de o cumprir e de atingir as metas determinadas.

Mas, detenhamo-nos ainda sobre o conteúdo do relatório anual divulgado pela Comissão Europeia.

Não restam dúvidas que o potencial incumprimento das obrigações assumidas pela União Europeia se deve ao péssimo comportamento de países como Portugal. No bolo global correspondente ao objectivo de redução em 8% de gases com efeito de estufa, a União Europeia procedeu a uma repartição de encargos de diminuição de emissões entre os diferentes Estados Membros. Nesse âmbito, uns países diminuíam outros aumentavam as emissões, tendo em conta os valores registados em 1990, com limites expressamente limitados. Portugal foi o país da União Europeia que acordou o maior aumento de emissões (27%), questão na altura veementemente contestada pelos ecologistas e, aliás, aproveitada na 6ª Convenção das Partes (COP) para dar força à posição dos Estados Unidos na contestação do protocolo de Quioto, dado que havia países industrializados, constantes do anexo A, como Portugal, que em vez de procederem a um esforço de diminuição, afinal ainda tinham margem para aumentar significativamente as suas emissões.

Mas, mesmo neste quadro e perante as metas a que Portugal se comprometeu, o certo é que em 2000 já o nosso país tinha ultrapassado em 16,6% os objectivos assumidos, ou seja, já tínhamos aumentado as nossas emissões de gases com efeito de estufa em mais de 40%, quando não deveríamos ultrapassar o aumento de 27%. Estávamos, e continuamos, perante o desnorte total nesta matéria. E aqui devemos remeter-nos de imediato para o estudo produzido pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, que referia expressamente que na ausência de medidas positivas, Portugal, em vez de atingir os 27%, atingiria em aumento de emissões de 52% em 2010, valor que o relatório da União Europeia já remete para perto de 60%.

E a questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que em Portugal, apesar de se conhecer tudo isto, não se está a fazer nada com o objectivo que, neste momento, já tem de constituir um grande esforço para redução das nossas emissões.

O relatório da União Europeia diz expressamente que Portugal não tem estimativas em relação às metas que se poderiam atingir através de políticas e medidas a tomar em diferentes sectores como a indústria, energia, transportes, agricultura, etc. Mas é preciso ter em conta que essa ausência de estimativas de relação causa/efeito entre medidas políticas e níveis de emissões, se deve à inexistência de politicas e acções concretas de combate às alterações climáticas - temos uma Estratégia Nacional e um Programa Nacional de combate às alterações climáticas que afinal não nos servem para nada, porque não são aplicados. Peguemos no exemplo do sector dos transportes que, de acordo com o relatório da União Europeia, é o sector que mais tem aumentado os níveis de emissões de gases com efeito de estufa e que apresenta uma tendência para continuar a evoluír - de 1990 a 2000 aumentou 18% e prevê-se que até 2010 aumente mais 28%. Neste sector, Sr. Presidente e Srs. Deputados, Portugal é o único país da União Europeia, sublinho, o único Estado Membro, que não apresentou políticas e medidas tomadas no sector dos transportes com vista ao combate às alterações climáticas.

“Os Verdes” foram incansáveis nos alertas feitos na Assembleia da República e fora dela e se o anterior Governo teve responsabilidades nesta situação a que chegámos, este Governo não vai assumir responsabilidades menores.

O combate às alterações climáticas foi apresentado no programa eleitoral do PSD como uma prioridade ambiental. Quando discutimos aqui na Assembleia da República o programa do Governo, “Os Verdes” alertaram e criticaram o facto de esse documento não fazer uma única referência às alterações climáticas e à necessidade de diminuição de gases com efeito de estufa - deixou de ser uma prioridade ambiental, provavelmente por orientação do PP, sabe-se lá! Depois destes meses a explicação está dada - é que de facto este Governo não intencionava fazer nada relativamente à matéria em causa.

E esta certeza obtivemo-la mais quando num órgão de imprensa nacional tivemos oportunidade de ler, no fim de semana passado, um artigo de opinião do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, que referia expressamente que a intenção do Governo Português é embarcar totalmente na compra e venda de direitos de emissão, ou seja na comercialização de créditos de quotas de poluição, sendo que Portugal se disponibilizará totalmente para a compra de créditos de emissão de gases com efeito de estufa a outros países, ou a empresas de outros países, como a Alemanha ou a Inglaterra, que têm os seus objectivos mais que cumpridos.

Portanto, face a este mecanismo que a União Europeia, mal, na opinião dos Verdes, decidiu experimentar já em 2005, o Governo Português considera remendar o problema, podendo continuar a aumentar as emissões, sem fazer nada para inverter esta tendência e o mercado, bem pago, diga-se de passagem, resolve o resto na perspectiva do Governo. É a visão de “tapar o sol com a peneira” e contribuir mais e mais para o agravamento do problema das alterações climáticas.

PNacional de Combate às Alterações Climáticas referia em 2001 que “é possível cumprir as metas de redução com recurso apenas às políticas e medidas internas, sem a utilização de mecanismos de flexibilização” – assim houvesse vontade política nesse sentido.

É também por isto, Sr. Presidente e Srs Deputados, que não foi sem espanto que ouvimos o Sr. Ministro das Cidades referir que as portagens na CREL são muito úteis em termos ambientais, como se se estivesse a tomar uma medida eficaz e de fundo de redução do transporte individual. Esquece o Sr. Ministro que as portagens não servem uma política de ambiente no sector dos transportes quando não existem alternativas e ofertas concretas de opções diferentes, nomeadamente uma rede de transportes colectivos eficientes. Esta medida não tem nada de preocupações ambientais, reduz-se a uma questão de pôr sempre os mesmos a pagar a obsessão do défice.

Sr. Presidente

Srs. Deputados

Não é possível continuar a admitir uma atitude profundamente irresponsável por parte de Portugal no que diz respeito ao combate às alterações climáticas. A demissão de intervenção do Governo em relação a políticas e medidas internas de redução das emissões de gases com efeito de estufa já lembra a atitude hedionda dos Estados Unidos, no que concerne a efeitos práticos.

A Assembleia da República, no âmbito das suas competências de fiscalização da acção do Governo, deve procurar que o Governo inverta a sua opção, deve procurar o cumprimento dos objectivos a que nos propusemos no âmbito do protocolo de Quioto. Com esse objectivo “Os Verdes” solicitarão a presença do Sr. Ministro na Assembleia da República, que esperamos aconteça rapidamente…enquanto é tempo!

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