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29/09/2005
sobre alterações climáticas e transgénicos
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia, na Assembleia da República
 

 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,

O Governo, através do Ministério do Ambiente, mais concretamente do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, declarou que as alterações climáticas não constituem o maior problema ambiental do país e que não estão no topo das prioridades do Governo. Olhando para o programa do Governo, aquele que o PS diz que tem que seguir à risca, mas pelos vistos só para o que lhes interessa, não seria esta a conclusão que retiraríamos.

O Governo faz esta declaração quando Portugal sofre uma seca profunda, que deixa quase a totalidade do território nacional em estado de seca extrema e severa, com impactes ambientais profundamente preocupantes decorrentes da muito menor disponibilidade do recurso água, com implicações no risco acrescido de afectação da qualidade deste recurso e com impactes sociais e económicos negativos bem reveladores, como os agricultores deste país não têm deixado de bradar.

O Governo está a ignorar as conclusões do projecto SIAM, estudo elaborado para aferir das eventuais consequências de possíveis cenários causados pelo aquecimento global, que dá conta que, fenómenos como o que estamos a viver este ano serão cada vez mais constantes e que, fundamentalmente o sul do país, conhecerá com muito maior frequência, no futuro, altas temperaturas e seca intensa, com graves consequências ao nível da desertificação dos solos, o que pode resultar em problemas económicos gravíssimos.


Como esperar, então, que se revelem as políticas, necessariamente transversais entre diversos Ministérios, para tomar medidas internas coordenadas no combate às alterações climáticas, designadamente no sector dos transportes e da energia, se a própria tutela do ambiente retira importância a estas medidas e avança que a solução está na taxa do carbono, para financiar a compra e venda de títulos de emissão, gastando milhões de euros no estrangeiro em vez de os investir em medidas internas? A solução para este Governo parece afinal ser a mesma dos outros - chamar-lhe-ão um imperativo de competitividade das nossas empresas, chamar-lhe-ão internalização de custos, chamar-lhe-ão até princípio do poluidor pagador, mas o resultado será sempre o mesmo: pôr os consumidores a pagar a inércia e a incompetência dos sucessivos Governos.

As afirmações do Sr. Secretário de Estado levam-nos a confirmar melhor aquilo que já desconfiávamos – este poderá ser mais um dos tantos Governos que pouco ou nada têm feito para combater as alterações climáticas através de medidas internas eficazes para atingir o compromisso internacional que temos de não aumentar em mais de 27% as nossas emissões gases até ao período 2008-2010. A médio e longo prazo, que poderá ser mais curto do que esperamos, pagaremos caro estas opções, não apenas ao nível ambiental, mas também ao nível social e económico e seguramente orçamental. Se hoje, por motivações ambientais de outrora, não fossemos tão dependentes do petróleo conseguiríamos já ter um nível de competitividade muito superior. O problema é que as questões ambientais nunca serviram de motor para a acção de nenhum Governo, e hoje a economia do país paga essa opção economicista.

E enquanto o Sr. Secretário de Estado Humberto Rosa declarava que o Governo não assume como prioridade política o combate às alterações climáticas, dava conta que o declínio da biodiversidade era bem mais preocupante. Já nem falando dos efeitos do aquecimento global na biodiversidade, como explicará, então, o Governo os passos tão significativos que deu na perda de biodiversidade no país pela teimosa recusa de adoptar uma moratória que impedisse o cultivo descontrolado de organismos geneticamente modificados enquanto não saísse o diploma regulador da coexistência entre culturas transgénicas e tradicionais e biológicas? É que um recente estudo britânico, divulgado em Março deste ano, que analisou comparativamente, durante 4 anos consecutivos, os comportamentos na biodiversidade de campos transgénicos, por um lado, e de campos de culturas tradicionais, por outro, concluiu que as culturas OGM prejudicam a biodiversidade, registando esse seu efeito nocivo no ambiente, a curto e médio prazos.

E como explica o Governo que mesmo depois da publicação desse diploma, na semana passada, dia 21 de Setembro, designadamente os agricultores, consumidores e ambientalistas tenham sido confrontados com um decreto-lei que deixa por regular duas questões determinantes para atribuir o direito de não querer OGM a quem o decidir exercer, como sejam: a determinação de zonas livres de OGM e o fundo de compensação para as culturas contaminadas por campos transgénicos?

Na passada 3ª feira, “Os Verdes” confrontaram o Sr. Ministro da Agricultura com estas preocupações, na comissão de assuntos económicos. As nossas preocupações redobraram com a resposta do Sr. Ministro. Garantiu-nos que há estudos científicos que concluem que os OGM não são nocivos, ignorando que muitos deles omitem parâmetros importantes de avaliação de riscos e comportam dados experimentais incompletos, por interesse das empresas que os comercializam e que encomendam esses estudos, como foi o caso dos relativos ao milho MON 810 da Monsanto, e ignorando que há outros estudos científicos que dão conta dos riscos elevados dos transgénicos.

Para além disso, o Sr. Ministro não soube dizer para quando se prevê a regulamentação das zonas livres de OGM e do fundo de compensação para os lesados no caso de contaminação, procurando impedir entretanto a declaração de zonas não transgénicas, ao mesmo tempo que muitos municípios vão manifestando a sua vontade de serem zonas livres e declarando-se como tal, e procurando, ainda o Governo, que afinal os potenciais contaminadores de transgénicos fiquem isentos de qualquer indemnização aos lesados, enfraquecendo os direitos dos produtores tradicionais e biológicos.

Mas mais, o Sr. Ministro da Agricultura considerou que as distâncias mínimas de 200 e de 300 metros estabelecidas no decreto-lei eram manifestamente exageradas, porque os espanhóis só estabeleceram os 50 metros, e que o Governo pensa já numa avaliação a curto prazo deste diploma para encurtar as distâncias.

Agricultores, consumidores e ambientalistas precisam de ter conhecimento destas declarações do Sr. Ministro da Agricultura, para saberem o que resultou de um programa, o tão propagandeado compromisso do PS com as populações, que era completamente omisso em relação aos transgénicos e que resultou afinal no que resultou.

Por parte de “Os Verdes”, gostaríamos de informar esta Câmara que utilizaremos a figura da apreciação parlamentar de decretos lei para trazer o diploma do Governo à Assembleia da República e previamente realizaremos uma audição pública, por forma a ouvir os interessados que o Governo nunca ouviu porque não promoveu, também em relação a esta matéria, qualquer inquérito ou período de participação pública.

Muita conversa, muita teimosia, com manifestações, pelo meio, de arrogância e de contradição entre o discurso e a prática, já vão, em tão pouco tempo, caracterizando a política ambiental deste Governo. A proposta de lei da água; o que já sabemos e que ainda não sabemos sobre as opções para os resíduos industriais perigosos; a falta de estratégia de combate às alterações climáticas; ou os transgénicos são claros exemplos desta afirmação de “Os Verdes”. O problema é que enquanto a política de ambiente continuar a ser vista como minimizadora de impactos, e não como parte integrante de um processo de desenvolvimento, nada mudará substancialmente.

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