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27/09/2002 |
Sobre Barreiras Arquitectónicas |
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Assembleia da República, Reunião Plenária N.º 42 de 27 de Setembro de 2002
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 15 minutos.
(...)
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos passar para as perguntas formuladas ao Governo através do Ministério da Segurança Social e do Trabalho e, como há pouco informei, começaremos pelo balanço da aplicação do Decreto-Lei n.º 123/97, de 22 de Maio, relativo à eliminação de barreiras arquitectónicas.
Para formular a pergunta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 123/97 aprovou um conjunto de normas técnicas destinadas a permitir a acessibilidade de pessoas com mobilidade condicionada, através, por exemplo, da supressão das barreiras urbanísticas e arquitectónicas nos edifícios e espaços públicos.
Este diploma entrou em vigor há precisamente cinco anos. Ocorre que o prazo estipulado neste decreto-lei para a adaptação de instalações em edifícios e espaços públicos e para o cumprimento das normas técnicas aprovadas foi de sete anos. Faltam, portanto, dois anos para, em respeito pela legislação em vigor, ter, em Portugal, todos os edifícios e espaços públicos adaptados a pessoas condicionadas, permanente ou temporariamente, na sua mobilidade, que não são apenas pessoas portadoras de deficiência mas também idosos, pessoas que transportam crianças em carrinho de bebé, etc.
O certo é que o número de centros de saúde, de tribunais, de escolas, de institutos públicos ou de estações onde ainda não houve qualquer intervenção de adaptação, desde rampas de acesso a escadas, elevadores, corredores, portas principais, balcões, telefones e instalações sanitárias, ainda é muito significativo.
O que importa, portanto, quando passou apenas uma semana sobre a comemoração da Semana Europeia da Mobilidade e quando estamos em vésperas da discussão do Orçamento do Estado para 2003, onde se definirão verbas necessárias para opções políticas tomadas, é ter uma ideia clara do estado de cumprimento deste diploma. Assim, gostaria de saber - é esta a pergunta concreta que formulo ao Governo - qual é o levantamento das intervenções de adaptação feitas e o que falta fazer.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social.
A Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social (Margarida Aguiar): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, antes de mais os meus cumprimentos.
Relativamente à questão colocada pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que agradeço, devo dizer que quando chegámos ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho encontrámos um défice inadmissível de incumprimento das disposições legais, designadamente do Decreto-Lei n.º 123/97 que referiu.
Constata-se, de facto, um grau de incumprimento destas disposições legais muito fraco…
O Sr. Artur Penedos (PS): - «Incumprimento muito fraco»?... Então, há um «grau de cumprimento»?!…
A Oradora: - … e, efectivamente, o que podemos depreender deste grau inadmissível de incumprimento é que o Governo anterior não deu orientações necessárias para o cumprimento da legislação, sem prejuízo do respeito pela autonomia das autarquias, que, como sabem, são responsáveis também pela aplicação desta legislação.
Isto já para não falarmos do facto de este Governo considerar que o Decreto-Lei n.º 123/97 não vai longe, isto é, existe também um défice de intervenção nesta área, seja a nível do planeamento urbano e do espaço público seja ao nível até do edificado habitacional.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Secretária de Estado, de facto não estava à espera da resposta que me deu!…
A Sr.ª Secretária de Estado limitou-se a dizer o que não foi feito no Governo anterior, mas, Sr.ª Secretária de Estado, Os Verdes tinham percepção de que muito pouco foi feito nesta matéria. Por isso, desde a entrada em vigor deste decreto-lei, permanentemente, temos levantado a questão nesta Assembleia da República, nomeadamente utilizando até a figura da pergunta ao Governo, neste caso ao governo anterior!…
No entanto, como o governo mudou, o que pretendo saber é aquilo que este Governo, concretamente, pensa fazer relativamente a esta questão. A Sr.ª Secretária de Estado referiu que esta matéria envolve várias entidades e eu pretendo saber, relativamente aos edifícios públicos que têm directamente a ver com o Governo, o que é que, neste momento ou num curto espaço de tempo, o Governo pensa fazer para abranger todos os edifícios e espaços públicos da sua competência.
Por outro lado, no que diz respeito a outras entidades licenciadoras, o que é que pensa fazer também relativamente a acções de sensibilização e de esclarecimento, pedagógico até, sobre esta matéria?
Pretendo ainda saber concretamente, uma vez que esta Casa está me vésperas de discussão do Orçamento do Estado, se pretendem ou não nele inscrever verbas concretas para colmatar as necessidades relativas à instalação e à adequação de uma série de equipamentos, de edifícios e de espaços públicos, para que às pessoas com défice de mobilidade possa ser garantido o princípio da igualdade que está estabelecido na Constituição da República Portuguesa e que, hoje, não lhes é, de facto, garantido.
Quero também salientar que o sector dos transportes é talvez aquele que tem maior défice de intervenção nesta matéria. Como decorreu apenas uma semana após a comemoração da Semana Europeia da Mobilidade, julgo que esta é uma área em que o Governo devia empenhar-se afincadamente.
Portanto, o que quero saber é quais são as acções concretas previstas por este Governo e o que é que podemos esperar.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr.ª Presidente e Sr.ª Secretária de Estado, antes de mais os meus cumprimentos.
Como consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 123/97, durante o chamado «cavaquisto» o governo aprovou decretos-leis e resoluções de conselhos de ministros sobre esta matéria que foram, todos eles, revogados e abandonados, porque nunca houve coragem política de avançar com as acessibilidades para as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade limitada.
O Decreto-Lei n.º 123/97 tem um prazo de sete anos para aplicação nos edifícios já construídos e, em 1999, foi feito um levantamento nacional, através de um inquérito a que responderam 277 câmaras e serviços públicos. Segundo esse inquérito, a situação não era «famosa», mas o que eu quero perguntar à Sr.ª Secretária de Estado é se as afirmações que produziu há pouco derivam ainda das conclusões desse inquérito de 1999 ou se elas se baseiam em novos elementos que tem já em seu poder.
Por outro lado, todos sabemos que a sensibilização da opinião pública e dos detentores de cargos públicos para esta questão é fundamental, já que há aqui um problema cultural a ultrapassar. Nos últimos anos realizaram-se campanhas de sensibilização da opinião pública através dos meios de comunicação social. Evidentemente, não resolveram tudo, mas «o caminho faz-se andando»!…
Assim, gostaria de perguntar à Sr.ª Secretária de Estado se o Governo pensa, ainda neste ano de 2002, lançar também uma campanha de sensibilização da opinião pública, porque, para além da aplicação da lei, para além da sensibilização dos detentores dos cargos públicos, para além da aplicação de coimas, a sensibilização da opinião pública, no seu conjunto, é fundamental para que a sociedade portuguesa tenha outra postura em relação aos nossos concidadãos portadores de deficiência.
Portanto, repito, está o Governo disposto a avançar, ainda este ano, com uma campanha de sensibilização da opinião pública através nos meios de comunicação social?
Sr.ª Secretária de Estado, sei que há estudos avançados no que respeita à elaboração de um diploma relativo também a acessibilidades, mas nos edifícios privados de habitação. Qual é o ponto da situação deste diploma? Pensa o Governo avançar nesta matéria?
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra a Sr.ª Deputada Goreti Machado.
A Sr.ª Goreti Machado (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social, tal como disse o Sr. Deputado Rui Cunha, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 123/97 está escrito: «O Governo está consciente da importância de que se reveste a supressão das barreiras urbanísticas e arquitectónicas no processo de total integração social das pessoas com mobilidade condicionada». Portanto, o governo tinha plena consciência da importância deste problema.
Entretanto, Sr. Deputado Rui Cunha, desde a publicação do decreto-lei até hoje, passaram-se cinco e não sete anos.
Acontece que no articulado do decreto-lei é feita uma distinção entre os edifícios que já estavam construídos e os que iam começar a ser construídos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A pergunta não é dirigida ao Sr. Deputado, mas ao Governo!
A Oradora: - Desculpe, há bocadinho, dirigi-me ao Sr. Deputado Rui Cunha. Não queira roubar o meu tempo!
Como estava a dizer, são dois problemas distintos. Entretanto, não se aplicou a lei aos edifícios que vieram a construir-se e já só faltam dois anos para terminar o prazo quanto aos que estavam construídos. É um problema sério, de facto, Sr.ª Secretária de Estado.
Vivo este problema. Vivo-o na minha cidade, com os edifícios que foram construídos, em relação aos quais não se aplicou esta lei, e vivo-o nos edifícios que estão construídos há muitos anos, como os das IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social). Não temos capacidade nenhuma para, de facto, cumprir esta lei.
Nessa medida, Sr.ª Secretária de Estado, há três perguntas a que queria que me respondesse, porque, tal como muitos portugueses, quero saber as respostas.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo acabou. Conclua, por favor.
A Oradora: - Primeira pergunta: quem é que tinha de cumprir a lei?
Segunda pergunta: que medidas irá tomar este Governo para o cumprimento da lei?
Terceira pergunta, mas não menos importante do que as duas anteriores: não haverá necessidade de rever este quadro de requisitos?
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, de facto, impõe-se saber o que é que, para o futuro, se vai fazer na aplicação desta lei, porque, na verdade, a sua aplicação foi muito insuficiente, muito abaixo daquilo que seria exigível, dos pontos de vista legal e social, para os cidadãos com dificuldades de mobilidade, designadamente para os cidadãos com deficiência.
Mas também é importante sabermos o que é que se vai fazer, para o futuro, nas várias situações, ou seja, se o Governo garante que, daqui para a frente, todos os edifícios públicos vão cumprir as regras que estão estabelecidas na lei e que nem sempre têm sido cumpridas, se o Governo tem alguma preocupação e algum programa no sentido de adaptar os edifícios públicos mais antigos que não têm estas condições.
Lembro aqui que, sucessivamente, nos últimos orçamentos do Estado, o PCP tem apresentado uma proposta de dotação em sede de PIDDAC destinada à adaptação de edifícios públicos mais antigos que não cumpram as regras que estão nesta lei.
Portanto, não se trata apenas do problema dos novos edifícios, em que isso tem de ser acautelado com todo o rigor, mas também de ter verbas suficientes para, progressivamente, ir recuperando os edifícios anteriores e permitir que todos os cidadãos tenham acesso, em igualdade de circunstâncias, aos edifícios e espaços públicos.
Como se aproxima a data de apresentação do orçamento do Estado, pergunto se o Ministério da Segurança Social e do Trabalho tem prevista alguma verba, alguma linha de intervenção para que os edifícios públicos que ainda não têm acessibilidade nas condições que são exigíveis possam vir a tê-la nos próximos tempos.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder ao conjunto de pedidos de esclarecimento adicionais, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social.
A Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, vou procurar responder de forma conjugada às questões que levantaram.
Inicialmente, procurei fazer um balanço da aplicação da legislação que está em vigor - e volto a referir que não basta fazer leis, é preciso aplicá-las - e o que aconteceu, neste caso em concreto, foi que esta legislação não foi aplicada. Posso dizê-lo com firmeza porque, quer do lado das câmaras quer do lado do Governo, pese embora estejamos a avaliar a situação com todo o rigor, constatamos que, relativamente a projectos posteriores a Maio de 1997, data em que esta legislação entrou em vigor, há câmaras e ministérios que não cumpriram os requisitos técnicos constantes desta legislação. E não havia nenhuma razão para não o terem feito.
Em segundo lugar, relativamente a edifícios e a equipamentos de utilização pública já existentes à data da entrada em vigor desta legislação, pouco ou nada se fez. Passaram-se cinco anos e temos agora dois anos para repor esta situação. Vamos avaliá-la com o detalhe suficiente para podermos concluir se é viável, ou não, fazer em dois anos aquilo que não se fez em cinco.
Há aqui um aspecto extremamente importante e não nos podemos conformar com esta situação. O Programa do Governo, relativamente a esta matéria, manifesta e constata uma grande preocupação de se avançar e desenvolver a inclusão social das pessoas com deficiência na nossa sociedade. Devemos fazer uma abordagem moderna e de desenvolvimento social.
Portanto, não cabendo aqui estar a anunciar as políticas que, em 2003, vamos desenvolver nesta matéria - o que se trata aqui é de fazer um balanço -, posso, desde já, referir algumas iniciativas.
É muito importante a actividade de sensibilização junto das entidades que devem aplicar a lei. Ocorreu em 2000 e em 2001 um inquérito às acessibilidades nas autarquias e nos ministérios e devo dizer que, do total das respostas recebidas das câmaras, constatou-se que só relativamente a novos edifícios foi cumprido o disposto neste decreto-lei. Portanto, isto mostra que tem que haver uma acção de sensibilização importante, significativa e permanente para que as autarquias e os ministérios - e o Governo em si, através dos vários instrumentos - cumpram a lei.
Estas acções de sensibilização, de facto, ocorreram, pelo lado do Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Foram diversas, ao longo dos últimos anos, e vamos arrancar, muito proximamente, com uma análise de sensibilização também junto de autarquias e com a presença de entidades governamentais, no sentido de ver se conquistamos o interesse e a sensibilidade para, num tão curto espaço de tempo, fazermos a aplicação da lei, o que, julgo, será muito difícil.
Há uma outra questão que foi levantada pela Sr.ª Deputada Goreti Machado que tem que ver com o tipo de requisitos técnicos que esta lei prevê, no que diz respeito a equipamentos sociais, designadamente equipamentos que acolhem idosos. Relativamente a essa matéria, vamos proceder a uma análise cuidada da natureza destes requisitos técnicos e da sua exequibilidade. É também uma área onde vamos intervir.
Temos em preparação uma proposta de projecto de decreto-lei com vista a regular a eliminação de barreiras no edificado habitacional. O Ministério da Segurança Social e do Trabalho vai definir, em conjunto com outras entidades governamentais mais ligadas a esta problemática, um plano de intervenção junto de autarquias e entidades públicas, com vista a recolher - não é apenas uma verificação - contributos e recomendações que nos permitam, depois, ponderar da necessidade de virmos a prorrogar o prazo que se encontra estabelecido, de forma a que os equipamentos e os edifícios públicos possam cumprir os requisitos técnicos estabelecidos nesta lei.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Está visto que isso também não vai ser feito agora!
A Oradora: - Volto a dizer que aquilo que não se fez em cinco anos e que não é da responsabilidade deste Governo, terá de ser devidamente avaliado. Não posso assumir, aqui, o compromisso de que o Governo vai fazer cumprir em dois anos aquilo que não foi feito em cinco e que era suposto ser feito em sete! Isto é muito importante!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Com certeza que assumiremos as nossas responsabilidades. Volto a referir que no Programa do Governo é dada uma significativa ênfase à questão da inclusão e integração social das pessoas com deficiência na sociedade. Agora, não nos peçam explicações e responsabilidades por aquilo que não é da nossa conta.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Pedimos acção!
A Oradora: - Vão ter acção! O problema com que nos debatemos, neste momento, é, de facto, o de avaliar o grau de incumprimento desta legislação e o que é que podemos fazer para, efectivamente, suprir esta fraca execução da legislação.
Volto a referir também que a legislação é pouco interveniente nesta matéria, pelo que tencionamos apresentar propostas concretas, nomeadamente a elaboração de uma proposta de projecto de decreto-lei no que diz respeito à questão das barreiras arquitectónicas no edificado habitacional, que já está em curso.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Portanto, até lá, não fazem nada! Ainda bem que Os Verdes colocaram esta pergunta ao Governo, para o sensibilizar!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - O Governo está sensibilizadíssimo!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos passar para a sétima pergunta, (...)