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19/10/2005
Sobre co-incineração
Declaração política proferida pela deputada Heloísa Apolónia, na Assembleia da República, sobre co-incineração
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
 
Foram diversas as vezes que “Os Verdes” questionaram, neste hemiciclo, o Sr. Primeiro-ministro sobre as suas intenções em relação à co-incineração de resíduos industriais perigosos.

Foram as mesmas as vezes que “Os Verdes” solicitaram ao Sr. Primeiro-ministro que antes das autárquicas, para que as populações tivessem os dados sobre a mesa para tomar conscientemente as suas opções, esclarecesse em que cimenteiras pensava implementar a co-incineração. O Eng.º José Sócrates nunca o disse.

Eis senão quando, nove dias depois das eleições autárquicas o Sr. Primeiro-ministro afirma publicamente que a co-incineração é para avançar em breve na cimenteira da Cimpor em Souselas e na cimenteira da Secil no Outão.

Ficou, assim, claro que o Primeiro-ministro governa em função de estratégias eleitorais, o que é de uma profunda desonestidade para com as populações. Ainda assim não lhe valeu de muito.

Sobre a questão da localização ainda muita água há-de voltar a correr. Gostaria apenas de referir que o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, na versão que esteve em discussão pública em 2003, proibia a co-incineração de resíduos industriais naquela área protegida, questão em nada contestada, muito pelo contrário, louvada por todos os participantes no processo de inquérito público. Este Governo, contudo, de uma forma unilateral, sem prestar contas a ninguém, desrespeitando o processo de consulta pública, em suma de uma forma profundamente desonesta e violando o princípio da participação pública, fez publicar uma versão do Plano de Ordenamento que afinal permitia a co-incineração de resíduos industriais perigosos no Parque Natural da Arrábida.

E mais, a própria Secil anunciou entretanto publicamente que não estava interessada na queima de resíduos industriais perigosos e que se adivinhasse a contestação que assentou na opção pela co-incineração na Arrábida, nunca se teria envolvido nesse processo. Esta declaração da Administração da Secil é para levar a sério.

Mas sobre esta matéria, a qual se relacionará directa e inevitavelmente com o anúncio ontem feito pelo Primeiro Ministro sobre o avanço da co-incineração, o Sr. Ministro do Ambiente virá prestar os esclarecimentos devidos no próximo dia 25 deste mês, por iniciativa do Grupo Parlamentar “Os Verdes”, à Comissão de Poder Local e Ambiente.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

O Eng.º José Sócrates disse ontem que a co-incineração vai avançar em breve, no Outão e em Souselas, sem contudo estarem ainda concluídos aquilo que ele próprio designou como a actualização dos estudos feitos pela dita Comissão Científica Independente há cinco anos atrás. A conclusão está afinal tirada antes de se conhecer essa actualização e os dados que supostamente levariam a essa actualização. Torna-se, assim, claro que o Governo encomendou uma actualização de estudos que não podem dar outro resultado que não aquele que ele próprio já decidiu que seria o resultado. Aliás, quem se lembra bem do processo anterior sabe que desde o início que nos habituámos a ver que era assim que a Comissão Científica dita Independente funcionava.

 

Mas há, de facto, um conjunto de questões novas que merecem uma resposta credível e séria.

Os estudos que foram feitos há cerca de cinco anos e meio atrás tinham como objectivo aferir se era mais vantajosa a co-incineração ou a incineração dedicada. Não tiveram como objectivo tipificar e quantificar por característica os resíduos produzidos em Portugal de forma a indicar para cada grupo de resíduos a forma de tratamento mais adequada.

Para além disso, os estudos realizados há quase seis anos atrás não tiveram em conta os CIRVER, que entretanto pensamos que estão a avançar, e que, à partida, deveriam dar resposta de encaminhamento e tratamento aos resíduos industriais perigosos.

Mas, mais, os estudos realizados há tanto tempo atrás não tiveram em conta um tal Plano Tecnológico, de que tanto hoje se fala mas que tão pouco se conhece, plano tecnológico esse que nós Verdes não estamos a ver como é que, se for sério e estruturante, não pode ter repercussões na redução de resíduos industriais perigosos e até na sua forma de produção. Como ignorar isto, que deveria ter reflexos directos na concretização de tratamento para os resíduos industriais perigosos?

Sr. Presidente
Srs. Deputados

A implementação da co-incineração condicionará o futuro do tratamento de resíduos industriais perigosos. As cimenteiras vão querer rentabilizar o seu investimento e o seu negócio. A queima de resíduos não é compatível com objectivos significativos de redução de resíduos nem com a aposta noutras formas de tratamento especialmente porque esse circuito ainda não está implementado no terreno. Era preciso começar por aí – e perdemos já tanto tempo – era preciso encontrar para todas as fileiras de resíduos circuitos certos de reciclagem fundamentalmente nunca perdendo de vista o princípio da redução de resíduos, objectivo, esse sim, que seria um suporte absolutamente importante ao nível da competitividade das nossas industrias.

Mas, mais uma vez, o Governo quer primeiro agarrar-se ao tecto, às soluções de fim de linha, que têm impactos significativos de riscos ambientais, deixando todo o edifício de métodos de tratamento sem sustentação. Com a co-incineração arriscamo-nos a ver queimados resíduos que poderiam ser sujeitos a outra forma de tratamento ou até a importar resíduos perigosos para suportar esse negócio.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

Seria muito positivo que a teimosia, o acerto de contas com as vivas contestações que se formaram no passado em relação à co-incineração, dessem lugar a uma política responsável de resíduos em Portugal. E se assim fosse hoje não estaríamos a falara de co-incineração de resíduos industriais perigosos; certamente teríamos um sistema criado de circuito, encaminhamento e tratamento de resíduos perigosos a funcionar; com certeza teríamos níveis de redução, níveis de reaproveitamento e de reciclagem que nos motivariam ao encontro de uma política ambiental que estivesse ao serviço da melhoria da saúde pública e dos índices ambientais e não ao serviço dos inúmeros negócios que a área do ambiente vai desenvolvendo, desvirtuando os seus verdadeiros objectivos.

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