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25/04/2003
Sobre Comemorações do 25 de Abril
Intervenção da deputada Heloísa Apolónia Comemorações do 25 de Abril
Assembleia da República, 25 de Abril de 2003
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

Sr Presidente da República, Sr Presidente da Assembleia da República, Sr 1º Ministro e demais Membros do Governo, Srs Presidentes do Tribunal Constitucional,
do Supremo Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Administrativo, Srs Deputados, Srs Capitães de Abril, Minhas Sras e meus Srs,

Logo à tarde, na Avenida da Liberdade, milhares de pessoas gritarão “O povo unido, jamais será vencido” e “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”. Nada mais oportuno e adequado, nos dias que correm.

Este ano temos razões acrescidas para evocar os valores da democracia e da liberdade, referências inequívocas da revolução que homens e mulheres portugueses construíram e concretizaram, pondo fim a uma ditadura de 48 anos, a um regime fascista que calou e censurou os portugueses, que fez a guerra do ultramar, que procurou moldar pensamentos para alimentar um sistema que não tinha nenhuma legitimidade. É, pois, a esses homens e mulheres que fizeram Abril que devemos o nosso agradecimento pela liberdade que as actuais gerações conhecem.

Já aqui foi referido várias vezes em debates parlamentares, mas penso que é oportuno, especialmente hoje, repeti-lo: os portugueses que estiveram quase meio século a viver uma ditadura, certamente não teriam agradecido que um qualquer país nos tivesse bombardeado e ocupado para erradicar o regime de Salazar ou de Caetano, devastando Portugal e matando inúmeras crianças, mulheres e homens inocentíssimos e até fundamentais na luta contra o regime fascista. Hoje não estaríamos aqui a comemorar a revolução dos cravos, e teríamos como memória actos hediondos em tempos hediondos.

Mas enquanto para nós isto não passa de um apelo às consciências do quão horrível teria sido, para outros foi uma realidade – no Iraque, crianças, mulheres e homens, já vítimas de uma ditadura, pagaram com a sua vida a insanidade de Bush e Blair que promoveram uma guerra ilegal, violando todas as regras internacionais, com o objectivo de controlar reservas petrolíferas.

Nós em Portugal conquistámos a liberdade pela paz e fomos donos do nosso destino. Quando festejamos o 25 de Abril, festejamos justamente a paz e o fim do colonialismo. Por isso sabemos dar bastante valor à independência conquistada. E é extraordinário como isso se revelou na forma como o povo português se manifestou claramente contra a guerra no Iraque, ao contrário do Governo, que contra o sentimento generalizado da população portuguesa, apoiou essa guerra.

É também pelo que vivemos com o 25 de Abril em Portugal, que temos uma especial responsabilidade em combater outras formas de ocupação de territórios, de colonialismo, de imperialismo que há quem tenha vontade de impor no mundo, com um super poder mundial norte americano. Não queremos donos para o mundo, queremos povos soberanos, livres, independentes.

Mas temos ainda razões acrescidas para evocar os valores de Abril, porque em Portugal temos assistido a um retrocesso de direitos adquiridos como seria impensável ver 29 anos depois do 25 de Abril. Então o normal numa óptica de modernidade, de progresso não seria sempre o reforço de direitos dos cidadãos, por forma a garantir-lhes mais segurança na vida, mais bem estar?

É por isso que não se pode aceitar, nem tão pouco compreender como é que foram aprovadas alterações à legislação laboral que fragilizam de tal modo a posição dos trabalhadores, que a insegurança e o medo passam a ditar a submissão completa dos trabalhadores à vida das empresas.

E não se pode compreender como é que até o acesso a direitos básicos que o 25 de Abril assegurou, hoje se procura restringir, transformando certos bens imprescindíveis e essenciais à vida, como a água, em mercadorias, levando à apropriação de um bem colectivo, através da anunciada privatização do sector da água.

Como não se pode compreender como as mulheres continuam discriminadas quando em Portugal continuam sem liberdade de decidir sobre o seu corpo e a ser vergonhosamente submetidas a abortos clandestinos, nas condições mais deploráveis, com todos os riscos que isso comporta para a sua vida.

A negação de direitos é contra Abril. Abril é conquista, é sempre mais e melhor para as pessoas e para o desenvolvimento.

Isso reflecte-o uma das maiores criações de Abril – a Constituição da República Portuguesa de 1976. E apesar de todas as tentativas que têm sido feitas para violar ou até desvirtuar a nossa Constituição, ela continua a ser o garante de muitos dos nossos direitos.

E bem se percebe o seu valor quando o Ministro a propósito do Código de Trabalho, diz que só não se foi mais longe porque a Constituição portuguesa não permitia. E, mesmo assim, aquela legislação laboral está repleta de inconstitucionalidades, questão que ainda esperamos que seja resolvida.

E continuamos a aperceber-nos da importância da nossa Constituição, quando ouvimos, por exemplo, outro Ministro referir que não aumenta mais o valor das propinas porque há um acórdão do Tribunal Constitucional que não permite encarecê-las mais!

É preciso cumprir a Constituição de Abril e há tanto a fazer para atribuir e garantir qualidade de vida aos portugueses, que não se compreende como se dá prioridade àquilo que não está na base dos problemas dos cidadãos, como a reforma do sistema político ontem aprovada neste parlamento, a pretexto da necessidade de credibilizar a vida política, quando afinal os partidos que estiveram na base desta reforma é que a têm descredibilizado.

Em momentos de crise aumentam as subvenções estatais para os partidos políticos, aumentam os gastos de campanha eleitoral e muitos outros exemplos poderia dar de graves alterações à lei dos partidos e do financiamento dos partidos que ontem aconteceu.

Como querem credibilizar a vida política assim? E quando as pessoas estão é fartas de ouvir tantos compromissos eleitorais e de os ver gorados logo a seguir! Como querem que os portugueses se sintam quando se promete a baixa de impostos em campanha eleitoral e logo depois das eleições afinal se aumentam os impostos? Ou quando condenam uma guerra absurda e vêem Portugal colado a essa guerra? Ou quando os problemas ambientais que os afectam continuam a acentuar-se sem vias de resolução? Quando a riqueza é cada vez mais distribuída de forma desigual, quando as empresas se vão, a agricultura não dá, quando a saúde e a educação são para quem pode pagar, quando os imigrantes não têm como se integrar, quando os deficientes continuam a ser marginalizados?!

Para além de que não há como credibilizar a vida política quando se continua a assistir a uma promiscuidade entre o poder político e o poder económico, ou quando a falta de ética na política continua a existir.

Afinal, a credibilização da vida política passa é pela verdade, pela seriedade, pela transparência, pela ética de quem exerce mandatos políticos, pelo cumprimento dos compromissos assumidos com as populações e por medidas positivas de desenvolvimento.

E passa também necessariamente pelo cumprimento de um dos princípios de Abril – a aproximação dos centros de decisão às populações, o fomento da participação das populações.

Ora o que tem acontecido é justamente o contrário. Veja-se o estrangulamento financeiro com o qual os órgãos autárquicos se têm confrontado ao longo dos anos. E atente-se também à contínua transferência de poderes de decisão de Portugal para Bruxelas, estando hoje até em discussão na União Europeia o papel dos parlamentos nacionais, aos quais se procuram retirar poderes legislativos, e a tentativa de domínio dos órgãos de decisão da União pelos grandes países.

E quantos portugueses terão conhecimento que na Convenção sobre o Futuro da Europa se está a preparar uma Constituição europeia, sem a participação dos cidadãos, a qual prevalecerá hierarquicamente sobre as constituições nacionais, mesmo sobre as mais avançadas na garantia de direitos, liberdades e garantias, como é o caso da nossa Constituição. Não podemos permitir que nos retirem aquilo que foi uma das maiores criações e conquistas de Abril.

Termino, referindo que o 25 de Abril de 1974 constituiu, para além de tudo o mais, uma lição a não esquecer. Parecia concerteza impossível mudar o regime, parecia concerteza que a ditadura já era uma inevitabilidade para Portugal, que estava agarrada com raízes fortíssimas. Mas houve quem não acreditasse em inevitabilidades e quem prosseguisse numa missão quase impossível numa luta continuada e prolongada em função de um sonho que era necessário tornar real – construir um Portugal de liberdade, democrático, que conhecesse novamente a paz.

Por isso, quando hoje nos falam em inevitabilidades, quando nos fazem crer que adoptam políticas prejudiciais aos portugueses porque tem de ser assim, porque não há outro caminho, quando nos fazem crer que retirar direitos aos trabalhadores é a forma de as empresas criarem competitividade, quando nos dizem que não resolvem problemas ambientais que muito afectam a saúde pública porque para desenvolver é preciso não impedir as agressões ambientais, quando nos dizem que a privatização de sectores como a educação, a saúde ou a água são inevitáveis só porque isso faz parte de uma dita modernidade, é preciso dizer com veemência: NÃO É VERDADE!

Deixar de acreditar que é possível tomar outros caminhos é deixar de ser livre e de exigir democracia.

Por isso em nome dos Verdes quero dizer que vale a pena acreditar e vale a pena agir. Pela qualidade de vida, pelo desenvolvimento sustentável, pela igualdade, pela liberdade, mantenhamos a FORÇA DE ABRIL.

VIVA O 25 DE ABRIL

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