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25/04/2002
Sobre comemorações do 25 de Abril de 2002
Intervenção da Deputada Isabel Castro Na Sessão Solene Comemorativa do 25 de Abril
Assembleia da República, 25 de Abril de 2002
 
 

 
 
 
 
   
 
 
Senhor Presidente da Republica, Senhor Presidente da Assembleia da Republica, Senhor Presidente da República de Cabo Verde, Presidente Pedro Pires, Senhor Primeiro Ministro, Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Convidados, Sras. e Srs. Deputados,

25 de Abril, o dia que foi
"A madrugada que eu esperava
o dia inicial, inteiro e limpo"
nas palavras eternamente luminosas de Sophia.

O dia de que só se pode falar sem decepcionar as palavras. Sem permitir que mentira lhes roube a pureza. A luz. A brancura. A alegria inicial.

O 25 de Abril, o dia que não surgiu, porém, como pretendem os usurpadores da história, do acaso ou de um acidente, mas da resistência, da insubmissão, da luta de mulheres e de homens. Contra a guerra, a injustiça, o atraso, contra a ditadura.

Uma ditadura mesquinha, puritana e rural. Que amordaçou a palavra, cerceou vontades e consciências, decretou o medo, condenando gerações ao silêncio, ao exílio e à guerra.

E foi adiando, num país suspenso, Portugal, a história, o futuro, o destino

Abril, o 25 de Abril, a liberdade feita dia, num novo tempo em que a mais velha ditadura da Europa, repartida por África e pela Ásia, soçobrava finalmente...

O 25 de Abril, o dia da liberdade de um povo, o povo português, que foi da liberdade de vários Povos.

O Povo de Cabo Verde (que em nome do seu Presidente, o Presidente Pedro Pires hoje entre nós quero fraternalmente saudar) o povo da Guiné-Bissau, de Moçambique, de Angola, de S. Tomé e Príncipe, o povo de Timor Leste.

Povos cujo destino se cruzou, em Abril, num Portugal libertado, no fim de longos anos inúteis de ódio, de colonialismo, de guerra.

Povos para quem como Amílcar Cabral nas suas clarividentes palavras que recordo, sublinhou "O inimigo não era, para eles combatentes da liberdade nas colónias portuguesas, o povo português. Esse inimigo era o colonialismo português".

Povos irmãos, a que junta agora o povo angolano, tantos anos volvidos da sua independência, reencontrada finalmente da esperança, nos caminhos da paz.

Povos, "juntos separados", de que falava Eduardo Lourenço que cumprem, depois de heróica resistência, história e destino.

Ao assumir como dentro de breves dias, Timor Lorosae o fará, a sua independência e tornarem-se na mais jovem democracia do planeta e do século XXI.

Senhor Presidente
Sras. e Srs. Deputados

Abril, o 25 de Abril, que foi a liberdade feita tempo de reencontro. Connosco, no presente e no futuro.

Reencontro que simbolizou o nosso regresso ao ponto de partida. Regresso de um povo moldado por uma cultura de mestiçagem. Povo os: «primeiros exilados da Europa e seus medianeiros da universalidade», como nos diz Eduardo Lourenço, habituado a outro modo de olhar e ser olhado pelo outro, e pelo mundo. Numa longa história de errância, tecida na viagem, na deriva, no exílio.

Abril, ainda, o tempo de abertura à comunidade internacional. Tempo de despertar para os desafios globais do mundo. De adesão entusiasta a um património civilizacional de direitos humanos, que tomámos nas nossas mãos, procurando, dar-lhe corpo e sentido.

É pois

Srs. Presidentes e Srs. Deputados

Em nome desse dia, o 25 de Abril e de uma memória que se não rende, que importa falar.

Abril, na nossa sociedade ainda, por fazer viver, no quotidiano de muitos, mas sobretudo no quotidiano dos mais discriminados, os mais ostracizados, os mais fragilizados, aqueles cujos direitos se encontram hoje particularmente ameaçados.

Aqueles para os quais a privação de direitos fundamentais conduz à negação da sua dignidade como pessoa humana, à limitação da sua liberdade, à recusa de um estatuto de cidadania.

Uma responsabilidade que é colectiva, mas de que nem o Estado, nem os Governos, se podem, em caso algum, como alguns pretendem, alienar. Antes reclama, sem adiamentos, a responsabilidade de :

Prevenir a doença e garantir o acesso à saúde.

Combater a pobreza, assegurar a protecção; prevenir a exclusão social

Erradicar o analfabetismo e as periferias dos guetos geográficos ou sociais, onde se abriga.

Garantir os direitos das minorias e as suas identidades ;

Defender as línguas como elo privilegiado de cultura;

Eliminar todas as formas de discriminação. ;

Preservar o património (ambiental, cultural, genético);

Garantir a justiça e assegurar uma sociedade inclusiva

Incentivar um sentido de responsabilização perante a comunidade e as gerações vindouras;

Dar dignidade cultural ao futuro;

Tarefas que são fundamentais no país que em poucas décadas ( menos de três, lembrar-vos-ia) transpôs, a um ritmo alucinante é certo, muitos dos seus atrasos e deficiências estruturais, mas paradoxalmente

se revelou incapaz de reduzir o fosso entre ricos e pobres ou de suster a degradação ambiental. O país no qual se desenha a tendência de desresponsabilização do dever de cuidar de serviços e de bens patrimoniais que são suporte de vida deveres que, em exclusivo por isso lhe deveriam caber.

Sr. Presidente, Sras, e Srs. Deputados

Perigos novos que ensombram o futuro e aos quais se juntam, neste tempo e neste espaço que habitamos, novas perplexidades e novos riscos .

Fenómenos novos , que é nosso dever saber interpretar, nos seus sinais mais inquietantes e profundos.

Ameaças visíveis na vaga de choque que está a atravessar toda a Europa. Ameaças que têm feito emergir e subir ao poder forças e partidos, racistas, xenófobos e totalitários.

Ameaças neste tempo em que a geografia da fome, da guerra, dos conflitos étnicos e religiosos, da destruição ambiental, da desigualdade nas trocas, do abismal fosso entre povos e regiões, se acentua, à escala planetária.

O resultado de uma mundialização na economia e de uma desregulação dos mercados que, ao multiplicar-se, tem provocado uma crise global de valores, que atinge o já frágil tecido social de cada país, impondo novos fluxos migratórios, que tem gerado novas formas de exclusão, de rejeição, de escravatura.

Ameaças Srs. Deputados que reclamam um combate que não passa pela reprodução das desigualdades, nem pela democratização segregadora, nos bancos da escola.

Que não passa pelo desrespeito dos direitos dos imigrantes, e a sua redução à mera condição de objectos provisórios, temporários e em trânsito.

Com atitudes de suspeição, de incitamento à violência e ao ódio contra imigrantes ou com linguagens racistas, xenófobas e intolerantes.

Ameaças, contudo neste tempo tão complexo em que vivemos, de brutal globalização e de desordem por ela provocada, que

Sr. Presidente , Srs. Deputados,

Nos obriga enquanto membros de um Parlamento a reflectir sobre os seus limites de intervenção neste quadro

Que nos obriga a questionar a capacidade dos sistemas políticos em reflectir sobre a desregulamentação dos mercados e a desordem social, económica, cultural e política, por ela provocadas

Que suscita a necessidade de quebrar a rigidez do espaço institucional e de formular propostas alternativas e diversificadas , para a reflexão, para a busca de caminhos alternativas, sobre o futuro do planeta.

A exigência que, em nome do direito à memória e do combate ao esquecimento, em Abril, nos mobiliza contra aqueles para quem o holocausto não foi mais do que um pormenor da história.

A responsabilidade que nos impõe a capacidade de recuperar o sentido da solidariedade perdida.

A necessidade de sustentar causas, erguer vozes, acreditar que a justiça não vem de mecenas, mas é uma construção nossa, de todos mulheres e homens, de que queremos participar.

O rasgo de interpretar os desafios contemporâneos, da solidariedade, da responsabilidade, da cidadania.

A centelha de saber, em torno de valores civilizacionais que são património da humanidade, valores que estão hoje ameaçados, na diversidade encontrar espaços de convergência , para a sua defesa.

Vontades convergentes dentro e fora deste espaço, daqueles que, em Abril e por Abril, acreditam que só uma mundividência assente na valorização da pessoa humana, na dignidade e na liberdade,

De que só o valor da fraternidade e da solidariedade entre os povos, de que só o respeito pela natureza e pelas suas diversidades, de que só a responsabilização, poderão com respeito pelos direitos de cada indivíduo, contribuir de modo emancipador para a paz, para o desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente equilibrado , com o qual os cidadãos se identifiquem.

A certeza, no fundo, de só em Abril, no 25 de Abril, e no seu espírito libertador é que nos poderemos insurgir e reencontrar.

Viva o 25 de Abril!

Viva Portugal!

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