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30/04/2003
Sobre Complexo Mineiro da Urgeiriça
Declaração Política da Deputada Isabel Castro Sobre Complexo Mineiro da Urgeiriça
Assembleia da República, 30 de Abril de 2003
 
 

 
 
 
 

 

 
 
 
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

A situação nas minas abandonadas em Portugal é alarmante.

E assume contornos de particular perigosidade e elevado risco no complexo mineiro da Urgeiriça.

A catástrofe ambiental que pode estar eminente, uma ameaça para a saúde pública a que toda uma população beirã do País que vive naquela vasta região mineira está .

Um problema velho de anos para o qual Os Verdes repetidamente alertaram esta Câmara e que acabou por estar na origem da apresentação de sucessivas iniciativas políticas, uma das quais conduziu à aprovação unânime pelo Parlamento, há precisamente dois anos, de um projecto de resolução visando a definição de um plano de emergência no perímetro daquele complexo.

A Resolução com base num projecto dos Verdes, recordo-vos Srs. Deputados, que acolhia igualmente propostas vindas do PSD e contributos do P. Socialista, e que tinha como objectivo sinalizar uma vontade dos deputados a de comprometer politicamente o Governo pela responsabilidade de levar à prática um conjunto de medidas tidas como necessárias e urgentes para dar resposta imediata a problemas existentes, concretamente de minimização de impactes ambientais mais graves.

Propostas ainda de orientação futura, em termos de saúde pública com reflexos ambientais e sociais, prevenindo incorrectas ocupações do território e propondo naquela vasta área uma observação continuada dos índices de contaminação existentes, numa óptica de prevenção quer em relação às pessoas, quer em relação ao recursos naturais aí existentes.

A resolução registe-se, ainda, que o confronto com aquela realidade regional tornava já então imperativa e que se fazia eco dos apelos que crescentemente nos chegavam dos cidadãos, reclamando medidas capazes de assegurar o bem estar, a segurança e a saúde pública daqueles que durante gerações tinham estado expostos, pelo seu trabalho na mina às radiações de urânio e aos seus efeitos nefastos, mas também das comunidades instaladas à volta deste complexo mineiro disperso pelos distritos de Coimbra, Viseu e Guarda.

A recomendação que impunha um plano de acção a ser posto em prática no imediato, através de um conjunto de medidas de emergência, cuja necessidade se tornava evidente perante a gravidade extrema e a complexidade da situação.

Medidas para atender aos problemas ambientais identificados nos diversos concelhos dos três distritos envolvidos, muito em especial em Viseu e na Guarda, ao nível paisagístico e dos impactes nos ecossistemas afectados em razão dos diferentes graus de contaminação provocados no solo, no ar, na água.

Mais medidas com especial premência para algumas zonas especialmente afectadas do complexo uranífero e colocadas numa situação crítica, devido à relevância aí assumida pela exploração de urânio e pelas actividades com ela relacionadas, concretamente as de localização de resíduos de minério armazenado e as atingidas pelos processos químicos utilizados.

Medidas propostas perante a catástrofe ecológica eminente que o estudo caracterizador encomendado então pelo governo e feito pelo Instituto Geológico e Mineiro deixava antever, designadamente na Cunha Baixa, nas minas da Bica (concelho de Sabugal) e na Urgeiriça (concelho de Nelas).

Nas áreas onde se encontravam e encontram escombreiras dispersas com material radioactivo e resíduos perigosos de elevada toxicidade depositados, resíduos estes cujo montante, se estima só na Urgeiriça poder rondar 2.500.000 toneladas Urgeiriça, e cuja presença como bem se entende não pode continuar a ser negligenciada.

Medidas de urgência ditadas, ainda, pela identificação de lagunas com águas residuais ácidas ricas em metais pesados resultantes das operações realizadas durante anos na Oficina de Tratamento Químico, também elas de enorme nocividade, e susceptíveis de provocar pela contaminação todos os aquíferos da região.

Medidas porém, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, que não obstante a Assembleia da República ter proposto com carácter de urgência em função do que estava em jogo, ou seja a necessidade de impedir um desastre ambiental de enormes proporções e de garantir a saúde pública, a milhares de pessoas se verifica lamentavelmente, dois anos volvidos, que bem distantes se encontram de ter sido satisfatoriamente concretizadas.

O incumprimento em grande medida de uma Resolução adoptada por este Parlamento, neste caso concreto um plano de emergência numa zona do país que pode vir a tornar-se uma autêntica bomba de efeito retardado, que os Verdes entendem é nossa responsabilidade ultrapassar.

Um dever que o exercício do nosso dever fiscalizador em relação ao Governo, qualquer que ele seja nos impõe.

A responsabilidade que se espera de quem deve correspondendo e não defraudando a confiança e a expectativa em nós depositada por muitos cidadãos.

Cidadãos cuja segurança e saúde, face à perigosidade do minério explorado, o urânio, cuja radioactividade e consequente risco aliado à poluição química é tremenda, não se pode subestimar.

Uma segurança em termos ambientais e de saúde pública que impõe ao Governo, como há dois anos por unanimidade todos aqui propusemos, em primeiro lugar neste cenário dantesco onde se amontoam, a céu aberto, décadas de resíduos de urânio e outros de elevada perigosidade resultantes do tratamento químico durante décadas efectuado a pronta delimitação de cada uma das minas de urânio abandonadas, a sua identificação, a sua sinalização e vedação, prevenindo acidentes que a actual situação tem tragicamente favorecido.

Medidas estas que permitirão igualmente contribuir, quando efectivadas, para alterar uma situação de perigo eminente para as pessoas que vivem paredes-meias com minas e escombreiras abandonadas que afectam gravemente a sua segurança, o seu bem-estar, a sua saúde, presentemente negligenciados.

Medidas, as mesmas em falta, e que urge tomar em nome da segurança ambiental e da saúde pública como esta Câmara recomendou relativas à rápida definição de um perímetro de protecção, tendo como base o estudo caracterizador feito pelo então Instituto Geológico e Mineiro, e dentro do qual todas as actividades agrícolas e o pastoreio devem ser interditadas.

Medidas estas que estes dois anos, pelo desconhecimento manifestado por algumas autarquias se revelam ser da maior importância e devem ser efectivadas em estreito cooperação enlace com os poderes locais e demais entidades regionais e é decisiva para permitir informar à população dos riscos a que está sujeita e da melhor forma de os evitar, concretamente evitando porque se torna perigoso, utilizar os solos e as águas desta área na manutenção de actividades nas suas actividades tradicionais, como a agricultura e a pastorícia que são um, mais um, factor potenciador de risco e grave perigo para as comunidades locais através da contaminação que facilmente estas podem desencadear na cadeia alimentar.

Medidas em relação à monitorização da qualidade das águas subterrâneas em toda a zona envolvente, e não de análise pontual como se tem verificado, devido à contaminação existente nas águas que, por desconhecimento, continua a ser utilizada para consumo humano pelos habitantes locais.

Uma medida de máxima importância tendo em conta o grau de deteriorização já identificado e resultante da actividade desenvolvida com químicos em significativa parte do complexo mineiro.

Monitorização esta da máxima importância e que é nossa convicção será possível rapidamente ultrapassar, recorrendo com vantagem aos estudos que têm vindo a ser feitos por diversas universidades, no terreno, caso do Instituto Superior Técnico, permitindo cruzar informação dispersa e por norma pouco aproveitada pelas diferentes entidades da administração pública.

Monitorização esta que implica uma rotina de informação às autoridades locais (municípios, juntas de freguesia, autoridades de saúde, direcções de ordenamento e ambiente) em razão dos resultados obtidos da qualidade das águas subterrâneas nas zonas envolventes à exploração mineira, informação de compreensível e particular relevância dada a proximidade de várias barragens como a da Aguieira, do rio Mondego e de captações de água para consumo humano, em relação às quais, como é assumido pela própria ex- ENU, há probabilidades de contaminação, particularmente favorecidas em ano de cheias, como o actual.

Medidas ainda que garantam um adequado, correcto e seguro acondicionamento, identificação e selagem de todo o minério de urânio e produtos derivados, designadamente urânio empobrecido, que, ao longo dos anos, têm resultado da exploração mineira.

Medidas também para que, em termos de ordenamento do território, ( já que tal nunca aconteceu no passado) os diversos instrumentos de ordenamento do território estão em revisão, (PDM) equacionem do modo diverso as futuras ocupações humanas em zonas de radiação radiológica ou química.

Por último, Sras. e Srs. Deputados, medidas que, embora anunciadas e timidamente em curso sabemo-lo, o que naturalmente saudamos positivamente - refiro-me ao estudo iniciado pelo Instituto Ricardo Jorge, em colaboração com o Departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear importa alargar e aprofundar.

Uma necessidade para que as legítimas apreensões das populações locais relativamente aos impactos das escombreiras, dos resíduos das explorações mais não tenham lugar.

Uma necessidade para que a determinação exacta do verdadeiro grau de contaminação radioactiva nas várias freguesias e concelhos não seja negligenciada.

Uma necessidade para que todos os habitantes da zona, sem excepção, tenham uma percepção exacta dos efeitos da acumulação ao longo de anos feita no seu organismo de radiações ionizantes.

Uma necessidade para que todo este património público que irá um dia ser devolvido o venha a ser sem ameaça de morte.

Refiro-me às medidas para que as comunidades locais, aí incluídos os trabalhadores deste complexo mineiro obviamente que em contacto com esta realidade por razões naturais ou por razões que decorrem desta exploração ao longo de anos, devem ser submetidos a uma vigilância epidemiológica activa para garantir uma minimização de riscos, a saúde pública e o seu bem-estar.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Ao longo de cerca de 80 anos, a exploração de urânio trouxe significativas receitas ao País: riqueza, trabalho e alegria.

Ainda em 1999, a Empresa Nacional de Urânio anunciava publicamente que, em 2001, a produção aumentaria de 29 para 100 toneladas/ano. No entanto, inexplicavelmente, em Março de 2000, a Empresa Nacional de Urânio contraria a sua intenção e dá por encerrada a actividade de exploração, ficando apenas reduzida à recuperação e reabilitação ambiental por um período de cinco a sete anos.

Importa que a este passivo ambiental, a que se junta uma pesada herança social traduzida em desemprego e doença, não se some dramaticamente a desresponsabilização do Estado pela saúde daqueles que dedicaram toda uma vida à mina.

O desmantelamento da empresa, das instalações e o inevitável despedimento dos seus trabalhadores não pode apagar a dívida da sociedade .

Que fazer das soluções ácidas dos mais de 3 milhões de toneladas de materiais rejeitados no tratamento químico da exploração do urânio?

Que fazer e qual o nível de contaminação das linhas de água na região que desaguam directamente no rio Mondego ou noutras bacias hidrográficas?

Que fazer com a eventual contaminação da cadeia alimentar?

Que fazer com os elevados níveis de concentração de radão nas habitações, muito acima do valor ambiental natural aceitável e do valor médio nacional?

Que fazer, ainda, com a venda e utilização das escombreiras como materiais de construção das habitações?

Ou que fazer com os elevados índices de neoplasias e de cancro instalado na região?

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