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30/06/2003
Sobre Conselho Nacional de Biossegurança
Intervenção da deputada Isabel Castro
Apresentação do Projecto de Lei nº 314/IX
CONSELHO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA

 

 

 

 

 

  
Senhor Presidente, Sras. e Srs. Deputados, 

Não há bio vigilância em Portugal. Uma necessidade que urge ultrapassar perante a revolução na biologia e na genética tem vindo todos os dias a abrir novas fronteiras do conhecimento, permitindo à humanidade introduzir modificações ao nível do próprio património genético dos organismos vivos.

A explosão do conhecimento científico com profundas implicações éticas, ambientais, sociais e económicas, coloca-nos assim, no limiar de um tempo novo.

A mutação vertiginosa que se verifica, altera radicalmente os quadros tradicionais dentro dos quais o destino biológico e o progresso dos seres humanos se tem vindo a processar.

Esta mudança profunda desafia-nos e apela à compreensão que a vida e a saúde da nossa espécie e de todas aquelas que nos rodeiam, dependem de uma complexa teia de inter relações ecológicas em grande medida desconhecidas. Ora, essa complexidade impõe-nos o dever de agir com precaução e a responsabilidade de evitar intervenções humanas que possam pôr em perigo todo este frágil equilíbrio.

Temos que determinar os limites e as fronteiras a que a experimentação científica e o avanço tecnológico se devem subordinar, para não pôr a saúde humana, o ambiente, os direitos dos cidadãos e a própria sustentabilidade do desenvolvimento.

A discussão sobre o futuro não se deve circunscrever a decidir sobre “ tudo o que se pode fazer “, mas para o que é possível fazer, com o menor risco e o menor perigo, nos novos domínios da genética e da bio tecnologia.

Esta abordagem requer o debate e a colaboração estreita entre os decisores políticos, a ciência e a sociedade no seu conjunto.

É indispensável que se incentive uma cultura de participação, debate aberto e de colaboração entre os cidadãos, as suas organizações, os especialistas. E que isso se institucionalize, de modo a dar suporte às tomadas de decisão sobre questões novas e controversas em relação às quais o desconhecimento é enorme e a investigação científica, mais do que encontrar respostas, tem multiplicado interrogações e dúvidas.

Ora, as questões novas e controversas ao nível da genética, são susceptíveis de afectar a saúde humana, os direitos básicos dos consumidores e o equilíbrio ambiental.

E são ainda, passíveis de influenciar pelas suas implicações éticas e sócio económicas a sustentabilidade do nosso desenvolvimento futuro,

Razões pelas quais, ao situarmo-nos no território da incerteza, ser necessário assegurar que as questões respeitantes aos organismos geneticamente modificados, à sua livre circulação e consumo no país, serão analisadas com respeito pelo principio da precaução e os valores da solidariedade em relação ao futuro .

É assim, neste contexto que se situa a presente iniciativa política dos Verdes, hoje em debate e que escolhemos agendar, propondo-nos contribuir para ultrapassar as graves lacunas que actualmente se registam em Portugal, em matéria de segurança biológica.

E uma delas tem a ver, precisamente, com a ausência de um interlocutor, de uma autoridade nacional que responda especificamente no domínio da segurança e da avaliação de risco biotecnológico, como o será, o Conselho Nacional de Biossegurança.

A proposta que apresentamos vai ao encontro da necessidade já sentida e superada por outros países, em matéria de segurança biológica, através de soluções diversificadas, como se verifica dentro da U.E, por exemplo, em países como a França, o Reino Unido, a Dinamarca ou a Itália, com as quais, o nosso projecto se identificam.

O Conselho de Biossegurança concebido nos seus princípios orientadores, em termos que o aproximam das recomendações das Nações Unidas, UNEP e GEF para as autoridades nacionais a criar em cada país, no âmbito do Protocolo de Cartagena, sobre biodiversidade.

O órgão que optámos por configurar em termos próximos dos adoptados na lei de 1990, que viria a instituir o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e se revelou uma experiência inovadora, impulsionada a partir da aprovação inicial pela Assembleia da República, por unanimidade, de um projecto de lei do PS.

O órgão público independente, que propomos, o Conselho Nacional de Biossegurança, está especificamente vocacionado para analisar de modo sistemático os complexos problemas éticos, riscos e perigos para a saúde humana e para o ambiente suscitados pela aplicação em Portugal, das decisões relativas ao uso de organismos geneticamente modificados (OGM). E isto, em razão dos seus efeitos irreversíveis sobre a natureza e sobre os seres humanos, quer se trate da sua libertação no ambiente, quer comercialização e consumo humano.

O conselho de biossegurança que vai ao encontro da necessidade de fazer participar institucionalmente no debate ético, e sócio económico os diversos os parlamentos, enquanto representantes do estado democrático, a propósito da aplicação da bio tecnologia e da avaliação sistemática de risco. Para que possam cumprir a sua missão fiscalizadora em matérias que mexem com direitos fundamentais.

E ao fazê-lo favorece-se, por um lado, a reflexão sobre a biotecnologia e a sua harmonização da aplicação com os direitos humanos. Por outro, garante-se numa matéria tão complexa quanto esta, as condições para exercer o poder fiscalizador sobre decisões políticas que devem ser tomadas pelos executivos com suficiente informação, preparação e prudência, integrando as várias questões e alternativas.

Ao Conselho Nacional de Biossegurança, atribui-se também a função numa óptica consultiva de identificar e avaliar as alternativas de menor risco ou perigo que eventualmente cumpram objectivos equivalentes aos do recurso à biotecnologia, tendo em conta o princípio da precaução e a sustentabilidade do desenvolvimento do país.

O Conselho tem por competência pronunciar-se sobre pedidos de licenciamento, emitir pareceres e recomendações e impulsionar o acesso dos cidadãos à informatização. E, ainda, disponibilizar dados que permitam aos órgãos de soberania e demais instituições dispor de suporte técnico, sistematizado e actualizado sobre os progressos que se vão verificando neste particular domínio necessários ao cabal cumprimento dos seus deveres constitucionais..

O órgão de consulta da Assembleia da Republica e cujo presidente é por esta eleito, que deverá ser integrado por personalidades de reconhecido mérito que, com total independência, autonomia e pluralidade de percursos garantam a necessária autonomia face aos interesses em jogo, e sejam capazes de estabelecer a desejável ponte entre a comunidade científica e a sociedade no seu conjunto. E simultaneamente assegurando o apoio e o suporte essenciais ao poder político, para que este em cada momento possa, moldar as suas tomadas de posição.

O Conselho Nacional de Biossegurança é integrado por individualidades provenientes das áreas da saúde, do ambiente, do consumo, da agricultura, da economia, designados pelo Governo, com especialistas da comunidade científica, a designar pela Assembleia da República, por representantes dos diferentes organizações criadas pela comunidade, ( do sector público e privado), por sectores profissionais e sociais, diversos parceiros e representantes da sociedade, nomeadamente, dos médicos, dos biólogos, dos produtores, dos agricultores, das associações de defesa do consumidor, das organizações de ambiente, da plataforma das ONG para o desenvolvimento, das associações representativas do mundo rural, do conselho económico e social.

Pretendemos uma multiplicidade de olhares que com total independência possa reflectir, de forma enriquecedora, no Conselho Nacional de Biossegurança sobre as consequências do recurso à engenharia e biologia.

As questões que só a abrangência, independência e diversidade nos membros do Conselho, lhe atribui capacidade para poder devidamente avaliar e se levantam em termos de propriedade intelectual, de comércio internacional, de cooperação e de ajuda ao desenvolvimento, de direitos básicos dos consumidores, de auto-suficiência alimentar, de defesa da diversidade biológica, incluindo a manutenção das variedades agrícolas tradicionais, de preservação dos ecossistemas, de equilíbrio ambiental, de saúde pública, entre outros, que só a abrangência, independência e diversidade nos membros do Conselho, lhe atribui capacidade para poder devidamente avaliar.

Das questões que se colocam é grande a amplitude e complexidade atendendo desde logo, aos potenciais riscos ambientais resultantes da circulação e da libertação de organismos geneticamente modificados; sabido que a investigação científica produzida, tem somado dados que indiciam inevitável poluição genética, perigos para a perda de biodiversidade planetária, consequências imediatas ou a prazo, previsíveis ou não, directas ou indirectas, sobre os ecossistemas naturais.

As questões de segurança biológica que teremos de equacionar, resultantes dos perigos para a saúde humana decorrentes da introdução na cadeia alimentar de produtos geneticamente modificados, novas substâncias insuficientemente testadas nos seres humanos, cuja probabilidade, já indiciada, porém, de serem nocivas, pode afectar o sistema imunológico e provocar o contacto com substâncias alérgicas é real, representa um potencial risco.

Mais, há questões, desafios e riscos, que se são noutros domínios de aplicação da engenharia genética, que não são exactamente os que se prendem com a sua utilização para fins de investigação científica e que importa com especial cuidado equacionar, tendo presente a responsabilidade que colocam no plano ético, social e económico.

Ora estes são dados que o Conselho Nacional de Biossegurança, pela natureza peculiar das suas competências e autoridade ética e científica dos seus membros, não pode deixar de ponderar, tendo presente um dado incontornável: a possibilidade não excluída das demais práticas agrícolas, dominantes em Portugal, as convencionais ou as biológicas, serem contaminadas, colocando em perigo a sobrevivência das variedades agrícolas tradicionais e o património ancestral de sementes, até hoje pertença dos nossos agricultores.

Todos estes aspectos pertinentes de extrema gravidade reclamam o escrutínio criterioso, a avaliação consistente de todas as decisões que se possa vir a tomar. E compreensão que o que se pode estar definitivamente em jogo, nesta “coexistência”, muito longe de estar assegurada, é o próprio direito de opção das gerações futuras, a liberdade de escolha dos cidadãos. A nossa economia e autonomia no plano agro-alimentar, podem ficar totalmente dependentes das transnacionais que detém o monopólio do comércio das sementes transgénicas e tornar o nosso país refém das empresas de biotecnologia.

Os desafios muito complexos e diversificados que estão na agenda política, desafiam-nos muito directamente e remetem-nos, no limite, para decisões sobre a garantia de direitos básicos dos consumidores portugueses, sobre a liberdade de escolha da nossa alimentação e da dos nossos filhos, sobre a sobrevivência ou não, a prazo, de outras culturas e opções livres de organismos geneticamente modificados. As consequências que é nossa responsabilidade previamente equacionar, no plano agrícola e alimentar, face ao cenário de circulação e de livre colocação no mercado de transgénicos, prontos a ser consumidos.

A probabilidade que aconselha, essa é a posição dos Verdes, a aplicação do princípio da precaução e um especial cuidado na análise e acompanhamento de todas as questões de risco que se prendem com a aplicação das biotecnologias em Portugal.

A ponderação de escolhas exige a posse e a actualização permanente de conhecimento, a partilha de informação, o envolvimento dos diferentes sectores, a adopção de procedimentos transparentes que assegurem aos cidadãos, através de processos abertos e participados, dados sobre os progressos científicos, a sua constante evolução, bem como, sobre os riscos.

A avaliação sistemática que propomos permita, independentemente da posição de princípio de cada um, à sociedade e aos cidadãos envolverem-se, como é seu direito, no debate sobre questões que lhes respeitam, que interferem com o nosso destino comum e em relação às quais se impõe uma abordagem pautada pelo princípio da precaução, pela ética da responsabilidade e pela solidariedade em relação às gerações futuras.

Senhor Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,

Estes são os princípios orientadores do projecto de lei que hoje propomos à vossa consideração, sobre a criação de um Conselho Nacional de Biossegurança.

Os objectivos políticos que nos propomos com esta iniciativa são também claros, como de modo muito breve passarei a sintetizar:

O primeiro é ultrapassar a grave lacuna que actualmente se regista em Portugal em matéria de segurança biológica, pela inexistência ao contrário do que se verifica na esmagadora maioria dos países, da União Europeia de uma entidade nacional independente especificamente vocacionada para a análise das questões relativas à prevenção de risco biotecnológico.

Um órgão independente designamos por Conselho Nacional de Biossegurança, que concebemos numa solução simétrica daquela que ditou, por unanimidade, em 1989 nesta Câmara, a criação do Conselho de Ética para as Ciências da Vida.

O segundo objectivo é o de garantir ao país a existência de uma entidade que, de modo consistente, dê suporte às decisões do poder político e possa apoiar as escolhas que Portugal, no domínio da biotecnologia e da sua aplicação, deve ou não vir a tomar, conhecidos os poderosos interesses das transnacionais em jogo e que, não obstante, a investigação científica produzida ser vasta, as interrogações são em maior número do que as respostas e o desconhecimento continua a ser, a única certeza possível!

O projecto pretende em terceiro lugar, assegurar aos cidadãos portugueses na decisão sobre a aplicação da biotecnologia, o direito de livre escolha. Direito este de que cada sociedade deve poder dispor, em matérias que envolvem risco para que, em Portugal se possa - como ocorre na esmagadora maioria dos países europeus – decidir livre e conscientemente sobre os riscos que pretendemos ou não colectivamente assumir, avaliando e ponderando as alternativas técnicas ou outras que se coloquem ao recurso aos organismos geneticamente modificados, compreendida a complexidade de questões éticas e sócio-económicas suscitadas pelo seu uso (OGM), quer se fale da sua libertação no ambiente, da sua utilização confinada, quer se fale da sua comercialização para fins alimentares.

O projecto de lei que tem como propósito, em quarto lugar, garantir prevenção de riscos biotecnológicos, na óptica do interesse dos cidadãos portugueses, nomeadamente enquanto consumidores, atendendo às dúvidas pertinentes sobre os impactes da libertação de organismos geneticamente modificados, OGM, sobre o meio ambiente e os seres humanos, e à natureza irreversível e imprevisível, dos seus efeitos, imediatos e a prazo.

O projecto de lei, que tem como objectivo, ainda, dar a palavra à sociedade, aos cidadãos, favorecendo o esclarecimento público e criando um centro de informação que permita ao país, aos diferentes órgãos de soberania, às instituições nacionais, dispor de meios de acesso a dados actualizados, no domínio da biotecnologia, de forma a garantir conscientemente a capacidade técnica e técnica de poder decidir sobre estas matérias e de permitir aos cidadãos acompanhar as tomadas de decisão que afectam o seu destino.

Por último, o projecto de lei pretende dotar o nosso país de um órgão competente para assegurar escolhas transparentes e bem sustentadas, que conforme ao disposto no Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, salvaguardem o respeito pelo princípio da precaução, o qual deve pautar as decisões políticas e é o único garante da protecção dos interesses dos cidadãos, da saúde humana, do ambiente, da sustentabilidade do nosso desenvolvimento futuro.

Srs. Deputados são estas as razões que, em suma, explicam este projecto, a sua oportunidade política, o seu conteúdo.

O objectivo é só um. É o de permitir dotar o país de um órgão independente que possa, liberto de pressões, com total autonomia dos seus membros, avaliar sistematicamente e pronunciar-se sobre a adequação das escolhas que nos domínios da engenharia e da genética, concretamente no tocante aos organismos geneticamente modificados, se devem ou não, a cada momento, fazer no país.

Ora estas escolhas que não são meramente políticas, têm consequências, directas ou indirectas, previsíveis ou não, imediatas ou prazo.

Ora estas escolhas não são lineares, colocam dilemas à ciência e à ética, ao direito e à política. Estas escolhas são societárias, tem uma dimensão ética e sócio-económica implícitas, por isso devem ser devidamente avaliadas.

A avaliação, neste caso concreto sobre a utilização de OGM na agricultura e na alimentação e sobre os riscos biotecnológicos é, afinal, nesta sociedade de risco em que vivemos, a avaliação sobre o nosso destino comum, sobre um futuro que deve ser discutido e moldado, com base num largo consenso.

São decisões partilhadas aquelas que os Verdes vos propõem, com este projecto. Numa atitude responsável pautada pelo respeito pelo princípio da precaução, a saúde humana, o ambiente, a sustentabilidade e os valores da solidariedade para com as gerações futuras.

A atitude em relação aos novos desafios da bio ciência e do desenvolvimento técnico e tecnológico que, em conjunto, sem medo decerto, mas em segurança e com sentido de responsabilidade devemos assumir perante questões que podem nos interpelam, podem redesenhar as sociedades e transformar o nosso destino neste século XXI, da era da biologia.

 

Disse!


Ver tambêm:

Projecto de Lei Nº. 314/IX Projecto de Lei- Cria o Conselho Nacional de Biossegurança

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