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15/01/2003
Sobre debate do pacote laboral
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia Sobre debate do pacote laboral
Assembleia da República, 15 de Janeiro de 2003
  

 

 
 

 

 

 

Sr. Presidente, Srs Membros do Governo, Srs. Deputados

Esta proposta de lei do Governo constitui uma das maiores afrontas à Constituição da República Portuguesa e um verdadeiro retrocesso nos direitos conquistados pelos cidadãos no que diz respeito à legislação laboral.

Da violação do princípio constitucional da segurança no emprego com o alargamento da contratação a termo, passando pela violação do princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa com a não integração do trabalhadores em caso de despedimento declarado ilícito, até ao condicionamento de acção dos representantes eleitos dos trabalhadores, até à restrição do direito de contratação colectiva, até à restrição do direito à greve, entre outros, o desrespeito pela Constituição é intolerável.

Esta proposta de lei do Governo de revisão da legislação laboral tem alguns objectivos centrais que importa denunciar: um trabalho como um custo a ser urgentemente reduzido, à custa da precaridade, do desemprego, da debilidade dos sindicatos, dos menores salários e da consequente curva descendente de condições de vida, gerando e acentuando a insegurança no futuro da grande maioria das famílias.

Argumenta o Sr. Ministro que se trata de dar uma oportunidade aos jovens! Qual é o jovem que quer a garantia de emprego precário? Qual é o jovem que quer a perspectiva da insegurança no emprego? Qual é o jovem que deseja uma vida de baixos salários? Qual é o jovem que pensa em ter uma casa, autonomia, ter filhos e que não sabe se tem emprego ou, tendo, não tendo garantia no seu emprego? Qual é o jovem que perspectiva com desejo numa vida de ameaça a troco de emprego e de submissão total à vontade da empresa para definição de horários, de locais e de condições de trabalho?

O Sr. Ministro não devia atrever-se a acenar a bandeira dos jovens porque os jovens de hoje, como os de ontem, como os de amanhã querem ter segurança na sua vida e os Srs negam-lhes isso, e pior, retiram-lhes isso à força.

Num país onde os contratos a prazo já são superiores à média europeia, o Governo pretende generalizá-los e intensificá-los, quando, em diferentes estudos realizados, a estabilidade no emprego é revelada como o valor mais importante associado ao trabalho.

Mas o grande pretexto do Governo para apresentação desta proposta reside na competividade e na produtividade – que ousadia Sr. Ministro considerar que os trabalhadores são obstáculo ao sucesso das empresas! Que ousadia considerar que os trabalhadores querem o fracasso da empresa! Atrever-se-à o Sr. Ministro a negar que os trabalhadores lutam até ao limite pelo sucesso das suas empresas, cujos empresários tantas vezes insistem na deslocalização das mesmas, por motivos sobejamente conhecidos e alheios à acção dos trabalhadores e ao exercício dos seus direitos? – veja-se o caso da Clarks em Castelo de Paiva.

O ciclo vicioso em que os Srs insistem em mergulhar é a grande causa de encerramento de muitas empresas e de fracasso igualmente de uma política social necessária.

Baixos salários e precarização geram tendência para mudança no emprego, de aumento de níveis de rotatividade no emprego, este facto gera inexistência de formação profissional aos largos trabalhadores contratados a termo. Isto gera também mais baixas qualificações, menos Know-how, o que por sua vez é causa de mais baixa capacidade de inovação das empresas, gerando, desta feita, mais baixo investimento – isto, confrontado com baixos preços é o vosso contributo para o convite ao encerramento ou à deslocalização das empresas.

Afinal, Sr. Ministro, as medidas que os Srs. propõem o que poderão mesmo é acentuar problemas de competividade e de produtividade – não só pelo ciclo vicioso focado, mas porque simultaneamente ignora questões de capacidade de gestão, de qualificação, de investigação, de novas formas de produção, e por aí fora.

E o Sr. Ministro nunca conseguiu explicar como é que há empresas em Portugal que conseguem obter altos níveis de produtividade com a actual legislação em vigor – é que o problema de facto não reside onde o Sr. Ministro diz que reside.

Sr. Oresidente
Srs. Deputados

Esta proposta do Governo tem um objectivo claro – fragilizar os direitos dos trabalhadores e fragilizar as suas estruturas representativas, para dar toda a margem de manobra aos empresários.

As implicações desta proposta para a vida dos trabalhadores são dramáticas também no que respeita à compatibilização da vida familiar com a vida profissional – numa semana podem trabalhar até às 50 ou 60 horas e até 10 horas ou 12 horas por dia, desregulando todos os mecanismos de apoio e de acompanhamento familiar – o Governo quer o trabalhador ao serviço da empresa, o resto, entenda-se também a família, vem por acréscimo. Que grande protecção às famílias portuguesas, Sr. Ministro!

Mas, para as mulheres propõem-se outras alternativas também, para compatibilização da sua vida profissional com o trabalho doméstico e a vida familiar – o trabalho a tempo parcial. Conhecem-se bem os efeitos desta modalidade de trabalho noutros países onde está generalizado, nomeadamente com a reduzidíssima ou mesmo impossível oportunidade de progressão na carreira, ou com os consequentes salários reduzidos, criando maior dependência económica das mulheres. Esta é a vossa visão de família – visão retrógrada de homem como o ganha pão da família e a mulher de regresso a casa, remetida ao espaço privado e aos cuidados da família – certamente não se trata do respeito pela Constituição da República Portuguesa, mas sim de outra coisa constituição, de 1933, que no seu art.º 5º bem delineava assim o papel da mulher na sociedade.

Como insustentável, Sr. Ministro, é aquilo que está previsto no art.º 16º da Proposta de Lei que permite que a empresa averigue sobre a gravidez ou a potencial gravidez das trabalhadoras, permitindo que aquela se intrometa de modo inaceitável na vida privada dos trabalhadores – norma escandalosa num Estado Democrático.

Sr. Presidente
Srs Deputados

O Sr. Ministro acena a da bandeira da modernidade. Mas modernizar não é fazer com que as pessoas sejam travadas na sua acção pelo medo, que aceitem tudo, que se sujeitem a tudo no trabalho, pelo medo de perder o emprego. Isso foi próprio de tempos que já lá vão.

O Sr. Ministro joga nesta proposta com a ainda maior força da parte mais forte na relação de trabalho (os empresários) e com o medo da parte mais fraca (os trabalhadores). Não joga com regras de liberdade e de igualdade. Isso não é sinal de progresso, é exactamente o contrário.

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