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04/05/2005
sobre decisão do Sr. Presidente da República de não convocar o Referendo para a Despenalização do Aborto
Declaração Política do Deputado Francisco Madeira Lopes Sobre decisão do Sr. Presidente da República de não convocar o Referendo para a Despenalização do Aborto
Assembleia da República, 4 de Maio de 2005

 

 

 

 

 

  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

O Sr. Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, em mensagem dirigida à Assembleia da República, informou, sem surpresa, que não iria convocar o referendo proposto sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG).

Com efeito, no seguimento dos vários sinais que o Sr. Presidente da República vinha dando a todos os responsáveis políticos, muito antes da discussão e votação dos Projectos de Lei sobre a despenalização da IVG apresentados nesta Legislatura, designadamente declarando que não era favorável à realização de uma consulta referendária antes do Verão, bem como da necessidade de respeitar a possibilidade de existência de um debate democrático aprofundado, pelo que era absolutamente de prever que o referendo não seria convocado.

O Sr. Presidente da República já assumiu que via com bons olhos a alteração da actual lei que criminaliza as mulheres que se vêem obrigadas a realizar a IVG.

No discurso que o Chefe de Estado proferiu na celebração dos 31 anos do 25 de Abril, intervenção durante a qual o Sr. Presidente da República não fez referência directa acerca do grave drama da nossa sociedade actual do aborto clandestino, deixou, no entanto, bem claro para quem quis ouvir, que e passo a citar:

“Cabe aos dirigentes políticos, a todos os dirigentes políticos, assumir as suas responsabilidades com auto-exigência, conscientes de que as soluções de rotina e de continuidade não chegam para enfrentar os graves desafios que temos. Há muito a fazer e ninguém pode olhar para o lado e achar que a responsabilidade é do outro.”

E continua:

“Repito: não há tempo a perder nem responsabilidades a transferir. Que cada um assuma as suas.”

Ora a leitura que nós Verdes entendemos que se tem que fazer desta postura é precisamente que o próprio Presidente da República entende que a AR deveria assumir as suas responsabilidades nesta matéria em lugar de remeter e adiar a questão para um referendo de verificação e resultados incertos.

Ora é exactamente isto que este Parlamento, por culpa de quem defende o referendo, não está a fazer: a assumir as suas responsabilidades. As suas responsabilidades de, enquanto órgão legiferante máximo e casa da democracia representativa pluralista, agir, na senda do compromisso eleitoral assumido, não só pelo partido que ganhou as eleições, mas por todas as forças de esquerda que viram a sua representatividade reforçada depois de 20 de Fevereiro, no sentido de mudar a actual lei penal no que toca ao aborto.

É para nós claro que a actual situação criada pelo Partido Socialista, que, ao se recusar a assumir as responsabilidades que, enquanto Grupo Parlamentar que defendeu a despenalização da IVG, e presumo que ainda defende, lhes cabe de, nesta sede, na Assembleia da República (AR) saída das últimas eleições com uma clara vitória das forças de esquerda nela representadas, agir, como o fizeram “Os Verdes” e o PCP, no sentido de realizar de imediato a mudança desejada da nossa actual lei penal, claramente injusta e desajustada face à realidade social existente e absolutamente desastrosa em termos de saúde pública para as mulheres portuguesas, se tornou cúmplice do prolongamento da actual situação de sofrimento, repressão e morte e do adiamento da sua resolução sem data marcada.

É ainda absolutamente claro para “Os Verdes” que está na altura de reconhecer que, tendo falhado o recurso ao referendo, as responsabilidades de mudarmos desde já a lei, saem ainda mais reforçadas.

Com efeito, pela nossa parte sempre defendemos que deveria ser a AR a desenvolver o processo legislativo para alterar a lei, desde logo porque tratando-se, como é reconhecido de uma questão de consciência individual e pessoal de cada um, não só dos deputados mas principalmente das mulheres que se vêem confrontadas com o drama pessoal de ter fazer essa escolha, é esta uma questão que não deve ser referendada. Mas, para além disso, é preciso reconhecer que a solução de referendo se encontra esgotada e que sem uma actuação imediata deste parlamento não há solução à vista…

O PS, nesta matéria, tem andado a permanente e fugir e a chutar a bola, ora para a frente, ora para trás, demonstrando que não está de facto empenhado na resolução desta questão. O PS não se pode esquecer de que, se assumiu no seu programa eleitoral a realização do referendo, solução agora esgotada, assumiu igualmente, para com os portugueses, o compromisso de despenalizar a IVG. A prioridade dada ao compromisso do referendo em detrimento do compromisso de mudar a lei não pode deixar de ter essa leitura política.

É aflitivo, de facto, ver como o PS tem agido ao longo de todo este processo:

Começou por lavar as mãos passando a questão para o Presidente da República, já sabendo de antemão, que este lhe devolveria a batata quente na volta do correio;

De seguida cedeu vergonhosamente às pressões e argumentos ilógicos e injustificados da direita e reduziu o seu Projecto de Lei apenas à questão a submeter a referendo, excluindo assim, não só todo um conjunto de outras situações que deveriam igualmente ser despenalizadas, como desconsiderou outras questões que a lei deveria acautelar como o importante papel dos estabelecimentos oficiais de saúde ou o próprio direito de objecção de consciência por parte dos médicos;

E agora, apesar de se depararem a olhos vistos, com os naturais escolhos do caminho sinuoso e de resultados incertos que escolheu traçar, o PS, em vez de arrepiar caminho concretizando, sem mais delongas ou mecanismos dilatórios, a necessária e urgente reforma do nosso Código Penal nesta Assembleia, insiste teimosamente que ainda é possível fazer um referendo este ano, como há pouco tempo ainda insistia que era possível fazê-lo antes do Verão, querendo tapar o sol com a peneira.

Mas a dura realidade, Sras. e Srs. Deputados, é que não está garantido nem ninguém pode garantir que as mulheres portuguesas deixarão de ter razões para continuar na clandestinidade, a ser perseguidas mutiladas e maltratadas, sequer ainda este ano, como se não tivesse passado já tempo demais.

Com efeito, mesmo que se admita a possibilidade de que, por força de uma alteração apressada e casuística da nossa lei fundamental e da lei do referendo, que venha a permitir a realização simultânea de referendos e actos eleitorais, o que nos parece extremamente grave e prejudicial para o nosso sistema democrático que se deseja participado, crítico e esclarecido, mesmo admitindo como possível a interpretação dos artigos da nossa lei fundamental no sentido de poderem existir 5 sessões legislativas, não é rigorosamente nada líquido que ainda assim o Sr. Presidente da República convoque o referendo para o final deste ano.

É para nós Verdes, inaceitável que o PS continue obstinadamente, de mãos dadas com o BE, a insistir num referendo, o qual já ninguém acredita que ainda seja possível realizar este ano e durante esta mandato da presidência da república, sendo o futuro depois de Janeiro de 2006 absolutamente incerto no que respeita ao se, ao como e ao quando poderemos voltar a página negra do aborto clandestino em Portugal.

Voltando a citar o Sr. Presidente da República na sua alocução supra referida:

“Quando formos avaliados pelas gerações que nos sucederão, a pergunta que será feita é esta: foram eles capazes de enfrentar as dificuldades, vencer os desafios e pôr Portugal no rumo do futuro? Não esqueçamos nunca que a resposta a esta pergunta somos nós que, agora, quotidianamente, a estamos a dar. Não há, por isso, tempo a perder. É a hora!”

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

É a hora. Está nas nossas mãos e apenas nas nossas mãos, e em particular nas de quem detém a maioria absoluta nesta câmara fazer a diferença, ousar operar a mudança, já, hoje. Se o quiserem fazer, poderão contar com o apoio do Partido Ecologista Os Verdes.

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