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08/10/2003
Sobre Demissão de Martins da Cruz
Declaração Política da Deputada Isabel Castro Demissão de Martins da Cruz
Assembleia da República, 8 de Outubro de 2003
 

 

 

 

 

 

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

A semana principia com o último acto do escândalo nacional que abalou o Governo nos últimos dias, a ser pateticamente encenado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, ao anunciar ontem, a meio da tarde, o seu pedido de demissão.

Uma demissão tardia, feita após a revelação pela imprensa no fim de semana de novos dados altamente comprometedores para si, dados que indiciam sistemáticas pressões e tentativas ao longo de meses, para tentar influenciar noutro gabinete ministerial e em seu benefício uma decisão, em termos aliás que contrariam frontalmente a palavra e as explicações, por si dadas, na passada semana, perante esta mesma Câmara.

A demissão de Martins da Cruz que surge só cinco dias após aquela que o Professor Pedro Lynce, Ministro da Ciência e do Ensino Superior tinha apresentado e comunicado ao Parlamento, e que ocorre na sequência da tentativa feita por si para fazer mudar a lei em favor da sua filha, beneficiando-a no acesso a Medicina.

Um recurso inaceitável, de abuso e manipulação de poder para procurar um tratamento que se reconhecia ser excepcional, tentado de forma sinuosa e sistemática para resolver uma situação que se assumia, de antemão, não preenchia nenhum dos dois requisitos legais cumulativamente exigíveis para recurso a esta forma especial de ingresso no ensino superior.

Uma história tanto mais chocante e politicamente insustentável, sabido, como todos sabemos, como é cruel o nosso sistema de acesso ao ensino superior, em particular, a cursos como o de Medicina que, por meras décimas deixam tantos excelentes alunos, à porta das universidades, negando a entrada, os sonhos, as vocações, a formação técnica, a jovens, de que, ainda por cima e por absurdo, o país até carenciado.

Um episódio, que encerrado ou não, e do ponto de vista de "Os Verdes" ainda o não está, faltando apurar o envolvimento do Director Geral do Ensino Superior neste processo e as suas eventuais responsabilidades enquanto alto quadro da Administração Pública, tem para nós uma leitura política clara.

Trata-se de um escândalo que atingiu o 1º Ministro.

O Primeiro Ministro, Durão Barroso, que revelou neste processo dualidade nos critérios que adopta em relação aos seus colaboradores mais directos, os ministros, um Primeiro Ministro que evidenciou indiferença perante um problema melindroso que afecta a credibilidade das instituições e dos que intervém politicamente, que contribuiu para a desconfiança dos portugueses no poder, de que tem uma percepção negativa, e de que este episódio de abuso recorrendo à chamada "cunha", acabou por ser negativo exemplo elucidativo;

Um 1º Ministro, ainda, que demonstrou ser capaz de sobrepor a gestão da sua imagem, ao interesse do país, mantendo-se comodamente na sombra, afastado de um problema no seu governo que lhe competia ter publicamente assumido, explicado e procurado de imediato solucionar.

Senhor Presidente,

E este é, na opinião dos Verdes, o alheamento que não podemos tolerar em relação a uma questão que está colocada na ordem do dia e que pode vir, de modo irreversível, a prejudicar, o interesse de Portugal.

Refiro-me, em concreto, aos passos que tem sido dados nas últimas semanas em relação aos organismos geneticamente modificados, quer no âmbito da Organização Mundial de Comércio, quer na União Europeia.

Passos em relação aos quais o Protocolo de Cartagena subscrito pela União Europeia, entrado em vigor assume a maior importância.

A importância óbvia tendo em conta a determinação nele prevista de que em caso de risco para a diversidade, a importação de OGM, possa ser recusada.

Uma posição de principio que os Estados Unidos, o Canadá e a Argentina, contestam, mas que advém do direito soberano dos povos decidirem do seu próprio destino e fazerem livremente as suas escolhas.

Uma posição de principio que merece na opinião dos Verdes ser reflectida e colocada na agenda política, também entre nós.

Uma reflexão que entendemos é prioritária no momento em que a Europa já decidiu, como "Os Verdes" aliás defendiam a existência de um processo de rastreabilidade e de etiquetagem nos produtos comercializados. Uma reflexão que urge sabido que a UE equaciona o levantamento da moratória, mas em que se torna essencial discutir a questão da coexistência entre os OGM e a possibilidade de manutenção da agricultura convencional e biológica.

Uma coexistência que é uma questão fulcral, sabido como se sabe que estão, de modo irreversível, em jogo riscos ambientais, a manutenção da biodiversidade, perigos para a saúde humana, questões éticas suscitas pela manipulação de património genético para além, como é obvio do direito fundamental de opção dos consumidores, da garantia que tem liberdade para escolher a sua própria alimentação.

Questões múltiplas de entre as quais a vontade dos consumidores assume especial relevância.

Consumidores cuja posição na Europa é muito clara e que de acordo com estudos realizados à escala europeia, evidencia que 71% dos cidadãos dos diferentes Estados Europeus da União rejeitam totalmente a introdução de organismos geneticamente modificados na agricultura e nos mercados.

Uma recusa frontal que não se conflitua naturalmente com a investigação cientifica e os progressos tecnológicos, a qual em meios confinados e ao serviço do bem estar humano deve prosseguir, mas que em nada se confunde, nem pode deixar de ser equacionada e incorporada, no debate europeu e nacional, nas decisões que irão ser tomadas.

Decisões que de modo irreversível nos podem deixar reféns de opções que poderão afectar as gerações vindouras, e nos colocam face à multiplicidade de incertezas, e a história recentes dos sucessivos riscos ambientais e de saúde, desde a BSE, às dioxinas e amianto, perante a necessidade de dar prioridade ao principio da precaução, que a nossa história recente demonstra não pode ser ignorado.

Decisões que inevitavelmente nos colocam tb. perante a interrogação sobre a quem afinal, se não às próprias multinacionais do sector agro alimentar, serve a introdução dos OGM ao nível da agricultura e a sua introdução na nossa alimentação.

Senhor Presidente, Sras. e Srs Deputados

Importa pois que o governo português se abra ao debate, que os cidadãos sejam envolvidos e chamados como parceiros desta discussão e que a Assembleia da República acolha o debate que os Verdes hoje vos propõem, sobre os OGM, uma questão civilizacional que interfere com o nosso futuro e que não pode ser ignorada.

Disse.

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