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27/11/2002
Sobre Discriminação de Direitos por Motivos Baseados na Deficiência
Intervenção da Deputada Isabel Castro Sobre o Projecto-Lei 160/IX "Proíbe as descriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde"
Assembleia da República 27 de Novembro de 2002
 

 

 

 

 

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

A igualdade dos cidadãos é um direito fundamental.

Direito que, de modo inequívoco, a nossa Constituição consagra, quando reconhece a todos a mesma igualdade e dignidade social perante a lei.

Um direito e uma igualdade, porém, que continuam, longe de ser respeitados, persistindo, no nosso quotidiano, factos e comportamentos graves em relação a muitos cidadãos, que traduzem violações do direito e discriminações intoleráveis.

Discriminações e desigualdades que incidem, de forma particularmente gritante, sobre os cidadãos com deficiência, e se estendem nalguns domínios às pessoas com risco agravado de saúde.

Discriminações no mercado do emprego, na escola e na organização do seu espaço, no acesso a bens e serviços públicos, nos transportes, nos obstáculos à mobilidade, na configuração dos espaços, na falta de garantia do direito à habitação, na recusa de celebração de seguros, nos comportamentos estigmatizantes.

Atitudes discriminatórias, que de modo directo, mas sobretudo indirecto, mesmo nos gestos mais simples são reveladoras de uma sociedade que vive de costas viradas para os direitos de outros, particularmente os mais vulneráveis, segregando-os e obrigando-os a um esforço titânico mesmo para realizar as funções mais elementares com que se deparam no quotidiano.

Factos que representam um atentado aos direitos humanos, responsabilizam toda a sociedade e impõem o dever de procurar respostas para lhes pôr termo.

Respostas que passam por uma diferente atitude cultural, mas não dispensam, antes exigem, como prioridade política, a adopção de medidas legislativas adequadas que favoreçam a plenitude de direitos destes cidadãos.

Um dever de protecção em relação a estes cidadãos incapacitados, quer se trate de pessoas deficientes quer de pessoas com risco agravado de saúde, que o próprio texto constitucional assume de forma específica em relação aos cidadãos deficientes, no seu artigo 71.º como garantia da plenitude dos seus direitos e condição de cidadania.

Protecção essa que naturalmente se reflecte abundantemente na legislação ordinária com o mesmo objectivo, nomeadamente também, através de medidas de discriminação positiva. Medidas múltiplas no domínio dos programas relativos à reabilitação, ao acompanhamento familiar, à supressão de barreiras urbanísticas e arquitectónicas, às quotas no emprego na Administração Pública, entre outras.

Medidas, que na óptica da prevenção da discriminação e da igualdade de oportunidades, se têm revelado, no entanto, insuficientes, e que como se compreende é importante densificar na perspectiva dos direitos humanos nas suas múltiplas vertentes.

A necessidade que corresponde às orientações de várias instâncias internacionais que, através de Pareceres, de Recomendações e de Resoluções múltiplas - dando bem conta da importância da questão - tem sistematicamente abordado o problema da discriminação nos planos social, económico e cultural.

A Assembleia Geral das Nações Unidas (2 de Agosto de 2001), o Tratado de Amesterdão, o Conselho da Europa, o Parlamento Europeu, a Directiva nº. 2000/78/CE, e do Conselho que determinou 2003 para Ano Europeu das Pessoas com Deficiência e tem em marcha uma programa global comunitário. Uma preocupação ainda constante na Declaração de Compromisso de Luta contra a Sida, aprovada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidades, de 2 de Agosto de 2001.

É neste sentido que se entende a presente iniciativa do Grupo Parlamentar dos Verdes e as medidas nela contidas.

Medidas que se pretende sejam capazes de prevenir, de contrariar eficazmente e de penalizar a discriminação que, directa ou indirectamente, condiciona, limita ou nega a plenitude de direitos humanos e a igualdade de oportunidades que a estes cidadãos deve ser garantida.

Um projecto que corresponde e se faz eco das reivindicações da Associação Portuguesa de Deficientes, cujas propostas, há cerca de um ano apresentadas (e entretanto prejudicadas pela situação política), pela sua justeza, no essencial, acolhemos.

Uma iniciativa, um projecto de lei anti-discriminação, que coincide, não obstante alterações pontuais, com o modelo que vigora (Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto) e proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, aliás na tradição legislativa anglo-saxónica, visível nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Irlanda.

Um projecto, ainda, que se insere na lógica do conjunto de orientações anti-discriminatórias da União Europeia, nas quais se destaca a Directiva 2000/78/CE que estabelece um quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, bem como um programa de acção comunitário de combate à discriminação.

Projecto dos Verdes que começa por definir o objecto, designadamente a prevenção e a proibição destas práticas discriminatórias, com base na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão da deficiência ou da existência de risco agravado de saúde.

Projecto em segundo lugar que define o conceito de discriminação, também aqui ao contrário dos outros em discussão, optando-se por definir a discriminação, quer directa e indirecta. Uma escolha que resulta do facto de embora sendo a última a mais comum, a indirecta, ser igualmente a mais difícil de provar, tornando-se por isso vantajoso definir a sua noção.

Projecto, em terceiro lugar, que elenca práticas discriminatórias, à semelhança aliás do que é feito nos outros projectos, nomeadamente:

Na oferta de emprego, na cessação de contrato de trabalho ou na recusa de contratação;

No conteúdo das mensagens de publicidade;

Na recusa ou no condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, assim como na recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros e que negam o direito à habitação;

Na recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, bem como a privação de apoios ou meios específicos de que eventualmente careçam;

Na constituição de turmas ou na adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, cujas queixas aliás são vulgares.

Propõe-se ainda no projecto dos Verdes a inversão do ónus da prova em todos estes casos de discriminação. Uma opção que pretende conferir maior eficácia em caso de presumível discriminação, tendo presente o facto de na generalidade das situações discriminatórias se lidar com discriminações indirectas e, permitir a experiência perceber que é nesses casos concretos que se torna mais difícil a apresentação de provas.

 

Sublinha-se a propósito que esta é a orientação constante da Directiva nº. 97/80/CE relativa precisamente ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo e que por analogia considerámos a mais adequada.

 

Projecto que, após a proposta de inversão do ónus da prova (art. 6º.), define o regime sancionatório.

Um projecto, por fim, que no universo dos seus destinatários, de forma inovadora, procura dar igualmente resposta a outro problema de discriminação e de desigualdade de oportunidades e totalmente diferenciador em relação aos demais aqui em discussão, para tal se alargando o seu objecto e o universo de destinatários.

Trata-se, com efeito, de responder à discriminação de que são vítimas pessoas que não sendo deficientes, se encontram numa situação similar de particular incapacidade e vulnerabilidade.

Pessoas consideradas numa situação de risco agravado de saúde (como, o são por exemplo, os cidadãos com insuficiência renal, os diabéticos, os seropositivos, todos aqueles com doenças potencialmente incapacitantes) e que, precisamente por esse facto, são discriminadas e também elas impedidas ou limitadas no exercício de direitos, liberdades e garantias. Pessoas discriminadas, por exemplo na escola, e condicionadas, quando não mesmo impossibilitadas de acesso a bens fundamentais, como é o direito de ter uma casa, por dificuldades na celebração de contratos de seguro de vida e desse modo de acesso ao crédito.

Por último, nessa mesma perspectiva propõe-se a criação de uma Comissão, que deverá envolver os representantes dos cidadãos destinatários deste projecto, e a quem competirá recomendar a adopção de medidas legislativas, regulamentares e administrativas para prevenir a discriminação.

Esta é uma proposta que entendemos ser consensualizada e dever nessa óptica, com a responsabilidade que temos para com aqueles que se nos dirigiram, ser tratada.

Em nome da igualdade dos direitos humanos que nos cumpre fazer respeitar.


Ver tambêm:

Projecto de Lei Nº. 160/IX Projecto de Lei- Proíbe as discriminaçãoes no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde

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