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16/10/2006
sobre factores estruturantes do desenvolvimento e questões sociais
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia sobre factores estruturantes do desenvolvimento, questões sociais e solidariedade com o Protesto Geral
Assembleia da República, 12 de Outubro de 2006



 

 

 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,

O Governo está a comprometer o presente e o futuro, adiando a prossecução de objectivos determinantes para o desenvolvimento do país.

Ontem, mesmo, na reunião com o Sr. Ministro das Finanças com vista a auscultar os diferentes partidos com representação parlamentar sobre o próximo Orçamento de Estado, “Os Verdes” transmitiram ao Governo a sua insistência em relação a dois objectivos estruturantes constantemente comprometidos pela recusa de os governos os assumirem como verdadeiros objectivos estratégicos.

Um deles prende-se com a nossa preocupante dependência energética do exterior (na ordem dos 90%) e fundamentalmente do petróleo (na ordem dos 60%). Os sucessivos aumentos do preço do petróleo ferem as nossas contas públicas e particulares e o défice serve de razão bastante para o Governo determinar que não estamos em condições para tomar medidas, designadamente de ordem fiscal, para generalizar a nossa libertação do petróleo. Essa redução da dependência irá até onde o investimento privado estiver disposto a ir e a ganhar, mas o Estado promover uma verdadeira política de incentivo e generalização à utilização de equipamentos que usem energia renovável é algo que o Governo não se prepara para alterar, designadamente autonomizando deduções ao IRS que hoje estão no papel, mas que na realidade não são praticáveis por serem cumuláveis com os despesas de habitação, ou reduzindo a taxa aplicável do IVA a bens que já deveriam hoje ser considerados como de verdadeira necessidade nacional. Aguardará o Governo por um estrangulamento energético que lhe permita daqui a uns tempos apelar ao recurso do nuclear, como fez com a inércia permanente em torno de medidas internas para inverter a tendência de aumento de emissões de gases com efeito de estufa, para depois se refugiar pura e simplesmente na compra de licenças de emissões de gases com efeito de estufa, em claro prejuízo do desenvolvimento do país?

Um outro objectivo estratégico, prende-se com o problema estrutural do país, com clara tendência para se agravar, o das desigualdades territoriais. A ontem anunciada descida do investimento público vai certamente continuar a fomentar a falta de coesão territorial e a criar dificuldades acrescidas nas regiões e localidades mais deprimidas e que vêem população a desaparecer continuamente e consequentemente a perder potencial de desenvolvimento, num país onde o critério populacional só serve para encerrar serviços, mas não serve para reforçá-los onde a sua super-lotação é evidente e preocupante.
Dizia ontem o Sr. Ministro das Finanças que quer o objectivo de traçar um rumo integrado para uma menor dependência energética, quer o objectivo de combate ás assimetrias regionais são muito meritórios, reconhecendo que a sua prossecução traria claros benefícios para o país no futuro e comportariam um retorno de investimento muito importante, mas imediatamente a seguir daria a resposta que constará no próximo Orçamento de Estado: que os objectivos traçados para cumprimento do défice não nos permitem criar soluções estratégicas e eficazes na prossecução desses objectivos.

E é nessa mesma lógica, que o Governo não se fere com as desigualdades sociais que se vincam mais e mais neste país, porque, dizem, precisamos dos poucos ricos que existem, dos poucos que conseguem acumular fortunas chorudas, e o que o governo não diz mas sabe é que esses ricos precisam dos pobres e do empobrecimento da dita classe média, para converterem mais riqueza para si próprios.

É por isso que o Governo, tomando o seu partido, não lhes aplica esforço acrescido e pede sacrifício para endireitar o país àqueles que, vivendo apenas do esforço do seu trabalho, vão sendo penalizados dia após dia, porque o Governo fez uma opção dos destinatários daqueles que vão pagar a factura da incompetência e das consequências das políticas dos Governos que se alternam, mas que se têm conjugado maravilhosamente nos objectivos centrais.

Taxas de juro a subir, uma corda na garganta para quem pediu empréstimos à banca, a banca a engordar, bom para quem tem poupanças. Mas o que sobra para poupar para quem está no desemprego, ou para quem tendo emprego vê o seu salário a ser alvo de um decréscimo real ano após ano, depois de pagar o aumento da prestação da dívida ao banco, depois de pagar os transportes que no espaço de um ano aumentaram o custo para o utente em mais de 10%, depois de pagar os bens de primeira necessidade e outros necessários que o aumento do IVA tornou mais insuportáveis, depois de pagar os encargos com a saúde que ninguém desejaria ter, mas que ainda assim o Governo assume que deve ser penalizado com o agravamento das taxas moderadoras e a sua generalização a outros serviços de saúde hoje gratuitos, ou depois de pagar tantas mais coisas até chegar a novos endividamentos para ter acesso a direitos tão básicos, como o direito á educação – sim, porque estamos num país onde muitas famílias se endividam para pagar o estudo dos filhos, para garantir um suposto futuro de sucesso para os filhos, que ficarão marcados pelo emprego precário, só por serem jovens, como manda o Código do Trabalho criado pelo Governo PSD/PP e que o Governo PS, passado este tempo, ainda não alterou.

E é nesta lógica que o Governo apresenta uma proposta de reforma da segurança social que, libertando as entidades empregadoras do seu papel solidário para a consolidação do sistema e mantendo o seu contributo não em função da riqueza gerada, mas em função do número de trabalhadores e da dimensão dos salários que pagam, o que faz é sustentar a sua proposta no aumento da idade da reforma, penalizando o aumento da esperança de vida, e caminhar no sentido da redução progressiva das reformas, com penalização mais evidente para as mais novas gerações.

Para sustentar todas estas medidas e muitas outras que temos vindo a debater desde que o PS está no Governo, e que bem encaixariam num Governo PSD, o Governo adopta também uma estratégia muito preocupante que é a descredibilização de diversos sectores, desde os professores, e funcionários públicos em geral, até outros níveis de poderes públicos como as autarquias locais, como bem se verificou no debate aqui travado sobre a proposta de alteração á lei eleitoral para as autarquias ou na proposta do Governo sobre as finanças locais, ontem aqui debatida.

Será também relevante referir que o programa do Governo e designadamente o programa eleitoral do PS, que sustentou as suas candidaturas nas últimas legislativas, não continham muitas das medidas que o Governo optou por tomar, e não pormenorizava outras tantas em relação aos contornos preocupantes que elas hoje apresentam.

A denúncia desta situação para despertar consciências (tantas vezes contra a informação publicitária que o Governo vai passando usando os instrumentos que detém ou que o poder económico a quem presta serviço detém), e simultaneamente para transmitir ao Governo um sinal claro de contestação generalizada a esta política que degrada as condições de vida da generalidade dos portugueses e que compromete o presente e o futuro, é profundamente relevante. Por isso, “Os Verdes” saúdam e solidarizam-se com todos aqueles que hoje se manifestam por uma mudança de políticas, corporizando o Protesto Geral apelando para alternativas que não promovam o estrangulamento da nossa sociedade.

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