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16/06/2005 |
Sobre Falecimento de Álvaro Cunhal |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre Falecimento de Álvaro Cunhal
Assembleia da República, 16 de Junho de 2005
Sr Presidente, Sr Ministro, Srs Deputados,
Ontem à tarde, ao som da Internacional e da Portuguesa, com notórias emoções envoltas em grandes convicções, milhares e milhares de pessoas prestaram uma grandiosa homenagem a Álvaro Cunhal, coberto com a bandeira do Partido Comunista Português a que se dedicou plenamente durante a sua vida. Só um homem amado e respeitado encaixa neste cenário.
Álvaro Cunhal é inegavelmente uma referência na luta contra o fascismo, pela liberdade, pela democracia e pelo combate às injustiças sociais.
Mas não é uma referência qualquer, porque só um homem profundamente humano poderia ter dedicado a sua vida, por inteiro, a um projecto de transformação social, no sentido da dignificação dos homens e mulheres e contra a exploração.
Só um homem profundamente inteligente poderia ser o resistente que Álvaro Cunhal foi, que o levou à clandestinidade e a ser vítima de tantos anos de prisão e de atrozes formas de tortura, sem que a palavra “desistir” integrasse o dicionário da sua vida.
Álvaro Cunhal granjeou uma admiração enorme, como se tem visto, entre comunistas e entre não comunistas. Uma figura ímpar do século XX, sem dúvida. Mas não será justo afirmar que este homem ficou no século XX, desde logo porque enquanto houver explorados e oprimidos (flagelo que sempre combateu), enquanto o sistema privilegiar uns e negar a outros o que de mais básico requer a vida humana, não pode desistir-se de um projecto de transformação social que imponha justiça – por isso os não conformados com o sistema são imprescindíveis e actuais, por isso a luta a que este homem se dedicou continua inegavelmente válida. Para além disso, quem olha para uma tese apresentada em 1940 destinada a um exame do 5º ano jurídico da faculdade de direito de Lisboa sobre o aborto – causas e soluções, da autoria de Álvaro Cunhal, percebe que este homem, cedo, muito cedo, soube interpretar uma realidade e apontar-lhe soluções, que 65 anos depois o poder instalado, esse sim, continua a adiar, insistindo em prolongar e perpetuar problemas do século XX para o século XXI.
Conheci pessoalmente Álvaro Cunhal apenas no quadro da coligação Verdes/PCP, em iniciativas da CDU. Se tivesse que realçar das coisas que mais me habituei a admirar nele, porque era constante, seleccionaria a forma como valorizava o colectivo, como um todo, e como tinha a capacidade de valorizar cada um no trabalho colectivo, e sempre encontrei nele um profundo respeito pelas diferenças. Respeitava-nos a nós não comunistas, mas porque tinha um profundo apego ao seu projecto também exigia o mesmo respeito pelo colectivo que o corporizava – a isto acho que se chama integridade e é básico para a cooperação.
A melhor forma de continuar a homenagear Álvaro Cunhal é, como ele dizia, continuar a ter “confiança no futuro, na humanidade e no seu país”.
Á família de Álvaro Cunhal, designadamente à sua filha, à sua companheira, à sua irmã, e a todos os militantes do Partido Comunista Português, o Partido Ecologista “Os Verdes” manifesta as suas mais sentidas condolências.