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15/09/2006
sobre medidas anti-ambientais ocorridas no país no período de Verão
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia sobre medidas anti-ambientais ocorridas no país no período de Verão
Assembleia da República, 15 de Setembro de 2006
 

 
 
 
 
 
 
 
 
Sr Presidente, Srs Deputados,

Neste período de suspensão das sessões plenárias, na passagem da primeira para a segunda sessão legislativa, a que hoje damos início, passaram-se diversas ocorrências profundamente esclarecedoras da visão e acção atentatórias de direitos ambientais que o Governo PS já deu muitas mostras de empreender e que importa aqui assinalar e denunciar.

Poderíamos falar do aumento significativo de episódios de incêndios florestais em áreas protegidas e da eterna escassez de meios de vigilância e acção em áreas que estão sob a gestão do Instituto da Conservação da Natureza, apesar de tudo o que é repetidamente anunciado de ano para ano. Poderíamos falar da actualização do Plano Nacional para as Alterações Climáticas, publicada no final de Agosto, que continua erradamente a secundarizar medidas internas necessárias para inverter o incumprimento das metas assumidas para emissão de gases com efeito de estufa. Poderíamos, ainda, falar da aprovação em Conselho de Ministros, no final de Agosto, dos procedimentos de agilização de licenciamento de empreendimentos turísticos, que por via da dispensa de licenciamento expresso pode originar a fragilização de normas de segurança, bem como de zonas de risco ou ambientalmente sensíveis.

E de tantas decisões tornadas públicas no período dito de férias, onde talvez o Governo contasse com a possibilidade de tudo poder passar mais despercebido, encontra-se aquela, tomada no início de Agosto, em que o Ministério do Ambiente decidiu dispensar de avaliação de impacte ambiental o processo de co-incineração de resíduos industriais perigosos. Foi uma decisão sustentada numa profunda arrogância de quem considera que uma maioria absoluta se encontra acima da lei e que se pode dar ao luxo de utilizar pressupostos falsos para iludir a sua total falta de razão.

Com efeito, o Ministério do Ambiente sustenta esta dispensa no pressuposto de que já foi feita uma avaliação de impacte ambiental. Só não disse que essa avaliação de impacte ambiental foi feita há oito anos atrás e que a lei determina, por razões óbvias, que quando o projecto não avança no prazo de dois anos, essa avaliação caduca. Portanto, o Ministério do Ambiente determina que não vai haver avaliação de impacte ambiental do co-incineração, porque existe uma que caducou há seis anos, e, mais, que por acaso está totalmente fora do contexto actual, nem que seja por não ter tido em conta o estudo epidemiológico feito em Souselas ou por não ter tido em conta os CIRVER que todos, menos o Governo, querem ver a funcionar e a dar bons resultados práticos no tratamento de resíduos industriais perigosos.

Para além disso, há que registar que o Governo decidiu que um dos locais a co-incinerar resíduos perigosos era a Arrábida. Ocorre que não existe nenhum estudo de impacte ambiental, mesmo esse de há oito anos atrás, nem nenhum parecer de comissão de avaliação que determine que a Arrábida é localização preferível para levar a cabo a co-incineração.

Como se tudo isto não fosse já demasiada afronta, o Governo veio autorizar a co-incineração de óleos usados e solventes, aqueles resíduos que o Sr Ministro garantia que teriam um tratamento adequado que passaria pela regeneração. Dizia o Sr Ministro em Maio, num debate de urgência aqui promovido pelos Verdes: “O Governo entende que se devem fazer todos os possíveis para regenerar os óleos e está a dar passos nesse sentido”. O Governo não falou verdade, os passos só se dirigiram para as cimenteiras e confirma-se já o que “Os Verdes” sempre disseram: A partir do momento em que se avançar com a co-incineração, há resíduos susceptíveis de outras formas de tratamento que vão ser, errada e lamentavelmente, queimados, para rentabilizar o negócio das cimenteiras.

Srs Deputados, há uma absoluta necessidade de o Parlamento confrontar o Sr Ministro do Ambiente com esta preocupante decisão. “Os Verdes” propuseram que a matéria fosse discutida na passada Comissão Permanente. O PS considerou que era matéria a tratar em Comissão Especializada. “Os Verdes” apresentaram uma proposta de vinda do Sr Ministro à 7ª Comissão, esperamos agora que o PS a aprove para rapidamente a Assembleia da República exercer as suas competências de fiscalização da acção do Governo.

Pode ser que nessa altura ouçamos deputados do PS a reproduzir afirmações de eleitos do PS na Assembleia Municipal de Coimbra que, apesar de tudo, reconheceram aquilo que é do mais elementar bom senso: que o Governo cometeu um erro ao prescindir de um novo processo de avaliação de impacte ambiental em relação à co-incineração e que não pode passar pela cabeça de ninguém iniciar a co-incineração antes de os CIRVER estarem a funcionar. Ao próprio PS começa a ser intolerável esta arrogância do Governo.

Mas, também agora, no início de Setembro, Srs Deputados, o país conheceu finalmente o regime de criação de Zonas Livres de Transgénicos. E assim que se conheceu o seu conteúdo automaticamente se percebeu como ele constitui afinal o regime de inviabilização de Zonas Livres.

A importância que o Governo atribui às Zonas Livres depressa foi perceptível, não era minimamente prioritária: desde que o Governo permitiu o cultivo de OGM em Portugal, com o levantamento da moratória europeia e com a recusa de adoptar uma a nível nacional, decorreu um ano até à publicação do diploma da coexistência. Só depois de mais um ano é publicada a portaria das Zonas Livres, ou seja depois de dois anos da possibilidade de cultivo de milho transgénico no país.

E é o mesmo Governo que faz do Simplex uma bandeira de governação, que cria dos processos mais burocráticos e mais complexos para a criação de Zonas Livres, justamente porque assume como objectivo que elas não existam ou que a existir sejam o mínimo possível.

Os municípios afinal não decidem nada, apenas podem iniciar o processo de requerer à DRA a declaração de zona livre, mas para isso têm que ter parecer positivo das estruturas de agricultores da área do município, as quais por sua vez têm que prestar a informação a todos os associados, sendo que o pedido requer aprovação de 2/3 da assembleia municipal – votação que não é requerida para nenhuma deliberação nem para aprovação dos mais estratégicos e importantes documentos municipais.

Se a iniciativa de requerer à DRA a classificação de zona livre for dos agricultores, têm dos processos mais complicados pela frente, exigido por um Governo que nem o cadastro da propriedade florestal consegue empreender, e exige-se-lhes uma área contígua de zona livre no mínimo de 3000ha, o que torna o processo completamente inviável em boa parte do país.

Para além de tudo o mais, as áreas protegidas, ao contrário das expectativas que tinham sido criadas, não são automaticamente declaradas zonas livres, nem tão pouco se permite à sua comissão directiva iniciar um procedimento de declaração de zona livre.

Também no próximo dia 3, em que o Sr Ministro da Agricultura estará presente na 6ª Comissão, “Os Verdes” questionarão o Governo sobre este ridículo regime que permite que um único agricultor contra todos os outros possa inviabilizar uma zona livre de transgénicos. É afinal esta a democracia que o PS tem revelado.

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