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21/09/2006
Sobre Mobilidade
DECLARAÇÃO POLÍTICA SOBRE MOBILIDADE
Deputado Francisco Madeira Lopes
Assembleia da República, 21 de Setembro de 2006

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Encontra-se a decorrer desde segunda-feira, em várias localidades do nosso país, a Semana Europeia da Mobilidade que terminará amanhã, na data em que se assinala, pelo 6º ano consecutivo, o Dia Europeu Sem Carros, também em Portugal que desde a primeira edição em 2000, aliás como os restantes parceiros comunitários, se associou a esta iniciativa apadrinhada pela então Comissária para o Ambiente Margot Wallstrom.

Os objectivos a atingir, por um lado, sensibilizar as pessoas a optarem cada vez mais pelos transportes públicos colectivos ou outros meios de transporte alternativos ao automóvel particular e não poluentes, como forma de melhorar o ambiente e qualidade de vida urbanos, proporcionando experiências novas em termos de mobilidade e por outro lado implementar ainda que a título meramente experimental, pequenas alterações no trânsito, condicionando o acesso do automóvel a certas zonas e fechando ruas e praças dedicadas apenas à circulação pedonal, de bicicletas ou outros modos suaves de mobilidade como os patins ou os skates, são em geral positivos e aproveitamos para saudar todas as iniciativas que ao longo desta semana e do dia de amanhã tiveram ou terão lugar.

Os Verdes acreditam que é fundamental promover acções de sensibilização e educação ambiental, que é fundamental continuar a alertar para a necessidade premente de alterar comportamentos, de mudar atitudes a fim de procurar inverter o preocupante rumo que Portugal tomou ao longo dos últimos anos, e em particular ao longo da última década, durante a qual o transporte colectivo simplesmente deixou de ser o meio de transporte mais utilizado para ceder esse lugar de honra ao automóvel particular que é:
-responsável por 95% do total de emissões gasosas no sector dos transportes que é o principal responsável pelo actual incumprimento em que o nosso país se encontra neste momento face a Quioto;
- contribui para a preocupante dependência energética externa em que nos encontramos, com pesados reflexos económicos e sociais, nomeadamente no aumento do custo e baixa da qualidade de vida dos portugueses;
- apresenta uma pesada factura ambiental à escala global e em termos saúde pública com o agravar de muitas doenças designadamente do foro respiratório, cardiovascular, ou oncológico.

De acordo com os dado do EUROSTAT, divulgados esta semana, Portugal continua em ritmo acelerado a aumentar o número de automóveis particulares em circulação agravando ainda mais o actual cenário em que quase 600 mil automóveis entram todos os dias em Lisboa e Porto, cerca de 80% dos quais transportando apenas 1 pessoa. Se em 2001 Portugal já ocupava o 4º lugar no ranking da união europeia dos países com mais carros por mil habitantes, os dados agora conhecidos indicam-nos que conseguimos fazer ainda pior e somos neste momento, a dados de 2004, já o terceiro país com mais automóveis particulares, só atrás do Luxemburgo e da Itália, tendo-se registado um aumento entre 1990 e 2004 de 135%, aumento esse naturalmente acompanhado igualmente do aumento de 28,5% nas emissões de gases com efeito estufa.

Ao mesmo tempo, e confirmando esta tendência, os números de passageiros a utilizar os transportes colectivos vai decrescendo. Se a CP por um lado afirma ter ganho 2 milhões de passageiros este ano em relação ao mesmo período do ano passado, principalmente, ou praticamente tudo à custa de ganhos nas deslocações urbanas ou suburbanas, em contrapartida o Metro, a Carris e a Transtejo viram fugir das suas linhas cerca de 80 milhões de passageiros desde 2001!

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Não temos dúvidas que esta Semana Europeia da Mobilidade, mais do que para implementar pequenas medidas simbólicas experimentais, muitas das quais são depois deste período, infelizmente, abandonadas e não conhecem qualquer desenvolvimento, mais do que para fechar algumas ruas ao trânsito e promover sensibilização, deveria servir para se fazer uma profunda reflexão em relação à actual situação e ao que, afinal, continua a correr mal a este nível no nosso país.

Porque … não seria, naturalmente, de esperar que em resposta a campanhas como aquela que se encontra neste momento a decorrer e outras promovidas por múltiplas entidades, existisse um aumento de consciencialização e preocupação por parte dos cidadãos que ajudasse a promover de facto a mudança? Mas então o que é que está mal? Se de facto tudo indica, e acreditamos que assim seja, que haja uma cada vez maior consciência ambiental pela parte dum cada vez maior número de pessoas, porque é que esta tendência continua a agravar-se?

Certamente que a este fenómeno, complexo e de múltiplas causas, não são estranhas as políticas que têm sido prosseguidas pelos sucessivos Governos que têm conduzido ao desinvestimento nos transportes colectivos, ao encerramento de linhas, horários, estações e paragens (como ainda recentemente aconteceu em relação à remodelação feita na Carris), aumentos escandalosos de preços, privatização de serviços, dos solavancos e da instabilidade e permanentes ameaças ao passe social, de apatia face ao agravar de problemas de mobilidade, designadamente no interior do país, ou instabilidades nas transportadoras agravadas pelo conflitos laborais originados pela retirada de direitos e acentuadas perdas salariais dos trabalhadores por via da revisão ou da eminente cessação dos acordos de empresa, como está a acontecer e tem motivado justos protestos e a luta por parte dos trabalhadores do Metro ou da Sociedade de transportes Colectivos do Porto.

Infelizmente, como ficou claro pelas declarações do Sr. Ministro das obras Públicas e da Sra. Secretária de Estado dos Transportes durante a Interpelação sobre política de transportes e mobilidade feita pel’ Os Verdes ao governo neste parlamento em Julho passado, para além de inexistir uma estratégia clara virada para resolver os verdadeiros problemas de mobilidade dos portugueses, a intenção é continuar a encerrar tudo o que sejam linhas férreas que não sejam economicamente viáveis, ou que não dêem lucro, como se essa cega equação matemática, que não tem sequer em conta os custos da desertificação e despovoamento do interior do país, os custos dos desequilíbrios regionais, do agravamento das desigualdades, da sobrecarga populacional e edificacional no litoral e na macrocefalia das grandes cidades cada vez mais desumanizadas, permitisse compreender as necessidades das populações, as necessidades de um correcto e harmonioso ordenamento do território.

Mas esse argumento usado pelo governo para justificar o encerramento de linhas e assim privar localidades, freguesias ou concelhos inteiros do modo de transporte ferroviário, que nalguns casos é o único que ainda as vai servindo e cujo fim condenará essas populações ao mais completo isolamento, que é o da sua insustentabilidade financeira, já é completamente esquecido quando se fala do TGV. Neste plano, já todos os excessos, são permitidos e se justificam para levar a cabo este “grande desígnio nacional”, mesmo que haja enormes dúvidas relativamente à sua rentabilidade económico-financeira como o próprio Coordenador da União Europeia Etiene Davignon reconheceu recentemente, ou mesmo que não haja espaço no Programa das Fundos Comunitários das redes Transeuropeias levando ao desvio de outros fundos estruturais para esse projecto.

Os Verdes insistem que é fundamental dar resposta às existentes deficiências e múltiplas insuficiências de mobilidade que constituem a negação dum fundamental direito, o direito à mobilidade que garante por sua vez o acesso a tantos outros direitos como o direito à saúde, à educação, à justiça, etc.

Sabemos que só em 28 de Outubro é que ficaremos a conhecer as Orientações Estratégicas para o Sector Ferroviário do Governo bem como a sua posição relativamente ao Programa Líder 2010 que aponta para a continuidade do encerramento de linhas de caminhos de ferro (aumentando os mais de 300 Km de linhas encerradas desde 1991) ameaçando agora as linhas do Tua, do Corgo ou do Tâmega e que tememos o Governo também já tenha assinado a sua sentença de morte.

Por isso, Os Verdes vão assinalar amanhã o Dia Europeu Sem Carros, na defesa do direito à mobilidade para todos os portugueses, promovendo a defesa do caminho de ferro no interior do nosso país, designadamente em Trás-Os-Montes, lembrando os senhores de Lisboa que ali também é Portugal, ali também vivem portugueses como o Sr. António Monteiro Moura, que em nome das gentes de Mirandela que não querem ver desaparecer o comboio da sua terra, e do qual o Partido Ecologista Os Verdes com a devida vénia, gostaria de ser porta voz lendo alguns versos dirigidos ao nosso Governo:

Excelentíssimos, Governantes,
Pedimos para pensar antes,
Desta via encerrar;
Que nós pobres transmontanos,
Também somos vossos manos,
Com direito a viajar.

Comboios de Lisboa ao Porto,
Já têm todo conforto,
Restaurante e televisão;
O transmontano saloio,
Só lhe interessa ter comboio,
Mesmo que vá no vagão.

Aqui fica o pedido,
Do transmontano esquecido,
Terra de boa gentinha;
Mesmo com fins lucrativos,
Não pedimos donativos,
Mas não encerrem a linha.

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