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05/02/2004
Sobre Nuclear
Declaração Política da Deputada Isabel Castro Sobre Nuclear
Assembleia da República, 5 de Fevereiro de 2004

 

 

 

 
 
 
 
 
 
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

O nuclear representa um risco permanente para a segurança, o equilíbrio ambiental, a saúde, o bem estar, o próprio desenvolvimento.

Ainda, uma potencial ameaça global e permanente para a humanidade, que a todos impõe a responsabilidade de agir para prevenir as pesadas consequências que do seu uso podem resultar, ao pôr em causa o equilíbrio ecológico planetário e a segurança. E daí, portanto, a paz e a solidariedade devida para com as gerações futuras.

Portugal rejeitou - como se sabe - há muito e bem, a opção nuclear, numa lúcida compreensão dos inúmeros perigos que o recurso a tal energia poderia comportar para o nosso país.

Uma opção que, de forma inequívoca, tem sido ao longo dos anos sucessivamente validada e objecto de múltiplas tomadas de posição deste Parlamento, a última das quais, recordo-vos, em Maio de 2003, posições que reflectem, todas elas, o consenso que em torno desta questão está gerado na sociedade portuguesa, a forte consciência nacional sobre os tremendos riscos do recurso ao nuclear e o empenhamento colectivo de Portugal em intervir em favor do seu gradual abandono.

É pois

Senhor Presidente,

Sras e Srs Deputados,

Neste contexto e no momento em que o nuclear está de volta, que os Verdes entendem fazer esta declaração política.

Uma declaração feita no momento em que, com algum secretismo embora, afinal próprio a tudo o que envolve este dossier, se estão a desenvolver e a acelerar em Espanha os planos de incremento do seu programa nuclear, e que entendemos recolocar esta questão na ordem do dia.

Um programa que, depois de um certo silenciamento, dir-se-ia a rondar o esquecimento, volta lentamente a emergir e para cuja evolução futura entendemos ser vantajoso estar preparados, porquanto se trata de escolhas e decisões de outros, que embora legítimas, nos podem vir perigosamente a prejudicar.

Uma questão respeitante a um país vizinho, cujo debate consideramos porém, pela sua natureza, ser do interesse nacional, cabendo-nos enquanto parlamentares, e em nome daqueles que nos elegeram, a responsabilidade de estar atentos, de alertar o Governo, para que também ele possa, com o apoio inequívoco da Assembleia da República, exigir em nome do Estado Português e ,no quadro das relações bilaterais entre os dois países, informação e transparência em torno desses planos e o conhecimento do seu conteúdo, na perspectiva da salvaguarda do interesse nacional que, manifestamente, pode ser posto em causa.

Uma tomada de posição cuja necessidade é para os Verdes evidente, sabido, como sabemos, que a poluição radioactiva não conhece fronteiras.

Uma tomada de posição justificada, porquanto se tratam de projectos que pelo seu conteúdo e previsível evolução nos podem seriamente vir a prejudicar e a condicionar e, cujo conhecimento atempado daí, tem de ser próximo, não podendo Portugal correr o risco de se alhear ou distanciar.

Uma tomada de posição da maior oportunidade política que advém da própria localização geográfica do nosso país e de um conjunto de factores de potencial perigo que não podemos ignorar.

Factores todos eles de elevado risco que resultam, desde logo, da existência de duas gigantescas unidades de enriquecimento de urânio, em Saellices del Chico situadas nas margens do rio Águeda, junto à fronteira portuguesa e próximas do distrito da Guarda;

Factores que implicam seríssimos perigos, decorrentes ainda da manutenção em funcionamento de várias centrais nucleares junto a rios internacionais, das quais três só no rio Tejo e uma no rio Douro, algumas das quais já obsoletas, bem como de reactores de primeira geração em Garoña (Burgos) e Zorita (Guadalajara), cujas sistemáticas falhas e recentes avarias são sinais demasiado inquietantes para nos poder tranquilizar.

Uma especial atenção que se requer ainda, conhecido desde 1991 o facto de estar previsto no "Terceiro Plano Geral de Resíduos Radioactivos Espanhol”, elaborado e aprovado pela ENRESA, a necessidade de Espanha proceder à escolha de um sítio para armazenamento de resíduos radioactivos de alta actividade e de terem sido identificadas, para esse efeito, várias formações geológicas de granito.

Mais, sabendo-se, como se sabe, que de entre essas seis regiões seleccionadas para instalação do chamado laboratório (AGP) para armazenamento definitivo de resíduos radioactivos de alta actividade ou, dito de outro modo, para o cemitério de resíduos nucleares das centrais de Espanha e de outros países da UE eventualmente, terem sido escolhidas as regiões que cobrem as bacias dos rios Ebro (um afluente do Tejo) e do rio Douro.

É pois neste quadro concreto, Sr. Deputados, que esperamos que a preocupação que aqui trouxemos seja, de forma equilibrada, partilhada por todas as bancadas.

Uma preocupação cujo sentido é, no entendimento dos Verdes, tanto maior quanto não se conhece que reactores, como o Almaraz ou o de Zorita (Guadalajara), próximos do Tejo e de Portugal, estão de novo a funcionar, após os graves problemas de segurança identificados, no passado mês, no seu sistema de descarga de combustível que levaram ao seu encerramento temporário;

Um alerta cuja oportunidade nos parece evidente, porquanto se conhece a intenção recentemente manifestada pelas autoridades espanholas de prolongar, ao contrário do previsto, a vida útil de centrais de primeira geração, cujo estado de degradação e obsoleta tecnologia já deveriam ter aconselhado, por fundadas razões, o seu encerramento.

Um alerta lançado sobretudo em função da precipitação das decisões que a este nível estão a ser tomadas pelo Estado vizinho, no tocante ao seu programa nuclear. Decisões essas que se prendem com a saturação das suas centrais nucleares e com a falta de capacidade de armazenamento já verificada, para colocar os resíduos nucleares os quais, para além do Armazenamento Temporal Central posto transitoriamente em prática, requerem a antecipação do calendário previsto para a escolha, agora a fazer até 2008, do local com características geológicas para armazenar definitivamente os resíduos radioactivos, precisamente de maior perigosidade e cujos nocivos danos, perduram durante gerações.

Uma escolha que, como todos estamos recordados, tem, pelo menos desde 1987, remetido de modo mais ou menos discreto, ciclicamente para a bacia do rio Douro, designadamente em Aldeadavila, uma hipótese afinal tão antiga quanto contestada.

Uma decisão que em todo o caso pode estar eminente na ordem do dia e que vai ser tomada. Um facto incontornável a que não é estranho o debate que está a ser lançado e que vai, por exemplo, já na próxima semana, por iniciativa da ENRESA, a empresa estatal com responsabilidades no nuclear, juntar na Universidade de Salamanca, técnicos do departamento de geologia precisamente para abordar este explosivo tema.

Senhor Presidente,

Sras. e Srs. Deputados,

Estas são, em síntese, os factos nos quais radicam as preocupações que aqui trouxemos, face a uma questão, a do nuclear, cujos potenciais, graves e irreversíveis, danos para a nossa segurança, é minha convicção, ninguém ousa pôr em dúvida mas que é forçoso acautelar.

Uma atitude preventiva, no quadro das relações bilaterais entre os dois Estados, que decidimos traduzir num projecto de resolução que hoje mesmo entregámos na mesa da Assembleia da Republica e para o qual esperamos vivamente poder contar, como até aqui neste domínio, com o apoio de todos as bancadas.

Uma posição comum, em nossa opinião indispensável, face a um problema que pode afectar o interesse nacional, no plano ambiental, social e económico e não se compadece, pois, com silêncios, nem atrasos irresponsáveis.

Antes implica transparência, informação, atenção permanente, a avaliação e controlo constante da poluição transfronteiriça, mais ainda neste preciso momento, o empenhamento activo de todos os partidos, para que Portugal não se transforme numa lixeira nuclear.

O direito que nos assiste em nome de uma opção que recusámos, o nuclear, cuja perigosa herança não nos cabe suportar.

O direito que se impõe em nome da vida, da paz, do desenvolvimento justo e equilibrado, do país de que não podemos, nem queremos, em caso algum, abdicar.

Disse!

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