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22/03/2007
sobre o Dia Mundial da Água
Declaração Política do Deputado Francisco Madeira Lopes sobre o Dia Mundial da Água
Assembleia da República, 22 de Março de 2007
 
 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,

No dia de hoje, dia Mundial da Água, os números e as estatísticas vêm-nos lembrar a todos dos problemas e dificuldades que boa parte da humanidade já sofre pela escassez do precioso líquido.

A ONU, lembra nos seus documentos oficiais que existe uma relação necessária entre a escassez de água e o subdesenvolvimento, a pobreza, a fome e a doença, que afectam boa parte da humanidade e pode vir a afectar cada vez mais pessoas num futuro não muito longínquo, não só em virtude das alterações climáticas e dos impactos que estas apresentam no regime hídrico a nível mundial, mas por causas que se prendem desde logo com os próprios modelos de desenvolvimento que são assumidos pelos países e seus Governos.

Um terço da humanidade encontra já hoje problemas no seu quotidiano de abastecimento de água e um quinto enfrenta mesmo uma luta permanente, pela própria vida, sua e do seu agregado familiar, que os levam nalguns casos a deslocações diárias de várias dezenas de quilómetros, até ao poço mais próximo, às vezes para descobrir, só quando lá chega que aquele secou e vai ter que se dirigir ao seguinte mais uns quilómetros adiante, só para obter a quantidade que lhes permitirá sobreviver mais um dia, alguns litros de água, às vezes a mesma quantidade que qualquer um de nós, num país dito desenvolvido, despeja duma só vez numa descarga de autoclismo.

Estes problemas, este quotidiano de alguns milhões de seres humanos, de cidadãos deste planeta, está muito longe do nosso olhar, do nosso conhecimento e felizmente longe da nossa experiência, o que não quer dizer que no nosso país não enfrentemos igualmente, à nossa escala, problemas graves no acesso a um dos mais importantes e fundamentais bens para humanidade, a água sem a qual a vida não aconteceria.

Em Portugal, cerca de 600 mil pessoas ainda não têm garantia de acesso à água com qualidade, 44% dos nossos recursos hídricos de superfície, de acordo com dados do INAG referentes a 2005, estão em má ou muito má qualidade, com perda de vida selvagem e de biodiversidade, negando qualidade de vida e o direito ao desenvolvimento às populações ribeirinhas, apresentando ainda apor cima uma tendência para piorar, situação a que não é certamente alheia a insuficiente cobertura ou respostas específicas de tratamento de águas residuais e efluentes industriais e domésticos, com ETAR’s a laborar sem licenças de descargas, muitas delas em mau estado de conservação ou realizando apenas tratamento primário.

Alguns dos nomes mais vezes ouvidos, eternas vítimas da inconsciência e da falta de actuação das autoridades, entre os Rios mais massacrados, alguns há várias décadas, pela poluição encontram-se o Tâmega, o Odre, o Ferreira, o Inha, o Zêzere, o Rio Tinto, o Vouzela, o Mondego, o Ave, o Tinhela, o Leça, o Ceira, o Rio Grande da Pipa, o Trancão, Rio Maior, o Liz e a Ribeira dos Milagres, o Alviela, entre tantos outros.

São a imagem da vergonha que persiste em perseguir um país em que se continua a tomar decisões erradas de construção, betonização e impermeabilização de solos que constituem importantes zonas húmidas de regularização do regime hídrico e de recargas de aquíferos, em que continua a existir uma deficiente monitorização da água para consumo humano, em que as perdas de água entre a captação e a utilização e o consumo atinge a média nacional estimada de 35%, num país não trata de forma adequada mais de 50% das suas águas residuais e que é, por esse facto, continuamente chamado à pedra pelas instâncias europeias pelo não cumprimento da legislação comunitária, como soubemos já hoje: Portugal vai sentar-se no banco dos Réus do Tribunal de Justiça das Comunidades por subsistirem 29 zonas urbanas onde ainda não estão operacionais os sistemas de colectores ou de tratamento necessários, como são os casos da ETAR’s da Alcântara, em Matosinhos, Aveiro, Póvoa do Varzim e Vila do Conde.

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

A água, nunca é demais lembrar, constitui um bem precioso e fundamental à vida. O Ouro azul, causa de discórdias e de possíveis conflitos armados futuros à escala regional, é um bem escasso. Renovável, mas escasso. Apesar do planeta azul se encontrar coberto, na sua maior parte por água, a verdade é que, de todo esse universo hídrico, principalmente constituído pelas grandes massas de água salgada dos mares e oceanos, não chega a 1% a que está ao alcance do homem em condições viáveis para satisfazer as nossas necessidades de consumo, e dos outros seres vivos e ecossistemas dos quais todos dependemos.

E é dessa fatia infinitamente ínfima e preciosa que todos dependemos, não só para beber, como para produzir alimentos, através da agricultura e da pecuária, para a indústria, comércio, turismo, etc., etc. Não há grão de actividade humana que não dependa da água.

Daí a profunda necessidade do homem de salvaguardar a água reconhecendo nela um bem insubstituível e simultaneamente um direito fundamental, inalienável da humanidade, um direito acessório e inextrincavelmente indissociável do próprio direito à vida e à dignidade da pessoa humana, valores supremos do nosso Ordenamento Jurídico.

A situação de seca extrema que Portugal atravessou em 2005, e que as previsões apontam para a probabilidade de se tornar uma situação recorrente e cada vez mais frequente, vieram igualmente lembrar que gerir a água de forma ambientalmente sustentável, acautelando o futuro, garantindo o seu uso eficiente e racionalizado mas igualmente sustentável do ponto de vista social, assegurando a sua repartição de forma justa e equilibrada, é porventura um dos maiores desafios que se coloca à humanidade, como temos dito, e uma das mais indeclináveis tarefas do poder político, nos seus mais diversos níveis.

É que a água e os recursos hídricos, pela sua escassez e pela sua preciosidade, são bens extremamente apetecíveis para os grandes senhores do dinheiro, que em tudo põem um preço, que de tudo querem fazer um negócio e uma oportunidade de lucro, não conhecendo limites o seu apetite voraz e sem escrúpulos, e só compreende a lógica de chegar primeiro que a concorrência, vender ao mais alto preço e com o mais baixo custo, para obter o máximo rendimento.

Face a esta situação, de escassez mundial e nacionalmente reconhecida como uma ameaça e uma grande preocupação, seria fundamental que se agisse no sentido, por um lado, de melhorar os actuais sistemas de abastecimento e de tratamento de águas residuais, e os serviços prestados às populações, combatendo as fugas e os desperdícios, salvaguardando a qualidade dos recursos de superfície e os lençóis subterrâneos, e por outro lado no sentido de tomar medidas que respondessem à necessidade de tornar os consumos e utilizações mais eficientes e racionais e simultaneamente acessíveis a preços justos e socialmente adequados.

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