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24/09/2003
Sobre o Dia Sem Carros
Declaração Política da Deputada Heloísa Apolónia sobre o Dia Sem Carros
Assembleia da República, 24 de Setembro de 2003

 

 

 

 

 

Sr Presidente, Srs Deputados,

De acordo com inquéritos realizados à escala europeia, também a maioria dos cidadãos portugueses entende o dia europeu sem carros, assinalado na passada 2ª feira, bem como a semana europeia da mobilidade, decorrida de 16 a 22 do mês corrente, como algo positivo, considerando até que deveriam acontecer com mais regularidade.

“Os Verdes” consideram que o empenho dos responsáveis políticos é determinante para o sucesso das iniciativas a promover nestas datas simbólicas. Por isso, afirmamos que o dia sem carros e a semana da mobilidade só farão plenamente sentido se contribuírem para a adopção de medidas concretas por forma a garantir uma maior mobilidade nos espaços urbanos e a estimular a utilização diária do transporte colectivo, com vista à diminuição da intensidade do uso do automóvel individual nas diferentes cidades.

O dia sem carros, instituído em 2000, já conseguiu ser um dia de teste, pondo a nu e permitindo tornar clara a premência de algumas medidas necessárias. O problema é quando algumas medidas são tomadas apenas para assinalar um dia simbólico e são esquecidas até ao ano seguinte.

Por exemplo, nestes 4 anos, houve cidades no país onde no dia sem carros se garantiram mais transportes públicos no acesso e dentro dos espaços urbanos. A iniciativa partia de uma constatação óbvia – a insuficiência de transportes colectivos. Mas desde então foram tomadas medidas no sentido de reforçar a quantidade de transportes colectivos? Não. Muito pelo contrário, nalgumas zonas ao redor de Lisboa, por exemplo, foram eliminadas algumas carreiras e alguns horários porque numa lógica de lucro, e não de serviço público, algumas empresas de transportes reavaliaram o serviço de transporte que efectuavam.

Outro exemplo – Algumas cidades determinaram transportes públicos gratuitos no dia sem carros. É o reconhecimento que o preço dos títulos de transporte influem no aliciamento dos cidadãos para o uso do transporte público. Porém se atendermos à evolução dos preços dos títulos de transporte, verificamos que o seu aumento tem sido bastante significativo. Isto para já não falarmos da quantidade de títulos ou de passes que os utentes têm que adquirir para poder utilizar diversos transportes de diferentes empresas, com custos muito significativos, ou tomando como exemplo o que aconteceu na linha ferroviária do norte, da engenharia horária que se encontrou para reduzir o número de combóios acessíveis aos utentes com passe social.

O dia sem carros, ao longo destes 4 anos já nos permitiu também perceber algo que era uma constatação óbvia - que ao longo dos anos o ordenamento do território, nomeadamente na sua componente urbanística e de instalação de serviços e de empresas, tem sido caótico nas coroas dos espaços urbanos, dificultando muito o acesso diário de uma multidão de pessoas às cidades.

E numa lógica de opção de cada pessoa em relação ao transporte diário que utiliza, como é possível procurar aliciar à utilização do transporte colectivo quando o tempo dispendido em viagens nos transportes públicos é muitas vezes idêntico ou superior às viagens em automóvel particular, mesmo com as longas filas de trânsito?

O sector dos transportes requer respostas estruturais e foi por isso com preocupação que vimos que o Sr Ministro que tutela esta área, agora o Ministro Carmona Rodrigues, não apresentou até hoje uma única resposta ao país justamente sobre acções estruturais que visem o fomento do transporte colectivo.

E enquanto continuarmos a ouvir Ministros com responsabilidade nesta área, como o Sr Ministro Amílcar Theias, reduzir a utilidade do dia sem carros à sensibilização dos cidadãos para a utilização do transporte colectivo, esquecendo-se que os primeiros a estar estimulados e sensibilizados deveriam ser os governantes no sentido da adopção de políticas estruturais de fomento dos transportes colectivos, verificaremos que esta falta de perspectiva tenderá a levar, cada vez mais, a que estas datas sejam assinaladas, mas com pouca utilidade prática e até com algum demérito.

O Sr Ministro do Ambiente sabe que Portugal tem sido o país da União Europeia que mais tem aumentado as suas emissões poluentes no sector dos transportes. Sabe que o sector dos transportes é responsável por mais de 30% das emissões de gases com efeito de estufa e, portanto, que é um sector prioritário de intervenção. O Sr Ministro tem conhecimento que temos metas a atingir no âmbito do protocolo de Quioto e que o seu não cumprimento pode sair muito caro ao país e aos portugueses. Porém a inércia tem sido total – o programa nacional de combate às alterações climáticas continua por sair e o incumprimento do plano já existente é uma realidade já aflitiva.

Mas para além disto, o dia sem carros já permitiu, nestes anos, constatar que a redução do trânsito automóvel nas cidades influi de facto na qualidade do ar que respiramos. E qual foi a resposta que ouvimos há umas semanas o Sr Ministro Amílcar Theias anunciar? Que o próximo orçamento de estado nos vai ofertar com uma redução substancial de verbas na área do ambiente e que muitos programas serão adiados, tendo, de entre eles, sublinhado justamente o adiamento da rede de monitorização da qualidade do ar.

Estas atitudes políticas de procurar esconder o óbvio para não agir, de inércia total perante problemas que nos afectam diariamente, que têm reflexos na nossa saúde e na nossa qualidade de vida são verdadeiramente inaceitáveis.

Já agora referir que um dos objectivos da semana da mobilidade instituída em Abril de 2002 é a garantia de padrões de mobilidade mais sustentáveis. Ora, restringir a mobilidade ao transporte é redutor – estes acontecimentos pressupõem também repensar e concretizar a facilidade de mobilidade para pessoas deficientes, crianças e idosos.

Curiosamente no ano em que se assinala o ano europeu das pessoas com deficiência, o Governo não atribuiu uma única palavra e muito menos anunciou a concretização de medidas destinadas a pessoas com mobilidade reduzida, sendo que a eliminação progressiva das barreiras arquitectónicas nos espaços urbanos continua adiada por determinação clara deste Governo que entendeu não dar cumprimento ao Decreto Lei 123/97, o qual estabelece um conjunto de normas destinadas a permitir a acessibilidade de pessoas com mobilidade condicionada. Mas esta matéria deixaremos para maior exploração no âmbito do debate que por proposta de “Os Verdes” a Assembleia da República há-de concretizar.

Aqui fica um recado para um Ministro com sérias responsabilidades na matéria que hoje “Os Verdes” abordaram nesta intervenção: pelo andar da inércia e das teias do Ministério do Ambiente, não era preciso encerrar simbolicamente a rua do Século, porque o Ministério parece estar encerrado para obras, ou melhor para limpezas internas

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