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21/03/2003
Sobre o III Forum Mundial da Água
Intervenção da deputada Heloísa Apolónia sobre o III Forum Mundial da Água
Assembleia da República, 21 de Março de 2003

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

Sr Presidente, Srs Deputados,

Hoje, 21 de Março, dia com uma carga simbólica muito grande, gostaria de referir que a primavera começou muito negra este ano – marcada por uma guerra perfeitamente evitável e só justificada pela insanidade e pela loucura daqueles que pretendem o domínio do mundo (e dos seus seguidores incondicionais).

Hoje as guerras têm o petróleo na sua origem... no futuro os conflitos mundiais residirão na água... na falta de água!

Sr Presidente
Srs Deputados

O III Fórum Mundial da Água terminará neste fim de semana, tendo tido início em Quioto em 16 de Março. Nele têm sido reafirmados alguns compromissos assumidos e têm-se apontado alguns caminhos... o problema é estar tudo tão viciado à partida.

Os números são absolutamente desconcertantes e a eles corresponde uma realidade dramática:

mais de 1,2 biliões de pessoas não têm acesso a água potável, número que se prevê aumentar para 2,7 biliões em 2025;

mais de 5 milhões de pessoas morrem anualmente por doenças relacionadas com a água, sendo que mais de 2 milhões são crianças.

Perante este cenário, assumiu-se o compromisso internacional, no II Fórum Mundial da Água em 2000, e na cimeira de Joanesburgo em 2002, de reduzir para metade a população que não tem acesso a água potável e a saneamento básico até 2015.

A questão que se coloca agora é como alcançar esses objectivos. E é evidente que o sistema de financiamento é um tópico fulcral nesta discussão.

É justamente neste ponto que se evidencia tanta hipocrisia e tanto desumanismo por esse mundo fora. Dizem os Estados mais ricos que não têm capacidade de financiamento, deixando as suas ajudas ao desenvolvimento muito aquém dos valores assumidos. Mas é preciso perguntar: quanto se gasta anualmente em material bélico? Quanto custa esta guerra do Iraque? Matam através das operações de guerra, mas matam também pela indiferença que os leva a permitir que milhões de pessoas continuem a morrer por doenças advenientes do uso de água poluída, totalmente imprópria para consumo, e matam pela indiferença em relação àqueles que todos os dias morrem de fome. Se o Sr Bush, e outros que tal, fossem tão prontos a matar a fome como a desenvolver acções belicistas, teríamos o caso já resolvido!

E é neste quadro que se avança para o alastramento da privatização da água, no III Fórum Mundial da Água, promovido pelo Conselho Mundial da Água, que não é uma instância intergovernamental, mas sim uma estrutura com diferentes representações, muito bem recheada de multinacionais do sector, como a Suez/Lyonnaise, com grande capacidade, por isso, de influência nas decisões tomadas.

Aí pergunta-se: a quem deve pertencer a água? Quem deve ser seu proprietário? Quem a deve deter e gerir? Os movimentos ecologistas não têm dúvidas que a água é um elemento vital, imprescindível, suporte de todos os ecossistemas e formas de vida. Por isso a água é património de todos, é um bem colectivo e, como tal, só a gestão pública pode assegurá-la como um direito.

A gestão privada da água implica a apropriação de um património colectivo por algumas multinacionais (necessariamente poucas porque se trata de um monopólio natural). O seu objectivo é o lucro para a empresa, pelo que apostam nos sistemas mais rentáveis (leia-se de maior consumo e esbanjamento) e degradam os sistemas menos rentáveis; beneficiam quem gasta mais e menosprezam quem não pode pagar pela sua condição económica, tomando a maximização do lucro como a razão para o contínuo aumento das tarifas. Bem se vê, então, que a privatização não serve o conceito de água como um direito, tal como não serve o princípio ecologista de poupança de um recurso escasso como é a água.

Sr Presidente
Srs Deputados

Em Portugal confrontamo-nos com uma situação preocupante – é que o Governo embarca completamente na lógica da privatização da água (quer por via das concessões em baixa, quer por via da privatização da Águas de Portugal) . A preparação do caminho está quase completa, e agora o Sr Ministro Isaltino Morais já anunciou que o aumento das tarifas da água é um objectivo a atingir rapidamente – para aliciar mais e a preparar tudo para o monopólio do sector privado.

A questão é de tal modo escandalosa que as empresas até já se dão ao luxo de chantagear o Governo, referindo que ou privatiza rapidamente o sector em Portugal (num quadro onde a grande maioria dos países da União Europeia optaram claramente pela gestão pública) ou então não retirarão a queixa que interpuseram contra o Estado português na Comissão Europeia, acção que nos fez perder cerca de 300 milhões de euros – aqui está um exemplo de como estes privados não tiveram qualquer preocupação com o sector da água em Portugal ou com a forma como as populações são servidas, mas tiveram exclusivamente em conta os objectivos das respectivas empresas (onde a General des Eaux tem um peso significativo).

Sr Presidente
Srs Deputados

Esta é uma questão de grande relevância, com impactos muito significativos na vida das pessoas. Mas uma coisa está mais que demonstrada: este modelo que impera neste mundo serve muito poucos e deixa muitos biliões de seres humanos de fora do sistema. É isso que o III Fórum Mundial da Água afinal acaba por demonstrar, pena é que continue a intensificar esse modelo e não tenha o objectivo de o alterar.

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