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Declarações Políticas
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16/01/2003
Sobre o Litoral português
Declaração política da Deputada Isabel Castro sobre o Litoral português
Assembleia da República, 16 de Janeiro de 2003
 

 
 

 

 
 
 
Senhor Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

O litoral português corre perigo.

E amanhã, a próxima reunião do Conselho de Ministros, poderá revelar-se o dia D, para o seu assalto final.

Assalto a um litoral cujo preocupante ritmo de ocupação, transformação e uso, com construções em zonas de risco, praias e dunas, sem qualquer respeito pelos valores ambientais, paisagísticos e de segurança, o deixaram numa situação caótica e de risco, como sublinhava a reflexão publicada em Maio de 2001, do CNADS.

Uma realidade que o próprio governo anterior reconhecia, num documento do Ministério do Ambiente, ao assinalar a "ausência de uma política integrada para o litoral devidamente concertada e consequente".

Um problema para o qual Os Verdes repetidamente alertaram, na crítica à inexistência de uma estratégia de gestão consistente na orla costeira, à persistência em medidas avulsas que, muitas das vezes, significaram a utilização de dinheiros públicos na defesa de interesses privados e às inevitáveis consequências, cujos desastrosos exemplos, para todos os gostos, por todo o lado à nossa vista saltam. Em Espinho e Paramos, em Esmoriz e Furadouro, na Costa Nova e Sul da Vagueira, nas Azenhas do Mar, em Vale de Lobo, e em tantos outros lugares.

Medidas avulsas, incapacidade na concretização de programas (que se foram sucedendo, no anúncio e no tempo, uns após outros, vide versões várias dos programas Litoral98 Uma estratégia - Um Programa de Acção, sucessor do Programa de Qualificação do Litoral, de 97), falta de vontade política, explorados, quase sempre, com êxito pela ganância imobiliária, com a conivência de diversas entidades, cedência aos grupos de pressão, facilidades consentidas, que outra coisa mais não foram do que a soma de violações, fugas ao "empecilho" da lei, artifícios processuais para dispensa de estudos ou isenção de pareceres, em benefício de interesses instalados ou que se foram instalando, e cada vez mais apropriando, sem obstáculo, do espaço e património público, desde o Guincho, a Monte Gordo. passando pelas Azenhas do Mar.

Uma realidade que nos levou a acusar, sem que aliás alguém nesta câmara ousasse contestar, que o marasmo e o negócio estavam a "dar cabo" do litoral português.

Um facto incontornável feito de um mundo de erros, tecnicamente previsíveis, que no presente, em defesa do futuro, urge contrariar.

Impedindo a sistemática soma a recurso a simplificações processuais, a soluções imediatistas, a pretensas classificações de interesse pública de duvidosa bondade, em favor de projectos, de que é paradigmático exemplo porque tão caricato, a absurda autorização de um campo de golfe, numa duna, em Vale do Lobo, duna essa cuja reposição, ao longo de anos, para defesa de um buraco (o 16) à custa dos contribuintes quase faria dizer para recolar o 16 buraco já o deveria ter permitido nacionalizar...

Erros, alguns sem reparação a que se juntam outros cuja responsabilidade e pesada factura é tempo de começar a quantificar.... nas urbanizações, campos de golfe mal localizados, praga de marinas e portos de recreio, construções em duas primárias em pouco por todo o país.

Uma situação escandalosa feita de soluções simplificadoras que todos conhecemos na sua tradicional rotina, feita de desafectação permanente de solos, de isenção do empecilho de avaliação ambiental, de dispensa de parecer das direcções dos parques ou da sua ultrapassagem, aliás tão ao gosto da generalidade das autarquias, da violação de instrumentos de ordenamento do território, de destruição irracional de matas, de despachos conjuntos em nome do chamado interesse nacional, entre tantas outras malfeitorias...

Região esta, onde o POOC, Plano de Ordenamento da Orla Costeira, do Sotavento Algarvio, Vilamoura-Vila Real de Santo António, durante tanto tempo escandalosamente travado, surge agora.

Plano não para proteger a faixa de 280 metros do litoral, inicialmente prevista, mas que se confina, poucos meses passados, para triunfo da especulação e depois da usual dramatização dos construtores e dos seus arautos, sempre à mão, e dos fundamentalistas do betão, a uma escassa e estreita faixa de 140 metros, pura e simplesmente metade.

A prova que faltava, depois do estranho silêncio de meses, que no essencial o governo da actual maioria de direita, não obstante a hipocrisia das críticas passadas, aposta não no suporte técnico para proteger o litoral, para disciplinar a ocupação da orla costeira e para defender o património nacional e público, mas sim para, em seu desfavor, se adaptar ao figurino imposto pelo interesse especulativo de alguns, de que são exemplo a satisfação escandalosa das pretensões do mega projecto Verde Lago, em Vale de Lobos, nas suas ambiguidades, nas pretensões absurdas em relação a intervenções pesadas na Ilha de Faro, com oito esporões considerados ou no cavalo de Tróia das chamadas unidades operativas de planeamento.

É pois neste contexto, de um litoral ameaçado pela erosão, que os estudos científicos, nomeadamente da Universidade de Faro, comprovam ser em mais de 80% dos casos resultado de erros cometidos pela actividade humana, nomeadamente, devidos a incorrectas extracções de areia e ocupações do litoral com construções indevidas.

Tendo em conta que se continua a assistir, ano após ano, ao avanço impetuoso do mar, em especial na orla costeira do Norte, em resultado da absurda e indiscriminada construção de molhes e de esporões, as perdas de alimentação de areais nas praias e a recuos da linha da costa que chegam a ultrapassar os 10 metros ano.

Tendo em conta a voracidade latente um pouco por todo o lado, muito em especial nas regiões mais apetecíveis, e até agora salvaguardadas, como a do Sudoeste Alentejano e da costa vicentina.

Que o silêncio ontem quebrado pelo MCOTA, que se julgaria já pelo seu comportamento em relação ao "Prestige" e às cheias, se suporia já ter definitivamente passado à clandestinidade, na divulgação de medidas nos termos ontem avançados pelo jornal Público, a ser certa, não deixa de ser alarmante, para o litoral se pode revelar fatal, um potencial perigo e, porventura, o sinal prévio que a maioria de direita PSD/PP se prepara para o seu assalto final.

Pois que outro significado se pode atribuir e que sentido faz a existência de regras especiais para expropriações e servidões administrativas?

Pois que sentido faz e que significado se pode atribuir à autorização de solos da RAN e REN?

Pois que sentido faz e que significado se pode atribuir à autorização para desmatações e desarborizações?

Pois que sentido faz e que significado se pode atribuir ao regime especial para aprovação de planos de urbanização e planos de pormenor?

Pois que sentido faz e que significado se pode atribuir à existência de regras especiais para licenciamento e autorização de operações urbanísticas?

Pois que sentido faz e que significado se pode atribuir ao regime excepcional para aquisição de bens e contratação de serviços e obras por concurso limitado?

Pois que sentido faz e que significado se pode atribuir à existência de regras especiais para o processo de avaliação de impacte ambiental?

Pois que sentido faz e que significado se pode atribuir à extinção das concessões e direitos de uso de domínio público nas áreas de intervenção?

É tempo de, como dizia o Prof. Galopim de Carvalho, pôr fim a "obras de engenharia a que frequentemente se recorre para remediar situações tantas vezes dramáticas a que se tem chamado eufemisticamente de «protecção do litoral», não passam de intervenções localizadas para defesa de bens aí instalados, alguns dos quais por incúria ou simples ignorância."

É tempo de "não continuar a planear o litoral de costas viradas para o que a ciência nos está a oferecer. Não podemos - ou, pelo menos, não devemos - ir atrás de soluções imediatistas ou de interesses tantas vezes duvidosos".

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