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06/04/2006
Sobre o modelo de crescimento, ambiente e saúde
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia sobre modelo de crescimento,ambiente e saúde
Assembleia da República, 6 de Abril de 2006
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Sr. Presidente,Srs. Deputados,

O mundo está sob a ameaça de uma pandemia – a disseminação da gripe das aves, com a probabilidade, segundo se afiança, de mutação do vírus da estirpe mais perigosa, que poderá levar à transmissão do H5N1 entre espécies e designadamente entre humanos. Já se prevê uma brutal mortalidade humana – é uma questão de tempo, asseguram-nos.

O Programa das Nações Unidas para o Ambiente garante a diferença desta eventual pandemia com outras existentes noutras épocas: é que a disseminação desta gripe aviária está hoje muito mais facilitada, provocando a sua maior agressividade, devido aos modelos de crescimento económico que têm paralelamente, e cada vez mais, como efeito enormes agressões ambientais. A redução de habitats naturais de animais selvagens, a destruição de zonas húmidas de habitual nidificação e alimentação de muitas espécies, as práticas agrícolas intensivas, e pouco ou nada sustentáveis, são exemplos de como a acção humana delapidou a natureza e de como, por exemplo, até forçou a proximidade pouco saudável entre aves migratórias e os animais domésticos. Esta questão relaciona-se directamente com a perda de biodiversidade que o poder económico ditou para o planeta e que se tem dado a um ritmo profundamente acelerado.

Podem ser inventadas muitas vacinas, muitos anti-virais, mas enquanto não se assumir que por detrás destes surtos estão razões ecológicas e muitos interesses económicos, nunca nos centraremos nas suas verdadeiras razões e continuar-se-ão a intensificar as suas causas e os problemas delas decorrentes.

É por isso que “Os Verdes”, incansavelmente, continuam a alertar para os efeitos de decisões e de opções que se estão a fazer hoje no mundo e também em Portugal e que podem ter graves implicações ao nível da saúde humana, já para não falar de outros valores naturais que para alguns, que se regem exclusivamente pela lei dos interesses económicos, não passam de paisagem.

Quando falamos, por exemplo, dos riscos da generalização de culturas geneticamente modificadas, ou quando falamos dos riscos da co-incineração, para aqueles que se regem pela observação do curto prazo isto não dirá nada, porque as pessoas ingerem alimentos geneticamente modificados e não caem mortas de imediato, porque as cimenteiras co-incineram resíduos perigosos e as pessoas não ficam imediatamente intoxicadas – é esta lógica do imediato, que se vive hoje, que cega aqueles que não têm interesse em ver mais além. Pois do que se trata, repetem “Os Verdes” incansavelmente, é de efeitos de longo prazo, efeitos que quando surgem, porque estão relacionados com causas cumulativas, e às vezes múltiplas, ao longo de anos e anos não se lhes consegue apontar uma causa directa, o que deixa a culpa morrer solteira. E assim se vão desculpando políticas destrutivas que se encapotam de progresso e de modernidade.

Quando a União Europeia, o paradigma da defesa do ambiente para alguns, permitiu, com o levantamento da moratória dos OGM, que primeiro se contaminasse e só depois procura enquadrar legalmente essa contaminação, o que está a acontecer hoje em Viena na conferência da Comissão Europeia, bem se percebe a influência do poder económico. O princípio da impossibilidade de criar obstáculos à livre circulação de bens vale mais para esta União Europeia do que a defesa do ambiente e da saúde – o que servir para minimizar prejuízos ambientais sem beliscar o poder económico, aliás criando-lhe até novas oportunidades de negócio (como o comércio de emissões de gases com efeito de estufa), tem o aval da União Europeia. No que for incompatível, primeiro estão os interesses económicos.

E quando o Governo definiu as regras de coexistência entre culturas transgénicas e convencionais e biológicas, sabendo que aquelas regras não são minimamente seguras, deixando por regulamentar, até hoje, as zonas livres de transgénicos e o fundo de compensação para agricultores com culturas contaminadas, o Governo o que fez foi dar um passo para criar riscos consideráveis sobre o ambiente e sobre a saúde humana.

O Governo ignorou um estudo britânico recente que concluiu que as culturas transgénicas têm efeitos negativos sobre a biodiversidade, ignorou estudos que denunciam a incúria de multinacionais como a Syngenta e a Monsanto no controlo dos organismos geneticamente modificados. Provavelmente o Governo vai também fechar os olhos a um estudo da Greenpeace, divulgado há dois dias, que assegura, depois de uma investigação pormenorizada, incluindo testes laboratoriais de amostras recolhidas nos campos de milho de quarenta produtores biológicos e convencionais de Aragão e da Catalunha, que as culturas transgénicas em Espanha contaminaram claramente culturas convencionais e biológicas, apesar do Governo espanhol, fiel porta voz das empresas de engenharia genética, à semelhança do que agora faz o português, ter dado todas as garantias que isso nunca aconteceria. É nisto que já deu no país vizinho o cultivo de transgénicos em larga escala e Portugal segue-lhe os passos.

E quando “Os Verdes” alertam para os efeitos da co-incineração sobre a saúde, para além de outras questões, também é de longo prazo que falamos – temos o caso do estudo epidemiológico em Souselas que é preocupante em relação ao maior índice de certas patologias entre aquela população e ninguém quer apontar causas directas para essa situação – mas o mais inacreditável é que para o Governo esse estudo ainda consegue ser um argumento para a introdução na cimenteira de Souselas da queima de resíduos industriais perigosos, que o Governo gostava de designar de resíduos especiais, para camuflar a perigosidade, e que “Os Verdes”, para que a terminologia ganhasse mais precisão, gostariam de designar de resíduos tóxicos.

Um relatório sobre o inventário de fontes de dioxinas nos Estados Unidos da América considerou que as cimenteiras que co-incineravam resíduos perigosos emitiam mais dioxinas e furanos (isto significa para além do mais, maior risco de cancro) do que as que não co-incineravam esses resíduos. Em França estudos epidemiológicos detectaram teores de dioxinas no leite materno superiores, em zonas se risco de incineradoras activas.

Mas tudo isto o Governo português ignorou, convidou um conjunto de amigos cientistas que argumentaram dos benefícios da co-incineração, para actualizarem os estudos realizados há seis anos atrás, actualização essa que não faz referência aos riscos da co-incineração sobre a saúde. Porque é que o Governo português não terá sentido necessidade de actualizar os estudos do Grupo Médico, de há seis anos, para aferir dos riscos da co-incineração? Pois essa foi justamente uma das motivações que levaram “Os Verdes” a apresentar aqui no Parlamento um projecto de lei para que se proceda à realização desse estudo, tendo em conta experiências noutros países, projecto de lei que esperamos, que por consenso entre todos os Grupos Parlamentares, se possa agendar com a maior brevidade.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

Importa insistir, até à exaustão se for preciso, no alerta para os efeitos de diversas opções políticas, sustentadas, de forma camuflada ou não, em meros interesses económicos. Alertar, no fundo, para a forma como os interesses económicos e a ânsia do lucro têm implicações tão gravosas como pôr em risco a saúde ou até a sobrevivência da humanidade, com riscos de pandemias incontroláveis. Alertar para a agressividade do modelo de crescimento, que já deu provas de que é um modelo que está a esgotar o planeta e a intensificar problemas sociais e ambientais.

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