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03/04/2003
Sobre o Parque Natural da Arrábida
Intervenção da Deputada Deputada Heloísa Apolónia sobre o Parque Natural da Arrábida
Assembleia da República, 3 de Abril de 2003

 

 

 

  

Sr Presidente, Srs Deputados,

A discussão pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida tem dado muito que falar – há muitos interesses em causa e por isso o desafio de compatibilização de necessidades é muito grande.

Era a resposta a esse desafio que “Os Verdes” pensavam que estava a ser trabalhada durante os quase 9 anos de atraso deste plano de ordenamento, de entre os quase 27 anos de classificação daquela área protegida.

Entretanto, o processo de discussão pública surgiu logo com um défice de clareza, que prejudicou a transparência formal do processo. Ainda nem sequer estava aprovada em Conselho de Ministros, e portanto muito menos publicada, a nova delimitação do Parque Natural da Arrábida e já estava em consulta pública um Plano de Ordenamento contendo os hipotéticos novos limites da área protegida. São questões formais que devem ser observadas para que não haja sujeição a ameaças de impugnações perfeitamente escusadas.

O conteúdo do Plano de Ordenamento, por seu turno, tem também sido bastante polémico e há questões que necessitam, de facto, de ser esclarecidas.

Foi no meio de todo este processo que Srs Deputados do PSD, eleitos pelo círculo eleitoral de Setúbal, vieram defender a criação de um novo grupo de trabalho para reelaborar o plano de ordenamento, alargando em simultâneo o período de discussão pública.

Mas isso, Sr Presidente e Srs Deputados, não vem resolver nada. O que era fundamental, nesta fase de discussão pública, era perceber as diferentes sensibilidades em relação ao ordenamento do Parque Natural da Arrábida, e que se fosse, desde já, percebendo em que áreas é que o ICN está sensível à mudança e onde não está. Como importante é perceber afinal, por parte das várias tutelas, qual é a sua vontade de adoptar medidas de conciliação de necessidades e de medidas minimizadoras dos impactes previstos no plano de ordenamento em discussão. Se isto não for feito voltamos a repetir um processo que só terá como consequência protelar os problemas no tempo e não a sua resolução concreta. Voltar-se-á a repetir um processo que constituirá sempre uma incógnita no seu resultado final.

Exemplifico com uma das questões mais polémicas: a pesca em Sesimbra. Não tenhamos dúvidas que o Parque Marinho Luís Saldanha encerra em si recursos naturais que importa preservar. Mas não tenhamos dúvidas também que há várias famílias em Sesimbra que dependem da pesca e que a sua subsistência está em causa com a interdição de pesca prevista no plano de ordenamento. Mas fazer uma discussão em torno desta necessidade de compatibilização de interesses, sem que o plano de ordenamento apresente resultados de um estudos sobre os impactes económicos e sociais decorrentes do estatuto de preservação do parque marinho, ou de um estudo que avalie os impactes ambientais, sociais e económicos decorrentes da degradação dos recursos naturais desse parque marinho, é descredibilizar as medidas propostas. Para além de que não é possível proceder de forma séria a esta discussão sem que o Ministério que tutela as pescas apresente se está ou não disposto a viabilizar medidas de incentivos à requalificação das embarcações desses pescadores, que lhes permita a pesca em segurança para além de certos limites do parque marinho, ou até mecanismos de compensação aos pescadores.

No fundo, o que está em causa é perceber se se está a proceder a uma verdadeira discussão pública ou a mais uma formalidade a ser cumprida porque a lei a isso obriga, mas para esquecer por parte do Governo!

Mas, para além disto, “Os Verdes” têm sérias preocupações em relação ao documento que está em discussão pública, das quais gostaria de realçar uma em particular, que me parece extremamente grave.

O regulamento do plano de ordenamento, interditando com alguma clareza, em nossa opinião, a co-incineração no Parque Natural da Arrábida, não vá alguém lembrar-se de retomar essa proposta absurda, abre contudo completamente a porta à possibilidade de instalação de aterros, até para resíduos perigosos, em pleno Parque Natural da Arrábida, aproveitando as grandes crateras abertas pelas indústrias extractivas, possibilitando o seu enchimento com os materiais endógenos rejeitados do núcleo de pedreiras e também com materiais de outras proveniências, cumprida que seja a legislação sobre a deposição de resíduos em aterro e avaliação de impacte ambiental.

Isto é muito grave, Sr Presidente e Srs Deputados, porque estamos a falar novamente de resíduos perigosos em plena área protegida e, ainda por cima, de uma zona calcária caracterizada pela sua forte permeabilidade.

Na perspectiva dos Verdes há que acautelar, desde já, a interdição de quaisquer formas de tratamento, eliminação ou deposição de resíduos, especialmente perigosos, na área do Parque Natural da Arrábida, porque de outra forma vamos andar sempre a procurar travar decisões de sucessivos Governos, ora para queima, ora para deposição de resíduos, que procuram soluções fáceis, mas totalmente incompatíveis com um estatuto de preservação de uma área que definitivamente se quer protegida.

O Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida tinha por obrigação fazer o levantamento dos grandes problemas do parque e dar-lhes resposta, coisa que não faz: da indústria extractiva não se percebe quando se prevê que findem os licenciamentos já atribuídos e como se praticará e quando o plano de reconversão das áreas degradadas; em relação às habitações clandestinas não se percebe qual o pano de demolição programado, nem tão pouco se torna explicita a contenção de segundas habitações na área do Parque; em relação à caça permite-se a criação de novas zonas de caça em áreas de protecção complementar que correspondem a uma área vastíssima do parque. Isto só para dar alguns exemplos.

Por último gostaria de referir que a fiscalização é uma matéria fundamental em termos do estatuto de protecção desta área protegida. Se a fiscalização falhar, não há ordenamento que se salve. Ora, numa área protegida onde os meios de fiscalização têm sido por demais insuficientes, com um Orçamento de Estado onde o Governo diminuiu significativamente as verbas adstritas a esta área protegida, era fundamental que o plano de ordenamento definisse os meios mínimos, nomeadamente humanos, necessários à promoção de uma fiscalização eficaz por parte do Parque Natural da Arrábida.

Sr Presidente
Srs Deputados

“Os Verdes” como muitas outras pessoas, associações e entidades deram o seu parecer escrito nesta consulta pública, resta perceber o que é que o Governo está ou não disposto a aceitar. E no âmbito de uma discussão tão polémica isso deveria já ter sido tornado claro, sendo que o objectivo deveria ser garantir um efectivo estatuto de preservação de uma área protegida, onde as pessoas e os valores naturais únicos contam inequivocamente.

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