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11/05/2005
sobre o PJL 43/X dos Verdes - Moratória sobre OGM
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre o PJL 43/X dos Verdes - Moratória sobre OGM
Assembleia da República, 11 de Maio de 2005

 

 

 

 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,

“Os Verdes” entenderam usar o seu agendamento potestativo para que a Assembleia da República possa dar hoje um passo demonstrativo de grande responsabilidade e sensatez discutindo e aprovando o Projecto de Lei nº 43/X deste Grupo Parlamentar relativo à suspensão de culturas transgénicas com fins comerciais em território nacional.

Como sabem, os Srs. Deputados, “Os Verdes” têm tomado a matéria dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) como uma prioridade de intervenção política, na medida em que estamos confrontados com decisões e medidas que nos devem causar uma profunda preocupação, que estão rodeadas de incertezas e consequentemente da possibilidade de gerarem enormes riscos no que concerne à saúde, à segurança alimentar, ao ambiente, à preservação da biodiversidade, à sustentabilidade da agricultura e à viabilidade económica das opções dos agricultores.

Para nos situarmos em relação ao problema que está colocado, importa referir alguns aspectos:

A Comissão Europeia instituiu uma moratória relativa aos OGM na sequência de sucessivos escândalos alimentares ocorridos e em face de um vazio legislativo concernente à presença de OGM na alimentação, na agricultura e no ambiente.

Bem se vê que esta moratória não servia os interesses dos EUA (produtor de OGM) ou das multinacionais do sector agro-alimentar que queriam ganhar novos mercados para o seu negócio dos transgénicos. Porém, esta moratória servia os interesses dos agricultores convencionais e biológicos da União Europeia e servia os consumidores dos diferentes países da União que, segundo um Eurobarómetro de Março de 2003, afirmaram, em grande maioria, não querer consumir produtos alimentares contendo OGM e, cerca de 70% afirmaram mesmo não querê-los ainda que fossem mais baratos.

Ora, como a União Europeia se pauta pelo modelo predominante onde os valores de mercado se sobrepõem a tudo o resto, a Comissão levantou a moratória, cedendo aos interesses dos EUA e das multinacionais, tendo entretanto dado alguns passos legislativos, por forte pressão da opinião pública e de diversos movimentos, mas não tendo, porém, salvaguardado devidamente os direitos dos agricultores e dos consumidores.

A Comissão Europeia garantia que estava tudo sobre controlo uma vez que já tinha aprovado regulamentos que determinavam a rastreabilidade e a rotulagem dos produtos para que os agricultores e os consumidores pudessem decidir o que querem produzir e o que querem consumir, respectivamente.

Porém, outros interesses falaram mais alto. Por exemplo, em relação à rotulagem importa contestar que se do ponto de vista científico e laboratorial é possível detectar a presença de OGM num determinado produto até 0,1%, porque é que o regulamento europeu permite um grau de contaminação acidental de 0,9% sem que tenha que ser rotulado? I.e. se a presença de OGM for abaixo deste valor o consumidor não tem o direito de saber de nada. Ou porque é que os produtos alimentares consumidos em cantinas e restaurantes não vão ter qualquer informação sobre a presença de transgénicos? Ou porque é que subprodutos como o leite, a carne ou os ovos, provenientes de animais alimentados com rações transgénicas, estão isentos de conter essa informação ao consumidor?

A Comissão Europeia omitiu também que os mecanismos de rastreabilidade não são fiáveis, e isso já foi mais que demonstrado, por exemplo quando a Syngenta vendeu, durante 4 anos, milho BT10 (não autorizado) aos EUA, como se de milho BT11 se tratasse, até que um produtor de sementes deu por isso e comunicou à empresa. Durante esse tempo os EUA produziram milho BT10 e venderam uma parte dele à União Europeia, que o recebeu sem detectar nada. Ou seja, a própria multinacional não consegue controlar o que vende e os Estados não têm mecanismos de controlo eficazes para detectar os diferentes tipos de transgénicos. Entretanto, em Abril deste ano a Comissão Europeia confirmou que esta comercialização acidental (como lhe chamou o Comissário do Ambiente) de milho BT 10 poderia ter efeitos negativos para a saúde humana e animal ou sobre o ambiente. Alguém em Portugal foi informado sobre isto? Este escândalo passou à margem, foi bem silenciado!

Mas outros exemplos poderiam ser dados, como aquele conhecido em Novembro do ano passado, denunciado em Portugal pela Plataforma Transgénicos Fora do Prato, que deu conta que o milho MON 810 da multinacional Monsanto, justamente o primeiro milho autorizado pela Comissão Europeia quando levantou a moratória, foi comercializado nos EUA, desde 1996, com base em dados experimentais incompletos, errados e, eles próprios, manipulados, tendo a Administração norte americana omitido a possibilidade deste milho transgénico poder causar alergias alimentares.

Mas a Comissão Europeia, quando levantou a moratória, deixou outro conjunto de questões por resolver, entre as quais o problema da coexistência entre culturas transgénicas e as culturas convencionais e biológicas, i. e. a garantia de não contaminação entre culturas. E não foi por acaso que a Comissão Europeia deixou esta questão por resolver: é porque sabe que é uma questão irresolúvel! E é irresolúvel porque a agricultura que nos alimenta não é feita em laboratórios, mas sim na terra – e o vento, bem como os insectos são factores de disseminação de poléns, contaminando com profunda facilidade campos de agricultura convencional e biológica, que deixariam, desta forma, de estar livres de transgénicos. A Comissão Europeia optou, assim, por decidir que cada Estado Membro encontre as suas próprias regras de coexistência.

Portugal, como o aluno bem comportado que gosta de ser em matéria europeia, mesmo que as decisões se virem contra os portugueses, pouco ou nada fez para alterar esta política europeia dos transgénicos. O que é mais revoltante é que não usou, até agora, os mecanismos que tem ao seu dispor para aplicar o princípio da precaução. Queremos com isto dizer que, não havendo regras de coexistência definidas, o mínimo de bom senso indicaria que era preciso ter adoptado de imediato uma moratória para não se cair no risco de haver culturas transgénicas completamente desregradas no que concerne a mecanismos de prevenção de contaminação.

Nem o Governo anterior, do PSD/PP, que começou a preparar o diploma da coexistência, nem o Governo actual, que ultimou o diploma no último Conselho de Ministros, instituíram essa moratória, ou seja, essa suspensão de autorização de culturas transgénicas no nosso país.

Diria o Governo (que não está aqui, vai dialogando connosco através de comunicados) que o problema agora fica resolvido com esse Decreto-Lei que regula a coexistência que só aguarda a promulgação do Sr. Presidente da República. Antes fosse assim! Mas não é!

A questão é que o Governo preparou um diploma em gabinete, o qual segundo aquilo que foi anunciado, não garante nem de perto nem de longe segurança relativamente à não contaminação de culturas. Vejamos porquê:

- Em primeiro lugar o diploma não teve a participação dos interessados. A própria Comissão Europeia na recomendação C (2003) 2624, estabelece que “a definição (…) de estratégias e de boa prática em matéria de coexistência deve ser feita (…) com a participação dos agricultores e de outros intervenientes (…) devem ser definidas em cooperação com todas as partes interessadas e com toda a transparência”. O diploma do Governo foi feito à porta fechada sem discussão, sem um debate nacional sobre a matéria, arredando assim os interessados da definição dessas regras.

- Em segundo lugar, que estudos terão suportado o diploma do Governo que permitam garantir que as regras nele introduzidas são adequadas para evitar contaminações entre culturas? Depois do levantamento da moratória europeia o Comité Económico e Social Europeu emitiu um parecer, em Novembro de 2004, onde expressamente se referia que “antes de se regulamentar a coexistência, é necessário conhecimento científico aprofundado que possibilite avaliar a disseminação e polinização cruzada no espaço e no tempo de OGM” – então e perguntamos nós: no que é que o Governo se terá baseado para determinar uma distância mínima de 200 metros entre culturas transgénicas e convencionais ou de 300 metros entre culturas transgénicas e biológicas. E com base no que é que se terá suportado para definir que essas distâncias podem ser reduzidas acaso sejam substituídas por 24 linhas de bordadura de milho (transformando assim os 200 metros em cerca de 20 metros no caso de vizinhança com culturas convencionais e em cerca de 50 metros no caso de vizinhança com culturas biológicas)?

- E porque é que o Governo isenta do cumprimento de regras os agricultores associados, fomentando assim os vastos campos de transgénicos?

- E porque é que o Governo deixa para futura regulamentação as zonas livres de transgénicos?

- E porque é que deixa para regulamentar o fundo de compensação para indemnizar os agricultores convencionais e biológicos de eventuais danos causados? Quem é que cobrirá os riscos de contaminação, se as seguradoras não fazem seguros de colheita para cobrir esse risco?

Sr. Presidente
Srs. Deputados

Do que se está a tratar é de generalizar os OGM na agricultura e na alimentação. O que se está a fazer é a dar passos rumo ao escuro, sem olhar às consequências que daí podem advir e aos enormes riscos que estão associados a esta opção. “Os Verdes” hoje podem dizer que o diploma preparado pelo Governo não garante precaução, não estipula regras que evitem os riscos advenientes da introdução no país de culturas OGM com fins comerciais.

Por isso, “Os Verdes” assumem a proposta de instituir em Portugal uma moratória, a suspensão de culturas OGM com fins comerciais, até que um conjunto de pressupostos esteja garantido, entre eles:

  • A realização de um estudo sobre a estrutura fundiária portuguesa, avaliando a sua compatibilização ou não com as regras de coexistência entre culturas transgénicas e culturas tradicionais ou biológicas;
  • A realização de um estudo que afira dos impactos económicos da libertação de OGM no ambiente, designadamente dos custos acrescidos que os agricultores convencionais ou biológicos terão com a implementação de medidas de protecção das suas culturas com vista à prevenção de riscos de contaminação por OGM, bem como a medidas de controlo e análise das suas produções;
  • A realização de um estudo que avalie os riscos ambientais e para a saúde, decorrentes da libertação de OGM em meio livre, a médio e longo prazos;
  • A determinação do tipo e do âmbito da formação que todos os agricultores devem ter para que possam optar entre a prática de culturas transgénicas, convencionais ou biológicas;
  • O levantamento e a criação de zonas livres de OGM com o envolvimento directo das autarquias locais. Estas zonas livres têm obviamente que ser criadas antes de qualquer autorização de cultivo de OGM e têm que abarcar uma componente de preservação ambiental e da biodiversidade muito forte.
  • Um amplo debate público nacional, com a realização de pelo menos 5 sessões descentralizadas pelo país, sobre as conclusões dos referidos estudos.

Estes são os pressupostos fundamentais que, na perspectiva de “Os Verdes”, devem estar preenchidos antes de permitirmos culturas OGM em Portugal.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

O bom senso e a responsabilidade política impõem que se adopte uma moratória em relação às culturas transgénicas neste momento.

A questão é de tal ordem pertinente que a própria Comissão Europeia permitiu a introdução de uma cláusula de salvaguarda, na directiva relativa à libertação deliberada no ambiente de OGM, consagrando que se um Estado Membro tiver razões objectivas para considerar que os OGM constituem um risco para o ambiente ou para a saúde, “pode restringir ou proibir provisoriamente a utilização e/ou a venda desse produto no seu território”. E será também oportuno lembrar que países como a Polónia, a Itália, a Áustria, a Hungria tomaram medidas de salvaguarda dos seus interesses específicos nesta matéria.

Face à situação criada, face à carência de estudos que suportem a definição de regras sobre a coexistência impõe-se suspender este processo, pelo menos, até garantirmos mecanismos de segurança – impõe-se por isso esta moratória que “Os Verdes” propõe hoje aqui no Parlamento.

A Assembleia da República não pode alhear-se desta responsabilidade, nem pode ignorar as novas informações e conhecimentos científicos que nos chegam.

No parecer de Novembro de 2004, do Comité Económico e Social Europeu, que acima referi, afirma-se bem a preocupação relativamente às muitas incertezas científicas sobre os OGM; afirma-se que uma contaminação inicial de uma semente pode acumular-se nas gerações seguintes; e dá-se bem conta dos prejuízos económicos que podem advir destas incertezas: “o primeiro caso que levou à retirada do mercado de um OGM por razões de saúde (o milho Starlink nos EUA) já provou, até agora, custos superiores a mil milhões de dólares. Contudo, dois anos volvidos desde o início das medidas de retirada, ainda não se conseguiu eliminar completamente da circulação este OGM. Isto pode dar bem conta do problema que se pode estar a criar.

Também um estudo recentemente concluído e divulgado em Março deste ano, encomendado pelo Governo britânico, analisou comparativamente, durante quatro anos, campos transgénicos e convencionais e concluiu que as culturas OGM prejudicam a biodiversidade, e que, portanto, têm também esse efeito nocivo no ambiente num curto e médio prazos.

O que nós Verdes pedimos e propomos é que caminhemos com segurança, que não demos passos que nos poderão sair caros do ponto de vista ambiental, social e económico no futuro; que ponhamos a defesa das pessoas e do ambiente à frente dos interesses económicos das multinacionais.

Será aqui também oportuno lembrar as conclusões de um Eurobarómetro especial que aferiu das atitudes dos cidadãos dos diferentes Estados Membro em relação ao ambiente e que concluiu que o uso de OGM na agricultura, a par dos produtos contendo químicos, constituem as matérias relativamente às quais os cidadãos mais sentem falta de informação e que o uso de OGM na agricultura está entre as dez maiores preocupações dos cidadãos em termos ambientais.

Apresentadas que estão as preocupações e as propostas dos Verdes, resta-nos esperar que todos os restantes partidos com representação parlamentar acolham a necessidade de agirmos com segurança, com precaução. É certamente isso que os portugueses esperam de nós, quando estão fartos de crises alimentares e de silenciamentos do poder político em relação aos escândalos alimentares. E para aqueles que põem sempre as contas à frente de tudo, tenham, por favor, em conta uma máxima ecologista de grande relevo: agir por prevenção sai sempre mais barato do que remediar ou minimizar os dramas no futuro quando os problemas se revelam.


Ver tambêm:

Projecto de Lei Nº. 43/X Projecto de Lei- Suspende as Culturas Transgénicas com fins Comerciais em Território Nacional

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