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09/06/2005
sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento
Intervenções da deputada Heloísa Apolónia Debate de interesse relevante sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento

Lisboa, 9 de Junho de 2005

 

 

 

 

 

 

 

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, segundo a lógica deste Governo, que, de resto, é muito idêntica à do governo anterior, estamos numa situação dramática, com 6,8% de défice previsto para 2005, o que requer medidas de coragem e, eventualmente, até algumas excepcionais. É esta a conversa diária do Governo para com os portugueses.
No debate mensal com o Sr. Primeiro-Ministro, dirigi-lhe uma pergunta à qual não obtive resposta, pelo que hoje gostaria de conhecer a perspectiva do Governo em relação a essa matéria.
O Sr. Ministro sabe que o nosso país assiste a uma profunda e injusta repartição de riqueza, sabe que é dos maiores o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Então, face à situação em que estamos, faria ou não sentido, na perspectiva do Governo, pedir um esforço real, eventualmente transitório, àqueles que realmente podem pagar e fazer esse esforço, através da criação de um imposto, eventualmente transitório, repito, sobre as grandes fortunas? Não ouvi resposta a esta pergunta por parte do Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de ouvi-la hoje e, designadamente, perceber por que é o Governo não está a equacionar uma tal solução.
Sr. Ministro, não venha responder-me, como fez o Sr. Primeiro-Ministro, que criaram um escalão adicional de IRS, à taxa de 42%, porque só incide sobre quem declara rendimentos do trabalho superiores a 60 000 € e uma coisa nada tem a ver com a outra.
Sr. Ministro, por favor também não venha falar-me de uma solução idêntica relativamente ao combate à fraude e à evasão fiscais, porque essa não é nenhuma medida excepcional e eventualmente transitória, é uma questão de moralidade relativamente ao nosso sistema fiscal.

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Oradora: — A segunda questão prende-se com o problema do desemprego. O Sr. Ministro apresenta-nos, no âmbito deste Programa de Estabilidade e Crescimento, um mapa que pode ter as mais diversas leituras. É que, se olhar para os números referentes a 2006, vejo uma curva descendente relativamente à taxa de desemprego, mas se a comparar, por exemplo, com 2004, verifico que, em 2009, vamos estar muito pior em termos de taxa de desemprego relativamente à situação em que estávamos em 2004. Portanto, os números podem iludir muito.
O que as pessoas podem perceber é que, em termos de bolsa de pobreza, para a qual o desemprego contribui imenso, com estas propostas do Governo não vamos estar melhor do que estávamos no ano 2004. Isto, para além do desemprego encapotado que o Governo apresenta neste Programa de Estabilidade e Crescimento, designadamente através da bolsa de supranumerários para a Administração Pública. Sinceramente, quando li o mapa até pensei que não estava a perceber o que lá está escrito.
É que os funcionários públicos podem ser colocados numa bolsa de supranumerários e, ao fim de três meses de permanência nessa bolsa, perdem uma parte do seu vencimento anterior e, se não aceitarem uma proposta de colocação, como no caso de alguém residente no Algarve que seria colocado em Braga, perdem o vínculo à função pública. Isto é, não se tem o entendimento de que os trabalhadores não são instrumentos do Estado, são pessoas com vidas feitas e com famílias criadas, portanto, com vida própria e legítima.

Vozes do PCP e do BE: — Muito bem!

A Oradora: — Para terminar, refiro que, neste Programa — e, na intervenção final que farei, debruçar-me-ei mais detalhadamente sobre isto —, se verifica que há propostas concretas que conduzem ao alargamento da bolsa de pobreza no nosso país e de muito preocupantes níveis de sustentabilidade das famílias.
Por fim, gostava de perceber como é que o Governo vai criar os tais 150 000 postos de trabalho que, curiosamente, o Programa não menciona.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, vamos entrar na fase de encerramento do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar por referir que o verdadeiro Programa deste Governo foi hoje apresentado formalmente à Assembleia da República. O outro que discutimos no início da Legislatura era falso, porque continha um conjunto de princípios, alguns deles bastante louváveis, que, de facto, pelo que percebemos hoje, não são para levar à prática. O verdadeiro Programa do Governo do Partido Socialista foi hoje apresentado formalmente à Assembleia da República, três meses depois da tomada de posse do Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Penso que, lá fora, os portugueses precisam de ter uma completa consciência daquilo que o Governo está a propor e das medidas concretas que vêm estabelecidas no Programa de Estabilidade e Crescimento. E, eventualmente, até será útil para alguns membros do Governo ouvir as diferentes perspectivas dos diferentes grupos parlamentares sobre esta matéria para despertarem para algumas das medidas que, pelos vistos, vêm lá contempladas mas não são do seu conhecimento, como o Sr. Ministro, ainda há pouco, acabou por confirmar aqui à Assembleia da República.
Então, vou elencar algumas dessas medidas que consideramos profundamente preocupantes e que vêm retirar de facto bem-estar e qualidade de vida à generalidade dos portugueses.
O Governo propõe o aumento do IVA de 19% para 21%. Disseram, na altura da campanha eleitoral, que não aumentavam impostos.
O Governo sabe que o desemprego vai aumentar. Diz que vai diminuir, mas não diz a partir de quando é que conta. Agora, aquilo que o Programa nos diz é que, em 2009, vamos ter mais desemprego do que tínhamos em 2004. O Governo tinha prometido a criação de 150 000 postos de trabalho, mas nunca soube dizer à Assembleia da República para quando, como e onde é que os vai criar.

Vozes do PSD: - Para as calendas!

A Oradora: - O Governo propõe o fim das progressões automáticas nas carreiras na função pública, diz que é um incentivo ao melhor desempenho. Pois nós, Os Verdes, dizemos que é a promoção do clientelismo na Administração Pública. Manter-se-ão as quotas de progressão? É que, se assim for, então, não é mesmo para dar lugar ao mérito mas, sim, ao clientelismo.
O Governo propõe moderação salarial. Continuarão os baixos salários e a redução do poder de compra dos portugueses, especialmente tendo em conta as taxas de inflação e o aumento dos impostos proposto.
O Governo propõe um bolsa de supranumerários para despedir funcionários públicos.
O Governo propõe o aumento dos custos da educação com o fim da atribuição de turmas e de remuneração aos estagiários pedagógicos do ramo educacional, pondo as famílias a pagar mais por este ano aos estudantes que estiverem a fazer este estágio.
O Governo propõe o aumento da idade da reforma.
O Governo tinha no seu Programa Eleitoral, antes das eleições, as pensões mínimas de 300 euros relativamente aos reformados, mas o certo é que viemos depois a saber que, afinal, é só para quem conseguir ultrapassar a esperança de vida e lá para depois dos 80 anos. É progressivo, mas começa assim de uma forma tão limitada e não há quaisquer garantias relativamente a esta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A obsessão pelo défice voltou. As soluções apontadas pelo Governo estão direccionadas para dois caminhos perigosos: aumento de impostos indirectos, profundamente injusto, e um ataque cerrado à Administração Pública, exactamente na mesma lógica em que o governo PSD/CDS-PP andava.
Consideramos profundamente inquietante que este Programa de Estabilidade e Crescimento não contenha algumas questões que, na nossa perspectiva, seriam importantes. Por exemplo, em relação à redução da despesa, nada fala sobre a derrapagem financeira permanente nas obras públicas em Portugal, nem sobre a contratação de serviços externos que o Estado pode perfeitamente assegurar de forma muito mais barata, designadamente como encontramos recorrentemente na área da saúde.
Sobre o aumento da receita, continuo a não perceber porque é que o Governo nada diz sobre a possibilidade de ponderar a criação de um imposto sobre as grandes fortunas. Penso - é a conclusão que retiro da não resposta - que o Governo sabe que seria um imposto justo, mas não quer tributar os ricos. O Governo nada diz sobre esta matéria, e isso é preocupante.
Sobre as privatizações, o Governo quer injectar dinheiro no Estado com as privatizações…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, terminou o seu tempo.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, sobre as privatizações, o Governo quer injectar dinheiro no Estado, mas não sabemos quando nem que empresas não ser privatizadas, não ponderando a desresponsabilização do Estado e, certamente, fazendo as pessoas pagar mais por essas privatizações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na nossa perspectiva, estamos perante propostas e políticas erradas. Temos um Programa de Estabilidade e Crescimento subordinado a um Pacto de Estabilidade e Crescimento ao qual muitos povos na Europa estão a dizer «não».
Os portugueses devem encontrar todas as formas de participação para contestar estas propostas e é preciso alertá-los para o mal que o Governo aqui lhes está a fazer.

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