Pesquisa avançada
 
 
Declarações Políticas
Partilhar

|

Imprimir página
27/04/2004
Sobre o Projecto de Lei que propõe a criação do Conselho Nacional de Biossegurança
Declaração Política da Deputada Isabel Castro Sobre o Projecto de Lei que propõe a criação do Conselho Nacional de Biossegurança
Assembleia da República, 27 de Maio de 2004
 
 
 
 

 

 

 

 

Senhor Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Portugal não tem uma autoridade nacional de controlo da segurança biológica.

Portugal continua, numa posição cada vez mais isolada na Europa e no mundo, sem uma entidade própria, uma comissão especificamente vocacionada para a consulta e o acompanhamento das questões suscitadas pela aplicação da biotecnologia. E designadamente as que respeitam à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados.

Esta é uma lacuna extremamente grave, num domínio de extrema importância e complexidade. Por essa razão, “Os Verdes” apresentaram há cerca de um ano, um projecto de lei que lamentavelmente a maioria, recusou.

Esta grave lacuna um ano volvido, prevalece, agora num contexto de maior risco para Portugal após a decisão recente da Comissão Europeia de levantamento da moratória dos OGM, a qual vigorava, por pressão da opinião pública europeia, desde 1999.

Esta deliberação da Comissão Europeia justifica, acrescidamente, o retomar deste projecto e a sua oportunidade política. Temos a convicção da necessidade e da urgência de Portugal estar dotado de meios para uma adequada resposta neste domínio, face aos desafios civilizacionais, que resultam da revolução que se está a operar nos domínios da biologia e da genética.

Esta mutação vertiginosa, no domínio do bio genética, vem permitir introduzir modificações ao nível do próprio património genético dos organismos vivos, alterar radicalmente os quadros tradicionais dentro dos quais o destino biológico e o progresso dos seres humanos se tem vindo a processar. Esta mutação porém, ao rasgar novas fronteiras do conhecimento confronta-nos, com novos desafios ambientais, sociais, económicos e éticos. É forçoso avaliar estes desafios e dar-lhes em resposta em termos de biossegurança.

Só a avaliação da segurança biológica permite determinar, a cada momento, de acordo com o conhecimento disponível e o respeito pelo princípio da precaução, os limites e as fronteiras da experimentação científica. E sobretudo, da harmonização do avanço tecnológico e da sua aplicação com a protecção da saúde humana, do ambiente, da segurança, consequentemente a sustentabilidade do desenvolvimento futuro com respeito pelos direitos humanos.

A avaliação é exigível não para definir “ tudo o que é possível fazer “, mas “tudo o que é desejável fazer”, com o menor risco e o menor perigo, nos novos domínios da genética e da biotecnologia.

Logo, esta avaliação dos riscos biotecnológicos requer necessariamente, na nossa opinião, total independência, transparência, informação partilhada. E exige ainda, a colaboração estreita entre os decisores políticos, cientistas e a sociedade portuguesa no seu conjunto.

É preciso institucionalizar a colaboração partilhada, entre decisores políticos, representantes da comunidade científica e organizações representativas dos interesses cívicos pertinentes, de modo a dar suporte adequado às tomadas de decisão que competem ao Executivo.

É necessário institucionalizar um debate prévio sobre questões novas e controversas sobre as quais as incertezas da investigação livre e da comunidade científica se avolumam e, que mais do que encontrar respostas, é necessário não negligenciar as interrogações e dúvidas que têm sido suscitadas.

Estas dúvidas colocam-se em relação aos organismos geneticamente modificados, à sua libertação deliberada no ambiente, e sobretudo à decisão de os colocar no mercado, nos alimentos. Estas dúvidas deverão ser sistemática e previamente avaliadas por uma entidade independente, capaz de, com total autonomia, responder especificamente no domínio da segurança e do risco bio tecnológico, com respeito pelo princípio da precaução, pela protecção do ambiente e da saúde humana.

Uma entidade, responsável em termos de bio vigilância e de bio segurança, actualmente, não existe, como tal em Portugal.

É sabido, ainda, que a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, em fase de instalação permanente não veio, nem virá (basta saber ler o diploma que a criou, Decreto Lei nº 180/2000) a preencher este vazio, uma vez que está, como se verifica na generalidade dos países, orientada para um domínio distinto da qualidade e segurança.

A entidade, de bio vigilância que queremos criar é de absoluta necessidade, independentemente do figurino adoptado. Isso mesmo acaba por reconhecer o governo - deitando por terra os argumentos da maioria -com a publicação do despacho conjunto nº 174/2004 em 27 de Março deste ano. Aí se propõe uma comissão para o acompanhamento das questões de biossegurança decorrentes da aplicação do decreto-lei nº 72/2003, de 10 de Abril que regula a libertação deliberada no ambiente de OGM. Ao contrário do que afirmou o PSD há um ano, nem a situação actual dá resposta à complexidade das questões que se prendem com a sua comercialização para consumo humano, nem permite o apoio indispensável à decisão sobre a utilização de OGM. Tão pouco, assegura uma participação partilhada nos processos decisórios.

Esta é uma situação inaceitável que pretendemos ultrapassar com a criação de um Conselho Nacional de Biossegurança. Esta proposta é um bom ponto de partida para a busca da solução que garanta a indispensável vigilância biológica.

O Conselho proposto corresponde à escolha de um dos modelos possíveis, entre as muitas soluções já adoptados em países como a Espanha, a França, a Bélgica, o Reino Unido, a Alemanha, o Luxemburgo, a Itália, a Dinamarca, e tantos outros, nem faltando sequer entre esses países, para nossa vergonha o Burkina Fasso!

Este projecto foi concebido de acordo com os princípios orientadores, definidos pelas Nações Unidas, para as autoridades nacionais a criar, em cada país, no âmbito do Protocolo de Cartagena sobre biodiversidade, que Portugal assinou em 2000.

Este órgão vocacionado para a biossegurança configura uma solução similar à encontrada, na lei de 1990, que instituiu o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (cuja composição em aberto, com os seus 23 membros, não deixa em todo o caso de ser inferior à estrutura com 35 membros então defendida pelo PSD que no entanto criticou o nosso peso excessivo).

O Conselho de Biosseurança que propomos opta, claramente por uma composição alargada, que reflicta os diferentes olhares, em nossa opinião enriquecedores, sobre a biotecnologia. Trata-se, como é o caso, de emitir pareceres e recomendações sobre a aplicação da bio tecnologia e de avaliar riscos decorrente do uso de organismos geneticamente modificados (OGM) e suas implicações, harmonizando-os com a garantia dos direitos fundamentais.

O Conselho de Biossegurança visa permitir que as decisões políticas sejam tomadas pelos governos com suficiente informação, com preparação e prudência, integrando as várias questões e alternativas, numa ponderação de soluções que tenham em conta a redução dos riscos ou perigos tendo em conta o princípio da precaução e a sustentabilidade do desenvolvimento do país.

O Conselho deverá ser integrado por individualidades provenientes das áreas da saúde, do ambiente, do consumo, da agricultura, da economia, designados pelo Governo, por especialistas da comunidade científica, a designar pela Assembleia da República, por representantes dos diferentes organizações criadas pela comunidade, (do sector público e privado), por sectores profissionais e sociais, diversos parceiros e representantes da sociedade, nomeadamente, dos médicos, dos biólogos, dos produtores, dos agricultores, das associações de defesa do consumidor, das organizações de ambiente, da plataforma das Organizações Não Governamentais para o desenvolvimento, das associações representativas do mundo rural, do conselho económico e social.

A abrangência, deve estar associada à independência, em nossa opinião, atributos para conferir capacidade de avaliar as questões que se colocam em termos de propriedade intelectual, de comércio internacional, de cooperação e de ajuda ao desenvolvimento, de direitos básicos dos consumidores, de auto-suficiência alimentar, de defesa da diversidade biológica, incluindo a manutenção das variedades agrícolas tradicionais, de preservação dos ecossistemas, de equilíbrio ambiental, de saúde pública, entre outros.

Esta avaliação em termos de biossegurança tem de equacionar, o que é particularmente pertinente neste momento com o regresso dos transgénicos – os potenciais riscos ambientais resultantes da circulação e da libertação de organismos geneticamente modificados; sabido que a investigação científica produzida, tem somado dados que indiciam inevitável poluição genética, perigos para a perda de biodiversidade planetária, consequências imediatas ou a prazo, previsíveis ou não, directas ou indirectas, sobre os ecossistemas naturais.

É uma avaliação da maior oportunidade, ainda, em termos de segurança biológica, no momento em que um alimento transgénico, o milho BT 11, é autorizado pela Comissão Europeia, para prevenir os perigos para a saúde humana decorrentes da introdução na cadeia alimentar de produtos geneticamente modificados, novas substâncias insuficientemente testadas nos seres humanos, cuja probabilidade, já indiciada, porém, de serem nocivas, pode afectar o sistema imunológico e provocar o contacto com substâncias alérgicas é real, representa um potencial risco.

É uma avaliação que tem de estar comprometida com a responsabilidade que se coloca no plano ético, social e económico, com algumas aplicações da biotecnologia.

O Conselho Nacional de Biossegurança tem, pela natureza peculiar das suas competências e autoridade ética e científica dos seus membros, de ponderar a possibilidade de contaminação das demais práticas agrícolas dominantes em Portugal, as convencionais ou as biológicas, colocando em perigo a sobrevivência das variedades agrícolas tradicionais e o património ancestral de sementes, até hoje pertença dos nossos agricultores.

Este é um potencial risco que o recurso aos Organismos Geneticamente Modificados já comprovou na contaminação de sementes verificada em países como o Canadá e os Estados Unidos da América e que urge prevenir em Portugal, precisamente no momento em que o governo manifesta a intenção de promover a agricultura biológica. Uma agricultura, aliás, que o Plano Nacional agora apresentado vem, precisamente, alertar, requer a criação de uma Autoridade de Biossegurança.

Senhor Presidente
Sras. E Srs. Deputados,

Estas são, em síntese, as questões que o nosso projecto de lei, que propõe a criação de um Conselho Nacional para a Biossegurança em debate, pretende suscitar e ultrapassar.

Os desafios muito complexos e diversificados que estão na agenda política, que muito directamente nos interpelam e remetem, no limite, para decisões sobre a garantia de direitos básicos dos consumidores portugueses, sobre a liberdade de escolha da nossa alimentação e da dos nossos filhos, sobre a sobrevivência ou não, a prazo, de outras culturas e opções livres de organismos geneticamente modificados.

Escolhas que nos compete ajudar a fazer, para prevenir consequências que é nossa responsabilidade previamente equacionar, no plano agrícola e alimentar, face ao cenário de circulação e de livre colocação no mercado de transgénicos, prontos a ser consumidos.

A probabilidade que aconselha, essa é a posição de “Os Verdes”, a aplicação do princípio da precaução e um especial cuidado na análise e acompanhamento de todas as questões de risco que se prendem com a aplicação das biotecnologias em Portugal.

A ponderação de escolhas que exige a posse e a actualização permanente de conhecimento, a partilha de informação, o envolvimento dos diferentes sectores, a adopção de procedimentos transparentes que assegurem aos cidadãos, através de processos abertos e participados, dados sobre os progressos científicos, a sua constante evolução, bem como, sobre os riscos.

A avaliação sistemática que permita, independentemente da posição de princípio de cada um, à sociedade e aos cidadãos envolverem-se, como é seu direito, no debate sobre questões que lhes respeitam, que interferem com o nosso destino comum e em relação às quais se impõe uma abordagem pautada pelo princípio da precaução, pela ética da responsabilidade e pela solidariedade em relação às gerações futuras.

Sras. e Srs. Deputados,

Estes são os princípios orientadores do projecto de lei que hoje vos apresentamos sobre a criação de um Conselho Nacional de Biossegurança.

Esta é a responsabilidade que, uma vez mais, está nas nossas mãos.

E que temos de assumir em nome do interesse e da segurança dos portugueses.

Temos de decidir se queremos um ambiente mais protegido. Temos de decidir se queremos uma alimentação mais segura.

Temos de decidir se queremos mais saúde.

Acima de tudo, temos de decidir se queremos garantir as condições para fazer escolhas mais transparentes, mais responsáveis, mais livres e partilhadas!


Ver tambêm:

Projecto de Lei Nº. 314/IX Projecto de Lei- Cria o Conselho Nacional de Biossegurança

Voltar