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22/04/2004
Sobre o Projecto de Lei Revisão Constitucional nº 6/IX
Declaração Política da Deputada Isabel Castro Sobre o Projecto de Lei Revisão Constitucional nº 6/IX
Assembleia da República, 22 de Abril de 2004
 

 

 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Depois de um processo marcado pela irracionalidade, a falta de transparência e a ausência de respeito pelos partidos, manifestado pela maioria dos partidos do arco do poder, eis que o processo de revisão constitucional se conclui e as propostas sobem hoje a plenário.

Um processo paradoxalmente anunciado sob o signo da credibilização da vida política, do aprofundamento da democracia, porém, em si mesmo, na marca que transporta, o exemplo paradigmático de tudo aquilo que politicamente deveria ser evitado, que a credibilização da política e o prestigio das instituições democráticas não pode tolerar.

Um processo que durante semanas, assim, se arrastou na leitura sonolenta, no debate arrastado e pouco fértil de propostas, a ritmo de cruzeiro, dos seis projectos da responsabilidade dos diferentes grupos parlamentares. Uma leitura, porém, que subitamente viria, sem quaisquer explicações, a ser interrompida e a dar origem a um profundo estado de hibernação, em que maioria e o Partido Socialista mergulharam.

Uma letargia, que nos deixou como espectadores de um jogo de sombras, de súbito, quebrado, e a que de novo se sucedeu, findo o interminável tête-à-tête, o retomar dos trabalhos , agora para, num ápice, despachar em catadupa dezenas de propostas que os demais partidos, tratados como meros figurantes, lamentavelmente não descartáveis, foram chamados a votar, obrigando-se em menos de 24 horas a decidir sobre aquilo que outros à sua revelia tinham demorado meses a obstruir, ou seja propostas que irão alterar a nossa Carta Fundamental.

Convenhamos Senhores Deputados que, como exemplo de tudo aquilo que deveria ser evitado, dificilmente poderemos recentemente encontrar exemplo pior.

Um processo desprestigiante que não queremos, não obstante avaliações outras de contéudo, deixar vivamente de repudiar e a que se alia a nossa segunda reserva e questão prévia neste processo em vias de findar.

Uma revisão cuja oportunidade e prioridade política não partilhamos, condicionada pelo calendário eleitoral das Regiões Autónomas. Revisão esta que decorreu no momento em que o país mergulha numa das mais graves crises sociais, ambientais e económicas, algures na véspera de significativas alterações no quadro do processo europeu, as quais requerem a maior atenção e prioridade na nossa agenda política nacional.

Uma revisão constitucional ainda, em nossa opinião e, coincidindo aliás, com a de muitos dos depoimentos recolhidos no âmbito da reforma do sistema político, que não corresponde a uma absoluta necessidade, nem a uma prioridade em termos do funcionamento do nosso sistema democrático, tendendo, pelo contrário, a gerar instabilidade no corpo da Lei Fundamental e a banalizar processos que se desejariam excepcionais.

Um processo no qual “Os Verdes” entenderam porém participar com Propostas que, ao contrário de uma certa direita revanchista que convive mal com o 25 de Abril, não procuram um ajuste de contas com a história, mas ajustar-se à própria História, à evolução da sociedade e aos novos paradigmas que a humanidade tende a enfrentar.

Propostas que visam corresponder a novas questões civilizacionais, traduzem conceitos inovadores, buscam antecipar respostas aos nossos desafios e responsabilidades da nossa contemporanidade .

Propostas cujo conteúdo, no projecto de revisão constitucional, se circunscrevem a modificações pontuais, de abrangência limitada, que permitiriam o seu aperfeiçoamento, mas não desvirtuem, nem atinjam a matriz e coerência de um texto constitucional como o nosso, já consolidado e um património da nossa história recente.

Propostas que procuram influenciar, como já se verificou em anteriores processos, o texto constitucional, no domínio do reforço dos direitos fundamentais, das condições de participação dos cidadãos e do aprofundamento da arquitectura democrática institucional nas Regiões Autónomas, a partir de uma abordagem específica e de acordo com os novos paradigmas que se colocam à sociedade.

O projecto de revisão que assume o propósito de preservar o património comum de direitos, deveres, liberdades e garantias que a actual Constituição da República Portuguesa encerra e que, com plasticidade e equilíbrio, tem pautado a nossa história recente, mas que procura, de modo inovador, e numa leitura actualista da realidade interpretar o sentido das mutações sociais, acompanhar os novos desafios planetários que a revolução técnico e cientifica e a crise planetária colocam na ordem do dia, alargando conceitos, designadamente os de cidadania, consagrando uma nova geração de direitos, fazendo evoluir os mecanismos para os corporizar.

O projecto constitucional que prossegue no aprofundamento da dimensão ecológica do desenvolvimento, numa visão mais alargada dos direitos e deveres daí decorrentes, em termos da preservação de bens patrimoniais comuns e dos direitos de participação dos cidadãos e dos movimentos sociais, como parceiros desse desenvolvimento e do processo de construção europeia .

Um projecto que em síntese:

• Retoma propostas, algumas das quais apresentadas há anos (caso do artigo 13º, principio da não discriminação, função orientação sexual, estado civil, deficiência, idade), caso em concreto do artº 13º cuja apresentação data de há precisamente uma década.

• Aprofunda ou densifica outras propostas (por exemplo no artigo 66º no tocante ao direito de acesso à informação, participação no processo decisório e no acesso à justiça em matéria de ambiente).

• Inova ao introduzir novas questões ou eliminar outras (por exemplo nos artigos 93º, respeitante à política florestal, da subordinação dos objectivos das politicas comercial e industrial aos direitos sociais e ambientais, da constitucionalização do direito de acesso à agua, do dever de protecção dos nossos mares) ou, ainda, em matérias respeitantes à autonomia, no artigo 230º ao propor a criação do Alto Representante da República nas Regiões Autónomas, extinguindo o cargo de Ministro da República ou no artigo 117º ao estender o regime de incompatibilidades aos membros do governo e deputados das Assembleias Legislativas Regionais).

Propostas todas elas no sentido de :

- Conferir a Portugal um papel mais interventor nas relações internacionais com vista a contribuir para o equilíbrio ecológico e a eliminação do nuclear;

- Densificar no âmbito dos direitos e deveres fundamentais do Estado os direitos ambientais, e constitucionalizando o direito à informação, à participação nos processos decisórios e ao acesso à justiça;

- Enriquecer o articulado referente ao direito ao ambiente e à qualidade de vida dos cidadãos, à segurança alimentar na perspectiva da sustentabilidade do desenvolvimento, fazendo-o reflectir nas políticas sectoriais, concretamente na agricultura, na política florestal, comercial e industrial, como um imperativo para garantir a solidariedade entre gerações e o nosso futuro comum;

- Reformular, face ao conhecimento actual, as incumbências do Estado em matéria de política energética, garantindo uma utilização racional dos recursos, o incentivo das energias renováveis, o aumento de eficiência energética;

- Promover, através da política agrícola, condições para travar o abandono do mundo rural, para fixar populações, garantir segurança alimentar e saúde humana e contribuir, de acordo com as convenções assinadas no âmbito da Conferência do Rio para preservar a diversidade genética;

- Autonomizar no plano constitucional a responsabilidade por uma política florestal que garanta a protecção das espécies autóctones, a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas;

- Inovar em termos dos direitos ambientais e da atribuições do Estado a quem passa a caber a responsabilidade de garantir aos cidadãos a universalidade no acesso a água de qualidade, enquanto direito fundamental, mais ainda no dever de protecção dos nossos mares e litoral;

- Atribuir no âmbito dos objectivos fixados para as políticas comerciais e industriais, responsabilidade de agir em defesa do comércio justo que garanta direitos ambientais e sociais e de política industrial compatível com os interesses ambientais e de redução de recursos naturais;

- Alargar os direitos de participação dos cidadãos nas Regiões Autónomas, designadamente, conferindo poderes de iniciativa a nível de referendo;

- Alargar aos membros do governo regional e aos deputados das Assembleias Legislativas Regionais o regime de incompatibilidade em vigor para os membros do Governo e os deputados da Assembleia da Republica reforçar os direitos de oposição nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;

- Atribuir ao Alto Representante da República as funções de regulação legislativa anteriormente atribuídas ao Ministro da República, nomeadamente em termos de fiscalização preventiva da legalidade e da constitucionalidade de diplomas regionais;

- Atribuir ao Presidente da República o poder de dissolver as assembleias legislativas das Regiões Autónomas e de nomear e exonerar os Altos Representantes da República para as Regiões Autónomas, bem como de autorizar o envio de forças militares ou militarizadas para o estrangeiro ouvido o Conselho de Estado e os partidos representados na Assembleia da República;

- Reforçar os poderes fiscalizadores dos grupos parlamentares, designadamente no tocante ao poder de requerer a apreciação parlamentar de decretos-leis e de suscitar a fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade;

- Eliminação dois artigos da Constituição de República que se reportam respectivamente ao Estatuto de Macau, cujo território foi transferido para a Republica Popular da China e à autodeterminação e independência de Timor-Leste, uma responsabilidade assumida por todos os órgãos de soberania e um objectivo nacional consagrado finalmente tornado realidade.


Ver tambêm:

Projecto de Revisão Constitucional Nº. 6/IX Projecto de Revisão Constitucional- Projecto de Revisão Constitucional.

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