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20/04/2005 |
sobre o referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre o referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez
Assembleia da República, 20 de Abril de 2005
Sr Presidente, Srs Deputados,
Este debate tem que ser muito clarificador, clarificador ao ponto de os portugueses perceberem o que estamos de facto aqui a fazer.
Olhemos para este Parlamento: há seis grupos parlamentares. De entre eles, o PSD e o PP não defendem a alteração da actual lei penal no que respeita à regulação das condições em que pode ser praticada a Interrupção Voluntária da Gravidez. Os Verdes, o BE, o PCP e o PS assumem que querem alterar a actual legislação no sentido de despenalizar a Interrupção Voluntária da Gravidez a pedido da mulher.
Significa isto que numa Câmara composta por 230 deputados, eleitos em Fevereiro último, cerca de 140 são favoráveis à alteração da lei, o que corresponde a uma larga maioria de deputados.
Temos, pois, todas as condições para resolver um problema com o qual a sociedade portuguesa, e particularmente as mulheres, se confrontam que respeita à sua própria dignidade como mulheres – o problema que decorre de uma lei que só tem tido como consequência o fomento do aborto clandestino, associado, ainda por cima, a uma política que tem promovido a pobreza, e o julgamento de mulheres que se sentam no banco dos réus apontadas como criminosas, para as quais a lei remete um destino – a prisão, que só não tem resultado insistentemente nessa pena porque o processo judicial se vai sustentando na falta de provas.
Está visto, então, que o problema decorre da lei.
PSD e PP convivem bem com esta lei, mas a bem dizer não a querem ver aplicada integralmente e não conseguem passar desta inconsequência – ou seja querem que o aborto a pedido da mulher, nas primeiras semanas, constitua um crime, mas nunca ouvi nenhum dos deputados destes partidos afirmar que querem ver as mulheres que praticam aborto na prisão, como a lei prevê. São partidos que convivem bem com a incoerência, mas isso já todos sabemos, pois não é destes partidos que costuma vir uma preocupação discursiva absoluta com as famílias e que depois em termos de medidas concretas, quando estiveram no Governo e formaram maioria absoluta neste parlamento, o que fizeram foi dificultar a vida às famílias?
Desta posição, nós Verdes estamos claramente demarcados – temos que ser consequentes – uma mulher que pratica um aborto não é uma criminosa, logo a lei que criminaliza o aborto tem que ser alterada.
Passemos então para a postura das forças políticas que defendem a alteração da lei.
O PS no seu compromisso eleitoral refere expressamente: “o país assistiu a uma sucessão de julgamentos de mulheres pelo crime de aborto que confrontaram a nossa sociedade com uma lei obsoleta e injusta.” E diz ainda que a “despenalização da IVG é uma inadiável exigência de justiça e dignidade para as mulheres”.
Perante estas afirmações claras e peremptórias o que se esperaria em termos de responsabilidade política era que o PS assumisse que vai alterar a lei. Ora se assume que há uma tamanha injustiça inscrita na lei, como não aplicar uma medida certeira que se traduza numa lei justa e adequada? Ainda por cima quando o parlamento tem uma maioria claríssima favorável à despenalização da IVG? Mas não: o PS defende a realização de um novo referendo.
Valerá, porventura, a pena relembrar algumas afirmações feitas em nome do PS no debate de 1998:
Ao apresentar o projecto de alteração da legislação reguladora da IVG, referia Sérgio Sousa Pinto, “a bancada parlamentar do PS, fazendo uso dos poderes que a Constituição lhe concede, legitimada pelo mandato democrático dos seus Deputados, não foge a assumir perante o país as suas responsabilidades”. “A ninguém, e muito menos ao legislador, é consentido virar as costas à realidade (do aborto clandestino)”, referia ainda. E esclarecia mais: “É preciso dizer, com clareza, ao país que, nesta sala, por trás da exigência do referendo, esconde-se uma única preocupação verdadeira: empatar, empatar, empatar.”
Eis senão quando, depois de aprovado o seu próprio Projecto de Lei, em 1998, o PS interrompe o processo legislativo que estava a decorrer no parlamento e acorda com o PSD a realização de um referendo, demitindo-se daquela responsabilidade que tinha assumido e, cedendo ao PSD, empata, empata e empata.
O referendo, realizado em 28 de Junho de 1998, teve o resultado que teve: não foi vinculativo, na medida em que só 39,1% dos eleitores inscritos se pronunciaram, o Não atingiu uma percentagem de 50,9%, de entre os votantes, e o Sim uma percentagem de 49,1% - uma percentagem mínima de diferença, portanto.
Passaram sete anos. O PS, e agora também o BE, vêm propor a realização de um novo referendo, vêm propor que a Assembleia da República deixe de assumir a sua responsabilidade imperativa de pôr termo a uma lei hipócrita e se realize um novo referendo.
Quanto a esta proposta “Os Verdes” têm que realçar dois aspectos: em primeiro lugar a Assembleia da República tem toda a legitimidade para alterar a legislação sem recurso a referendo – estamos perante uma lei hipócrita, promotora de um problema de saúde pública gravíssimo como o aborto clandestino, que não se compadece com mais demoras para ser alterada; em segundo lugar “Os Verdes” consideram que acima de tudo não estamos perante uma questão referendável – estamos no âmbito de uma questão que como sempre se afirma, e uma opção do foro íntimo de cada um – e só pode ser uma questão do foro íntimo e da consciência de cada um se a lei permitir essa opção. A actual lei não a permite, a actual lei empurra as mulheres para o aborto clandestino, não assistido.
A atribuição de direitos não é para “Os Verdes” matéria referendável. A atribuição de justiça na lei não é matéria referendável. E é justamente por considerarmos assim que consideramos ter legitimidade para questionar: se o referendo não for vinculativo qual será o futuro do processo legislativo aqui no parlamento. E quando se propõe um referendo tem que se ter em conta que o resultado pode ser sim ou não. Que compromissos assume o PS e o BE? Que garantias temos da realização do referendo? E para quando? Esta será ou não uma matéria sujeita a prioridade, caso venha a ser aprovada a realização do referendo. E se não for realizado até ao início do Verão, será realizado quando? Será cedida ao PSD a realização do referendo para as calendas?
Sr Presidente
Srs Deputados
Nunca como antes este Parlamento esteve em tão propícias condições para pôr termo a uma lei hipócrita que criminaliza as mulheres que fazem um aborto. Nunca como antes este Parlamento teve condições para resolver esta questão de uma vez por todas, para pôr termo ao drama do aborto clandestino, para não permitir mais humilhação das mulheres que se têm sentado no banco dos réus por terem feito um aborto. Nunca como antes este parlamento teve condições para pôr termo ao crime que, na verdade, está é na lei.
A preocupação decorre de, ainda assim, os partidos que sempre têm defendido a inalteração da lei, mesmo estando em minoria, conseguirem os seus propósitos: empatar, empatar e empatar a resolução do problema.
Somos contra este referendo, estamos hoje a perder uma oportunidade para que a Assembleia da República assuma as suas responsabilidades, olhe para a realidade que temos lá fora e resolva os problemas, Srs. Deputados do PS – esta sim seria uma medida certeira, uma medida que poderia resolver o drama que muitas e muitas mulheres portuguesas encontram na lei que este Estado lhes oferece, e quando não têm meios para recorrer a outro Estado, sujeitam-se ao crime que a lei portuguesa lhes oferece: o aborto clandestino – porque ninguém garantirá hoje que os métodos contraceptivos são 100% seguros, porque há muitas mulheres que não têm acesso a planeamento familiar, e a educação sexual nem se fala – basta para tanto lembrar que somos, com Inglaterra o país que maior número de mães adolescentes tem, porque as mulheres têm direito a viver plenamente a sua vida sexual e a quando o desejarem terem uma maternidade feliz.
A opção do PS e do BE é a realização do referendo. Nós, Verdes, queremos demarcar-nos claramente dessa posição. É uma oportunidade de ouro que perdemos hoje de aprovar a despenalização da IVG e de resolver o problema, hoje dia 20 de Abril de 2005. Vamos ver quando se realizará esse referendo e em que termos, mas de uma coisa não tenham dúvidas: “Os Verdes”, no caso de haver referendo, envolver-se-ão intensamente na campanha pelo Sim, um sim pela felicidade das mulheres e das crianças em Portugal. Esse sim podia ser conseguido hoje.