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15/02/2007
sobre o referendo ao aborto
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia o sobre o referendo ao aborto
Assembleia da República, 15 de Fevereiro de 2007
 
 
 

 

 

 

 

Sr. Presidente,Srs. Deputados,

Está concluído o referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, no sentido de acrescentar, às já existentes no Código Penal, uma nova causa de não punição do aborto, quando realizado a pedido da mulher, até às 10 semanas de gravidez, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.

A vitória do SIM constitui uma afirmação do respeito pelas mulheres, da recusa de as ver como criminosas, de as ver como umas irresponsáveis, de as votar às consequências da discriminação decorrente da sua condição económica, e é seguramente uma afirmação de desejo de ver assegurada a opção por uma maternidade desejada, consciente e plena e de ver completamente minimizado o aborto clandestino, um problema de saúde pública dramático num país que só 33 anos depois do 25 de Abril vai fechar mais esta porta de clandestinidade.

A vitória do SIM é, por isso, uma vitória das mulheres em Portugal, uma vitória do progresso civilizacional.

“Os Verdes”, como é sabido, consideram que a Assembleia da República poderia já ter há muito alterado esta lei penal. Aliás, foi um sentimento que encontrámos muito nas iniciativas de rua que promovemos aquando da campanha do referendo.

Tendo sido decidido, de adiamento em adiamento, realizar o referendo, “Os Verdes” empenharam-se, então, no esclarecimento e no apelo ao voto que contribuísse para a alteração da lei, despenalizando o aborto nas condições definidas.

O que “Os Verdes” consideram é que este resultado veio reconfirmar, aos que o entenderam reconfirmar, que em matéria de interrupção voluntária da gravidez, a actual composição parlamentar tem que cumprir o compromisso assumido em campanha eleitoral de alteração de uma lei penal injusta e ultrapassada.

Agora, depois da vitória do SIM, o Parlamento deve assumir este processo legislativo como prioritário. Nós, Verdes, consideramos que seria profundamente relevante que, pelo seu significado, até ao dia 25 de Abril a alteração à lei penal, no sentido da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, estivesse em vigor e em condições de ser aplicada.
Agora, compete à Assembleia da República agir e não procurar mais nenhuma manobra dilatória, não entrar em zigue-zagues ou em deturpações do que está em causa.

O acompanhamento, consulta, o que se lhe quiser chamar, de uma mulher que decide interromper uma gravidez, não pode constituir uma persuasão a que a mulher não faça o que decidiu fazer, porque isso continuará a empurrá-la para a clandestinidade. O acompanhamento não poderá ser mais do que a informação de que a mulher carece para levar a efeito da forma mais segura o aborto. Só assim se respeitará o pedido da mulher.

O acompanhamento de uma mulher que decide interromper uma gravidez não pode ser, em circunstância alguma, factor de arrastamento dessa gravidez para além das dez semanas, antes deve garantir que o aborto se faça até às dez semanas. E encontrar mecanismos que atrasem a concretização da interrupção da gravidez que a mulher decidiu fazer, é estar a dar um passo para ultrapassar o prazo legal e, então, a remeter mulheres para o aborto clandestino.

O Serviço Nacional de Saúde tem que estar apto a responder aos pedidos das mulheres que decidem interromper uma gravidez e rapidamente é preciso que o Ministério da Saúde avance com uma resposta pública à forma de concretização desse objectivo.

“Os Verdes” não entram em desrespeito pela objecção de consciência dos profissionais de saúde individualmente, mas o que não é possível aceitar é que existam serviços, eles próprios, no seu todo, objectores de consciência, porque as respostas têm que ser dadas.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

“Os Verdes” estão mais do que empenhados em prestar o seu contributo, em sede de especialidade, ao processo legislativo que deve correr célere e convicto aqui no Parlamento para despenalizar o aborto.

Mas o que é também certo é que, até pelo que foi referido na campanha do referendo, afirmado pelos defensores do SIM e afirmado pelos defensores do NÃO, o país precisa de se empenhar na efectiva generalização da educação sexual nas escolas, cumprir aquilo que a lei, também originária deste Parlamento, estabelece desde 1984 e que está por cumprir. Educar os jovens para uma sexualidade segura e feliz é também garantir-lhes a necessidade e exigência de um planeamento familiar que se traduza em escolhas seguras e desejadas de saúde sexual e reprodutiva. Neste ponto não é de mais leis que se precisa. O que se precisa é de uma vontade política determinada que se liberte de preconceitos que aprisionam os direitos dos jovens, às vezes no desconhecimento, outras vezes na indisponibilidade de serviços e de métodos.

Esta será a forma de, para além de outras questões, reduzirmos a elevadíssima taxa de mães adolescentes que apresentamos, será a forma de evitar gravidezes indesejadas e consequentemente será também uma forma de reduzir o número de abortos.

Tudo isto é muito importante, mas o que importa referir, e nunca esquecer, é que tudo se torna mais inviável num quadro de fomento da pobreza. É por demais importante batalhar por melhores condições sociais e económicas para o povo português, que permitam garantir dignidade e qualidade de vida às pessoas e às famílias, porque essa é a condição inevitável para que as pessoas façam as opções que verdadeiramente querem fazer, designadamente quanto ao número de filhos que querem ter e tendo em conta as condições de vida que lhes podem proporcionar.

Esta luta pela dignidade dum povo tem pois que continuar a ser travada, porque essa condição de dignidade, assegurada pela garantia de direitos, é fulcral num processo de desenvolvimento dum país.

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