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22/10/2003
Sobre o Retorno dos Areeiros ao Rio Douro
Declaração Política da Deputada Isabel Castro Sobre o Retorno dos Areeiros ao Rio Douro
Assembleia da República, 22 de Outubro de 2003

 

 

 

 

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, 

A irresponsabilidade foi, no passado, aliada da catástrofe.

A irresponsabilidade não pode no presente ser consentida para que não mais haja em Portugal no futuro lugar a tragédias como a verificada em Entre-os-Rios.

O alerta que Os Verdes entendem ser o momento oportuno de lançar.

Sabido que os areeiros estão de volta ao rio Douro.

Dois anos e meio após a tragédia que, em Março de 2001, nos atingiu e deixou o país perplexo e enlutado.

Praticamente no mesmo momento em que, por recurso das famílias das vítimas, é reaberto o processo de Entre-os-Rios e, no Tribunal de Castelo de Paiva, 22 areeiros são constituídos arguidos para apuramento da sua eventual responsabilidade criminal na actividade que se reconheceu foi um dos dois factores principais que contribuiu para o desastre.

O regresso pela mão do Governo de Durão Barroso e com a cedência despudorada dos partidos da maioria, PSD e PP, à pressão do poderoso lobby dos areeiros há décadas impunemente instalado.

O regresso a uma actividade que é, nos termos feitos, uma decisão politicamente irresponsável.

Tomada sem a devida sustentação técnica, já que os estudos encomendados ao LNEC sobre a extracção de areias no Douro estão ainda a decorrer.

Decidida prematuramente e quebrando o compromisso, então solenemente assumido por todos perante os portugueses, de não mais consentir que o Estado continuasse a fechar os olhos a este negócio e, designadamente cito o primeiro objectivo da Comissão de Inquérito Parlamentar, negligenciasse as suas responsabilidades no quadro da obrigatoriedade do integral cumprimento da lei e dos regulamentos aplicáveis (Decreto-Lei nº.46/94) que disciplinam o exercício desta actividade.

Uma decisão tomada, e esse é o primeiro aspecto a relevar, sem que a necessidade - o requisito legal básico - o justificasse, já que as condições de navegabilidade no Douro estão perfeitamente asseguradas.

Decisão tomada sem qualquer conhecimento integrado e sem uma abordagem dos aspectos globais do planeamento e gestão integrada do rio Douro.

Uma decisão que desrespeita as normas técnicas para a elaboração do plano específico de gestão da extracção de inertes.

Uma decisão tomada à margem do Ministério do Ambiente, que ignora as consequências no transporte de sedimentos.

Decidida sem que as duas barragens do Douro, de Crestuma e do Torrão, tenham os seus Planos de Ordenamento aprovados, ou sequer elaborados.

Sem que condições eficazes de fiscalização tenham sido asseguradas.

Sem um conhecimento técnico e qualquer estudo aprofundado do rio e dos impactes que a suspensão das dragagens determinou na orla costeira.

Uma lei cuja constante violação, durante anos traduzida na pilhagem impune de areias, mereceu o mais vivo protesto dos Verdes.

Uma lei que as próprias conclusões da Comissão Oficial de Inquérito aberto pelo Governo de então reconhecia (no seu ponto 13.15) não estar a ser aplicada, uma vez que as extracções se continuavam a fazer sem o suporte de planos específicos e de estudos técnicos que demonstrassem que, entre outros valores de natureza ambiental, não seria afectada a integridade do leito e das margens.

A lei essencial para o equilíbrio de uma actividade económica, a dos areeiros, deixada ao Deus dará e que só pelas piores razões - a queda de uma ponte e a morte de dezenas de pessoas - se viria a compreender teria de passar a ser autorizada no escrupuloso cumprimento da lei, atendendo aos impactes que provoca, de imediato e a prazo, na dinâmica dos rios e de todo o litoral.

Uma atenção que se julgaria hoje dramaticamente adquirida, atendendo às múltiplas declarações do então porta voz do PSD para o Ambiente, o então deputado José Eduardo Martins, hoje membro do Governo, mas que se revela afinal não existir, a avaliar pela leviana decisão do Governo agora tomada.

Um facto grave que recomenda pois, para refrescar a memória de algumas pessoas, a devolução para leitura dos membros do Governo, em especial os do PSD, das suas intervenções aqui a esse propósito proferidas, nomeadamente em 4 de Maio de 2001, citando-as, e desse modo citando a própria lei então aqui evocada.

Uma lei que define que “A extracção de inertes só é permitida quando existem planos específicos que definam os locais potenciais de extracção e não afecte, nomeadamente, as condições de funcionamento das correntes, o escoamento, o espraiamento das cheias, o equilíbrio das praias e da faixa litoral, a segurança de obras marginais, a fauna e a flora.” E continua: «Na falta dos planos referidos, a extracção de inertes só deve ser autorizada quando justificada por razões de ordem técnica, ambiental ou paisagística e em locais cujo desassoreamento seja imprescindível», «e possa conduzir a existência de melhores condições de funcionalidade, quer das correntes, quer da orla costeira», «o prazo de validade da licença para extracção de inertes deve ser o estritamente necessário à remoção dos materiais considerados em excesso».

Uma lei agora desprezada, mau grado todas as conclusões do Inquérito Parlamentar a que o PSD presidiu e que por quase unanimidade concluiu (com a abstenção única dos Verdes) recomendações para o futuro.

Recomendações da maior importância face à relevância atribuída, e cito novamente o PSD e o Senhor deputado Castro Almeida, às responsabilidades inerentes ao processo de extracção de areais no rio Douro, tendo ficado demonstrado que ao longo de anos o seu processo foi irregular, não tendo havido qualquer fundamentação técnica ou rigor.

Um diagnóstico sério de que se faz agora tábua rasa, retomando sistematicamente, um por um, todos os vícios e os erros encontrados e tão dramaticamente pagos.

Erros numa actividade autorizada sem cumprimento escrupuloso da lei.

Erros numa actividade pautada, como o foi no passado e ilegalmente, por razões economicistas.

Uma actividade uma vez mais licenciada, decidida e fiscalizada, como o foi no passado por quem não está vocacionado para o fazer - o extinto IDN, agora parte integrante do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos -, agora constituído arguido neste processo, sempre recusou categoricamente a existência de extracções legais ou ilegais junto à ponte e cujo Instituto, como veio a reconhecer a Comissão de Inquérito Parlamentar (ponto 29), tinha nesta actividade comercial parte relevante do seu orçamento.

Senhor Presidente

e Srs Deputados,

É tempo de dizer não.

É tempo de responsabilizar politicamente os irresponsáveis.

Aqueles a quem no Governo não se exige que diabolizem uma actividade, mas que a sujeitam à lei ea subordinem a critérios técnicos rigorosos.

Uma exigência não em nome de um sector que não pode continuar a comprar favores, aquilo a que no dizer do dirigente dos empresários do sector mais não são do que "donativos desinteressados", mas em nome do equilíbrio ecológico.

No imediato e a prazo.

Esta é seguramente, Srs Deputados, a melhor forma de garantir que a lição trágica de Entre os Rios foi tomada.

Que novas mortes não ocorrerão por negligência ou irresponsável facilitismo.

Que a ética de responsabilidade vai finalmente servir para isso.

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