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18/11/2004
Sobre Orçamento de Estado para 2005, sessão de encerramento na generalidade
Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes sessão de encerramento do debate sobre o Orçamento de Estado para 2005
Assembleia da República, 18 de Novembro de 2004
 
 
 
 
 

 

 
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sras. e Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados,

Quando o Governo apresentou a presente proposta de Grandes Opções do Plano e Orçamento de Estado (OE) para 2005, desde logo ficou claro, para “Os Verdes”, que a grande preocupação desta maioria continuava a ser combater o défice orçamental. E de que forma? Continuando a cortar na despesa social. Isto ficou claro desde a primeira hora.

Mas um olhar mais atento e detido sobre os documentos em causa, revelou-nos mais. Desde logo, revelou-nos que este Governo, das duas uma, ou, demonstrando, uma vez mais, a sua flagrante incompetência, revelou que nem sequer sabe fazer um Orçamento de Estado, ou então, única alternativa, seremos forçados a entender que este Governo, quer esconder a verdade sobre as suas intenções e sobre a situação real do país. Senão, como interpretar esta despudorada falta de transparência e opacidade que caracteriza este OE para 2005, que omite dados tão importantes como as taxas de execução do investimento em 2004 ou a não apresentação do orçamento por acções? Como vê-la senão como a tentativa de camuflar o desinvestimento do Governo PSD/PP na saúde, educação, ambiente, garantindo-lhe, simultaneamente, margem de manobra discricionária na definição da aplicação das verbas em ano de eleições autárquicas? Como vê-la senão como a violação das mais básicas regras do jogo democrático?

A verdade é que, por detrás duma imagem sorridente e de confiança, pintada sobre uma fina máscara de modernidade e inovação tecnológica, que o Governo tenta, desesperada e impotentemente, fazer passar, esconde-se um Governo desorientado, que tropeça a cada passo nas suas próprias contradições, que faz do OE, não a ferramenta honesta de crescimento e desenvolvimento justo e sustentável que ele deveria ser, mas antes um instrumento que promove a pobreza e a exclusão social, que agrava as desigualdades sociais, que aumenta os encargos para as famílias portuguesas no acesso a bens e serviços fundamentais, como a saúde, a habitação e a educação, que degrada os serviços públicos, promovendo a sua privatização, ainda que de uma forma gradual e com pézinhos de lã, num total desrespeito pela nossa Constituição.

Mas este é também um Orçamento que acentua as assimetrias regionais. Com efeito, mais uma vez, este problema estrutural é agravado como facilmente se pode verificar pela comparação dos valores do PIDDAC regionalizado, que nos revelam que os distritos de Lisboa e do Porto recebem 48,81% do total do investimento por distritos e as regiões do interior (Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Évora, Guarda, Portalegre, Vila Real e Viseu), que são também os distritos que têm vindo a perder população de ano para ano, não totalizam no conjunto a verba destinada a Lisboa: a sua soma corresponde apenas a 22,85% do total do PIDDAC dos distritos.

Por outro lado, e apesar do grande entusiasmo do Sr. Ministro do Ambiente que, reconhecendo tacitamente que o seu Ministério tem estado completamente paralisado nestes dois últimos anos e meio, se propõe nos próximos seis meses executar todas as medidas que esta maioria não executou até agora, promete mundos mas sem fundos, pois a área do ambiente apresenta neste Orçamento, não só o mais baixo valor de entre todos os ministérios mas também uma descida real da verba total comparativamente ao ano passado. É bem demonstrativo das opções deste Governo o desinvestimento operado, nomeadamente na área da Conservação da Natureza que regista uma quebra de 0,5%, mas também relativamente ao investimento reservado para o Instituto da Água, com particular incidência nas áreas do abastecimento e do saneamento básico. Este desinvestimento, associado ao não cumprimento da lei de financiamento das autarquias locais, reflecte bem o “empurrão” que esta maioria está a dar às autarquias no sentido de entregarem a água e o saneamento básico aos privados, insistindo em tratar a água como mercadoria e não como bem e direito fundamental inalienável.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,

Os Portugueses estão apreensivos, preocupados, desanimados. A angústia e o desespero tomaram conta das famílias portuguesas. Os sucessivos anúncios e adiamentos da retoma, que há-de vir num dia de nevoeiro, envenenam a alma dos portugueses que estão cansados, sem fé nem esperança num Governo cuja resposta para os problemas sociais mais graves se resume à caridade, à esmola com que beatificamente lhes acenam.

E depois o Sr. Primeiro-Ministro ainda se queixa, como o fez no passado fim-de-semana, referindo-se às fortes críticas de que foi alvo este Orçamento de Estado, vindas de todos os quadrantes sociais e políticos, que todos dizem mal do seu Governo e que ninguém aparece a defendê-lo. Porque é que será?

Será porque este é o Governo que adia para 2006, ano de eleições legislativas, a anunciada descida dos impostos? Será porque este é o Governo que adia para 2006 a implementação de medidas constantes do Programa de actuação para reduzir a dependência de Portugal face ao Petróleo, tão urgente quando a nossa dependência energética do exterior se situa em cerca de 90%? Será porque mais uma vez fica adiada a verdadeira e profunda Reforma Fiscal? Ou talvez porque adiada fica também a prometida convergência das Pensões com o salário mínimo? Ou será, simplesmente, porque este é um Governo que, em lugar de transmitir confiança e dinamismo, representa ele próprio o maior factor de instabilidade e insegurança social, económica e ambiental no nosso país?

Um Governo que dá com uma mão para logo de seguida tirar com as duas. E já se sabe: quem dá e torna a tirar (ao inferno vai parar …)

Baixa as taxas dos escalões do IRS para produzir efeitos em 2006, mas aumentou, já em 2004, os transportes públicos, vai aumentar em 2005 as taxas na saúde.

Sabemos que, com este Orçamento, as Portuguesas e os Portugueses vão ser chamados a pagar mais. A pagar mais, mais vezes e por um cada vez maior número de serviços sociais fundamentais. É o princípio do utilizador pagador, tão caro a este Governo: quem quer estudar, paga; quem precisa de cuidados de saúde, paga; quem quer justiça paga.

Mas o que os Srs. Membros do Governo esquecem, ou fingem ignorar, é que são, de facto, sempre os mesmos a suportar os aumentos dos preços dos serviços e o aumento do custo de vida, são sempre os mesmos a pagar a factura da crise e não são de certeza os que mais têm que mais vão pagar e que mais vão sentir as dificuldades no seu orçamento mensal, pois esses continuam e permanecem intocáveis.

O Sr. Primeiro-Ministro afirmava ontem, na abertura da discussão deste debate, que não queria “não dizer a verdade” e que não queria criar ilusões aos Portugueses. Se, de facto, não será já fácil ter quaisquer ilusões sobre o desnorte que este Orçamento significa para Portugal, nem com toda a boa fé do mundo é possível acreditar nas pseudo-verdades que os Srs. nos querem impingir, Sr. Primeiro-Ministro. Este, é, na verdade, um Orçamento de ficção.

De ficção porque prevê uma taxa de crescimento de 2,4% que ninguém acredita que seja possível alcançar, porque as previsões que faz acerca da inflação e da evolução do preço do petróleo são no mínimo irrealistas, porque recorre a artifícios como a desorçamentação e o recurso a receitas extraordinárias, porque o investimento público, como o debate provou claramente, é muito inferior aos números que os Srs. apresentam.

De tal forma que o Governo ainda não conseguiu convencer ninguém, nem da bondade, nem da eficácia, nem da veracidade deste Orçamento de Estado o qual se apresenta carente de toda e qualquer credibilidade.

De tal forma que o Governo ainda não conseguiu convencer ninguém, nem da bondade, nem da eficácia, nem da veracidade deste Orçamento de Estado o qual se apresenta carente de toda e qualquer credibilidade.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,

Perante este cenário de ficção e adiamento, perante este orçamento de fachada, não podemos ter outra posição que não seja votar contra a Proposta de Lei de Orçamento de Estado de 2005.

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