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16/01/2004
Sobre PJLs 340 e 342/IX relativos a redução de embalagens e valorização de resíduos
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre PJLs 340 e 342/IX relativos a redução de embalagens e valorização de resíduos
Assembleia da República, 16 de Janeiro de 2004

 

 

 

 

Sr Presidente, Srs Deputados,

O tempo de que dispomos para este debate é curto. Cumpre-nos, por isso, ser objectivos e claros nos nossos propósitos.

Toda a legislação, estudos e documentação produzidos, quer a nível nacional quer a nível europeu, determinam como objectivo primeiro de qualquer estratégia de gestão de resíduos, a prevenção, incluindo nela a redução de resíduos.

Ocorre, porém, que em Portugal a realidade está muito desfasada desse objectivo, uma vez que não estão implementadas medidas eficazes para a redução de resíduos. O Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU) estimava uma diminuição da produção de resíduos de 2,5% entre 1995 e 2000. O que aconteceu foi exactamente o contrário, ou seja, a produção desses resíduos aumentou, numa percentagem equivalente a 5% ao ano, tal como o demonstram estudos sobre o mercado de resíduos, e o próprio Relatório do Estado do Ambiente de 2002 continua a enfatizar o crescimento da produção de resíduos sólidos urbanos.

Sabe-se, entretanto, que cerca de 30% dos resíduos sólidos urbanos correspondem a resíduos de embalagens. Logo, tomar medidas sobre a redução de embalagens é um objectivo premente, tanto mais quanto sabemos que estamos muito longe da meta dos 25% de reciclagem de embalagens apontada para 2005, reciclagem que se situa ainda na ordem dos 10%.

A questão é que como tem falhado a prevenção de resíduos, a dificuldade de gestão e tratamento dos resíduos produzidos é muito mais real.

E, porque a política de ambiente, da qual a política de resíduos é uma componente importante, não tem sido assumida por nenhum Governo em Portugal com um objectivo e como instrumento de real defesa do ambiente, da preservação dos recursos naturais e da saúde pública, porque há sempre outros interesses que têm prevalecido, a tendência é optar sempre pelas soluções mais fáceis, mas mais ameaçadoras para o ambiente e para a saúde, isto é, pela deposição descontrolada de resíduos em aterro ou pela queima de resíduos, a qual, de há uns anos a esta parte, está presente em todas as legislaturas, pela insistência dos sucessivos Governos em queimar resíduos.

Por isso, neste quadro, os Projectos de Lei que “Os Verdes” agora apresentam são de facto relevantes.

O Projecto de Lei 340/IX, que prevê medidas para a redução de embalagens e de resíduos de embalagens, prevê a diminuição de produção e de introdução no mercado das embalagens perfeitamente supérfluas com vista à comercialização de produtos.

Provavelmente todos os Srs Deputados, uns certamente com mais frequência, outros com menos, já experimentaram uma ida ao hipermercado. Se se adquirir um carrinho cheio de compras, quando se chega a casa e se arrumam os produtos adquiridos nas prateleiras e armários consegue-se encher de 2 a 3 sacos de lixo só com embalagens que embalavam as unidades já embaladas. Embalagens, portanto, perfeitamente dispensáveis e das quais se terão que desfazer sem qualquer utilidade prévia. Dizemos que são embalagens dispensáveis, porque em nada se relacionam com a garantia de segurança, qualidade e higiene dos produtos, relacionando-se, a maior parte das vezes, com campanhas comerciais, que visam a atractividade dos produtos, ou de técnicas comerciais que visam que o consumidor em vez de uma unidade adquira obrigatoriamente duas ou mais unidades. Quem compra iogurtes sabe que é assim, quem compra “paletes” de leite sabe que é assim, quem compra algumas bolachas sabe que é assim, quem compra alguns brinquedos sabe que é assim. A maior parte das embalagens sobre embalagens são perfeitamente dispensáveis.

É também a isto, Srs Deputados, que importa pôr termo, porque isto representa desperdício, representa custos acrescidos para o produto e tem como consequência mais resíduos, logo pior ambiente.

Por isso estabelecemos na nossa proposta que as embalagens de venda ou embalagens primárias correspondam em termos de peso e de volume ao mínimo exigível para garantir a qualidade do produto embalado e estabelecemos a não permissão de embalagens grupadas ou secundárias, ou seja, das embalagens que não sejam determinantes para a preservação dos produtos, ou manutenção da sua qualidade, ou daquelas que quando retiradas do produto não afectem as suas características, ou daquelas que tenham como mero objectivo o agrupamento de embalagens primárias, isto é, das embalagens que embalam produtos já embalados, para efeitos de comercialização ou aprovisionamento no ponto de venda.

O nosso projecto não especifica nenhuma norma de aplicação transitória, mas é evidente que ela pode ser consagrada em sede de especialidade.

Relativamente ao Projecto de Lei 342/IX, que estabelece que a incineração não integra os objectivos de valorização de resíduos, ele é, por demais relevante num momento em que o Governo se prepara para anuir na construção de uma nova incineradora para resíduos sólidos urbanos na região centro, concessionada à ERSUC.

Todos sabemos que a incineração não é uma solução desejável para o tratamento de resíduos, devido aos seus impactes na saúde pública e no ambiente, nomeadamente pela emissão de dioxinas e furanos, ou até pela sua incompatibilidade com o fomento da reciclagem, que todos apregoam, porque a incineração precisa de material como papel e plástico para a combustão e até produz emissões de CO2 numa altura em que tanto se fala de medidas para o cumprimento do protocolo de Quioto.

Não é por acaso que o PERSU estabelecia como objectivo a redução do peso da incineração “em favor de uma matriz de soluções mais diversificadas e promotoras de formas mais nobres de valorização, como a reciclagem multilateral ou a valorização orgânica”, estabelecendo metas a médio prazo de diminuição das operações de incineração, circunscritas à Valorsul e à Lipor.

O certo é que o actual Governo determinou, apesar de o Sr Ministro nunca ter respondido às insistentes perguntas dos Verdes sobre esta matéria, na Estratégia Nacional para a Redução dos Resíduos Urbanos Biodegradáveis destinados a aterro, a construção de uma nova incineradora para resíduos sólidos urbanos, com o objectivo claro, tal como referido na Estratégia, de tratar resíduos e de os desviar dos aterros, portanto claramente com vista à eliminação de resíduos.

Ora, o que resulta do acórdão do Tribunal Europeu de Justiça de 13 de Fevereiro de 2003 é que as operações de incineração que têm como finalidade principal a eliminação de resíduos são justamente operações de eliminação de resíduos, e não de valorização, mesmo que tenha associada a si a produção de energia, quando a recuperação do calor produzido pela combustão apenas constitui um efeito secundário da referida operação. Ou seja, a incineração dedicada sai do conceito de valorização de resíduos. E a Comissária Europeia do Ambiente em resposta a um Eurodeputado reconheceu que é nesse sentido claro que vai o acórdão referido, afirmando que para os Estados atingirem as metas de valorização devem optar por aumentar a reciclagem.

É justamente isso que “Os Verdes” pretendem com este Projecto, ou seja, que o ordenamento jurídico português clarifique que a incineração não seja entendida como valorização, quer para os efeitos do cumprimento das metas relativas à deposição de resíduos em aterro, quer relativamente à valorização de embalagens.

Isto obrigará o Governo a adoptar medidas a montante que se enquadrem sem reservas na valorização de resíduos, como a reciclagem ou como a valorização orgânica, através da compostagem ou da produção de energia através do biogás.

Sr Presidente
Srs Deputados

Se a prevenção de resíduos, a reciclagem, a valorização orgânica fossem de facto estrategicamente aplicadas não haveria necessidade de recorrer à incineração e garantir-se-ia uma deposição controlada em aterro permitindo a longevidade e a longa capacidade de funcionamento destas estruturas.

Vejamos, portanto, através da discussão destes Projectos de Lei se os diferentes grupos parlamentares têm ou não vontade efectiva de implementação de verdadeiros objectivos de redução de resíduos e de valorização de resíduos. Cabe a esta Assembleia rumar a esse objectivo e os Projectos dos Verdes vão nesse sentido.


Ver tambêm:

Projecto de Lei Nº. 342/IX Projecto de Lei- Sobre a valorização de resíduos
Projecto de Lei Nº. 340/IX Projecto de Lei- Redução de embalagens e de resíduos de embalagens

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