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22/03/2005
sobre Programa do XVII Governo Constitucional - Sessão de Encerramento
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia Programa do XVII Governo Constitucional Sessão de Encerramento
Assembleia da República, 22 de Março de 2005

 

 

 

 

 

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,

O Governo PS prepara-se para repetir alguns dos mesmos erros que cometeu no passado. Dois exemplos:

a) A co-incineração volta a ser retomada no programa do Governo, fazendo-se tábua rasa de todos os movimentos populares que se formaram em torno da contestação à queima de resíduos perigosos, quando está a ser implementado um sistema, tardio é certo, de tratamento de resíduos industriais que o Governo quer reavaliar com vista à implementação da co-incineração. Só uma grande teimosia e uma postura de ajuste de contas com o passado poderá levar o Governo a abdicar de um sistema integrado de tratamento de resíduos por fileira para se empenhar de novo na imposição da co-incineração.

b) O referendo sobre despenalização da interrupção voluntária da gravidez é retomado no programa do Governo. O PS já tem um ónus de ter interrompido um processo legislativo no Parlamento sobre a matéria, quando propôs o primeiro referendo. Depois deu o resultado que deu. Manteve-se tudo na mesma, assistimos a diversos julgamentos de mulheres acusadas da prática de crime por aborto sem que alguém desejasse a verdadeira aplicação da lei. O PS não deveria cometer o mesmo erro outra vez. Se a maioria desta Câmara considera que estamos perante “uma lei obsoleta e injusta”, tinha era que arregaçar as mangas e alterar de imediato a lei por forma a torná-la realista e justa. Mas se perdermos essa oportunidade aqui no Parlamento, vai ser preciso saber o que é que partidos como o PS ou o BE, que se associa à proposta de referendo, fariam acaso o resultado do referendo fosse “não”, especialmente quando PCP, Verdes, PS e BE assumiram em campanha que eram favoráveis à alteração da lei.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, com uma expectativa de mudança instalada no país, o programa do Governo deixa aos Verdes outros conjuntos de verdadeiras preocupações em relação à frustração dessas expectativas:

Os tentáculos financeiros no país continuarão, pelos vistos, com licença para absorver recursos enquanto à generalidade dos portugueses se continuará a oferecer moderação salarial. O trabalho continuará a valer pouco neste país. Ao mesmo tempo prometem-se incentivos para a generalização de uma nova forma de organização de trabalho: o trabalho a tempo parcial, que nos países onde está generalizado é maioritariamente involuntário por parte dos seus destinatários, por acaso, ou não, maioritariamente mulheres.

O Governo promete a criação de 150.000 postos de trabalho, mas logo a seguir promete que 75.000 serão eliminados na Administração Pública. Não diz onde nem com que critérios, fazendo lembrar aquela medida do ex-Governo PSD/PP, que também tinha como objectivo diminuir a despesa, de encerramento de escolas de uma forma cega sem olhar ao potencial de fixação de população e de desenvolvimento das localidades em questão.

Os encargos das famílias em Portugal com a educação são dos mais elevados. Acreditar que isso não se reflecte no abandono escolar é não querer encarar a realidade deste país. Pois o Governo não se compromete com atenuação desses encargos no ensino obrigatório e, não tendo o Sr Ministro desmentido na questão perguntada, o programa do Governo parece reflectir a possibilidade de aumento das propinas do ensino superior.

O sector da água, recurso suporte de vida, património da humanidade, é equiparado a qualquer outro serviço público e será paulatina e amavelmente oferecido à gestão privada, com um nome atraente de parceria, em troca do investimento privado, que sustentado na óptica do lucro dificilmente se aliciará com o imperativo nacional - com o qual Portugal está hoje e no futuro confrontado – o da poupança deste recurso escasso e os utentes suportarão a internalização do investimento privado repercutido em tarifas mais altas – são essas, aliás, as experiências de concessões de sistemas que já conhecemos em Portugal.

Ou seja o Governo já prepara o acolhimento sem reservas da directiva Bolkenstein – privatizar é a palavra de ordem, o que é muito preocupante. Mas será bom lembrar que quando uns criticavam e já visualizavam os efeitos da PAC na nossa agricultura e ambiente, outros absorvidos pela eurofixação consideravam que era o supra sumo da cooperação entre Estados… hoje o programa do XVII Governo vem reconhecer que a PAC destruiu a agricultura portuguesa. Quando uns alertavam para o irrealismo e consequente prejuízo que decorreria da estratégia Lisboa ou do pacto de estabilidade e crescimento, outros consideravam que eram dos instrumentos determinantes para alcançar a convergência real – hoje o PS já reconhece o seu insucesso, suportado em vergonhosos índices de assimetrias, de pobreza e de delapidação de recursos naturais - dizem hoje que queriam outra estratégia e outro pacto, mas depressa se conformam com as ligeiras reformas dessas estratégias e instrumentos… até ver mais consequências.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, está criada uma expectativa de mudança no país. O debate do programa garantiu um estilo novo, mas o programa de Governo não traduz claramente o lema da mudança. Para “Os Verdes” o programa do Governo, para além de um conjunto de preocupações, deixa muitos comos, porquês, quandos, quantos por responder. Serão agora as propostas concretas que temos que discutir.

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