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21/03/2005
Sobre Programa do XVII Governo Constitucional
Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes Programa do XVII Governo Constitucional
Assembleia da República, 21 de Março de 2005
 
 
 
 
 
 

 

 
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sras. e Srs. Membros do Governo,

Discutimos hoje o programa que o XVII Governo Constitucional se propõe levar a cabo, durante os próximos 4 anos e meio, para Portugal. Este documento fundamental, onde se encontram plasmadas as opções políticas e as prioridades que o novo Governo considerou determinantes do desenvolvimento futuro do nosso país, constitui, necessariamente, mais do que uma mera declaração de compromisso, o Bilhete de Identidade da Governação. É ele, neste momento, e por enquanto, o único documento escrito, oficial, produzido pelo executivo, assumindo assim, para o bem e para o mal, o papel de contrato social que se estabelece entre o povo, fonte do poder de soberania, e o Governo democraticamente legitimado através do voto a exercer essa mesma soberania.

Assim, se faz todo o sentido que o programa do governo siga, numa lógica de coerência, o programa eleitoral com que o Partido Socialista concorreu às eleições, não deixa, por outro lado, de ser tremendamente confrangedor e preocupante que o mesmo documento, agora elevado à mais alta dignidade de declaração de intenções do poder executivo central, se apresente tão generalista e vago acerca das usas intenções. Não obstante fazer referência a um conjunto de princípios e valores importantes e que entendemos igualmente deverem estar presentes na condução política e na resolução dos problemas das portuguesas e dos portugueses, a verdade é que, da leitura deste programa ficamos sem conhecer, com excepção de umas poucas medidas pontuais e esparsas que por vezes emergem e se destacam do tom geral do discurso do programa, as acções e as soluções concretas que permitirão ultrapassar os atrasos de que padecemos e as dificuldades que atravessamos, corrigir desigualdades sociais e assimetrias regionais, pôr em prática o fundamental desenvolvimento sustentável, assegurar bens e serviços públicos fundamentais e em condições de igualdade, como a educação e a saúde, vencer os desafios que presentemente se nos colocam. Ficamos, em suma, sem saber, afinal, na prática, que políticas nos esperam. É que o governo PS promete e até se compromete mas não explica, na maior parte dos casos, que caminhos vai trilhar para lá chegar. É que os fins nem sempre justificam os meios, e por isso importava, apesar das declarações e esclarecimentos adicionais verbalmente prestados pelo Sr. Primeiro-Ministro hoje de manhã, ver clara e transparentemente assumidas, na senda da transparência que o próprio programa defende, preto no branco plasmadas neste programa de governo, essas mesmas soluções concretas para os problemas concretos que afligem os portugueses.

Existem de facto ausências graves e significativas neste programa de governo. A gravíssima seca que assola neste momento a totalidade do território de Portugal Continental, quando ainda estamos a três meses do Verão, é uma dessas graves ausências. Esta seca, que está neste momento a afectar, não só a agricultura, a pecuária, e, por meio destas, toda a economia, mas o próprio consumo humano, só aparece reflectida no programa de governo pela aridez que o mesmo demonstra em medidas concretas que não são apontadas, opções que não são claramente assumidas ou em domínios que são literalmente postos à margem ou completamente esquecidos. Este facto é tão mais grave quanto é hoje absolutamente incontornável a questão do aquecimento global do planeta e suas consequentes alterações climáticas, cujos efeitos se fazem sentir neste preciso momento no nosso país, provocadas principal e directamente pelos Gases com Efeito Estufa, e que já foi considerado o maior desafio que a humanidade terá de enfrentar neste século.

Porque estas questões não podem ser dissociadas: a seca agravará certamente a catástrofe dos fogos, antecipando a época dos mesmos, continuando a destruição da nossa floresta a um ritmo muito superior à sua capacidade de regeneração, aumentando assim, as emissões de carbono na atmosfera e reduzindo a capacidade do nosso pulmão florestal para absorver essas mesmas emissões. Infelizmente, para o Governo, este grave problema que levou à assinatura do protocolo de Quioto recentemente entrado em vigor e que nos impõe limites de emissões que estamos cada vez mais longe de conseguir cumprir, não merece mais do que breves referências passageiras neste programa não constituindo aparentemente, como, no entender de “Os Verdes” deveria constituir, um objectivo central e um desígnio nacional, com uma forte aposta no combate às emissões de poluentes para a atmosfera, as quais são, para além do mais, causa directa da redução da qualidade de vida e dos níveis de saúde da nossa população estimando-se que por ano morram no nosso país cerca de 4000 pessoas prematuramente por causas ambientais.

“Os Verdes” vêem ainda com grande preocupação o facto de nem uma só palavra constar do programa relativamente à problemática do cultivo para fins agrícolas e comerciais de Organismos Geneticamente Modificados. Se durante a campanha eleitoral “Os Verdes” sempre criticaram o PS por não definir a sua posição acerca deste tema, não podemos agora deixar de nos congratularmos com o reconhecimento feito pelo Sr. Primeiro Ministro, que assumiu hoje que nesta matéria deve presidir o princípio da precaução. No entanto, para “Os Verdes”, que fique claro, o princípio da precaução de que falamos, bem como a defesa dos consumidores, a salvaguarda da segurança alimentar, e a protecção das espécies agrícolas locais e tradicionais, não se basta com a rotulagem ou com o rastreio. Com efeito, face ao estado actual dos conhecimentos científicos, que não permite com segurança garantir a inocuidade do plantio e do consumo de OGM’s por pessoas ou animais, é fundamental que se aprove desde já uma moratória que proíba o seu cultivo antes de ser regulada a coexistência entre culturas de OGM’s e culturas convencionais ou biológicas. Porque a precaução aconselha a não implementar o cultivo de OGM’s nos nossos campos. O princípio da precaução não se cumpre se, ao arrepio de alertas lançados por cientistas, ambientalistas e agricultores de todo o mundo, esta maioria fizer dos campos portugueses tubos de ensaio e dos consumidores cobaias que serão depois sujeitas a rastreio. Seria, de facto, fundamental que esta questão encontrasse resposta no documento que hoje discutimos, o que infelizmente, mais uma vez, não acontece. Aliás, toda a questão da segurança alimentar, parece singelamente reduzida ao reforço da Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, constituída apenas há cerca de dois meses. Parece-nos francamente insuficiente.

Por outro lado, preocupam-nos também algumas das grandes opções, profundamente erradas em nosso entender, para que este Governo parece desde já apontar, não assumindo o necessário afastamento das políticas anteriores e a mudança pedida pelos portugueses nas últimas eleições. Desde logo em áreas como a Saúde, sujeitando os hospitais a uma lógica empresarial condicionando a prestação de cuidados de saúde a critérios economicistas puros e duros. Mas também na Educação, assumindo-se desde já a mais que provável subida de propinas no chamado segundo ciclo do processo de Bolonha, contribuinda assim para a elitização do ensino superior. Na área laboral destacamos a intenção de generalizar o trabalho a tempo parcial ou de aumentar a idade da reforma, quer no sector privado quer no sector público, degradando assim, francamente, o quadro laboral existente.

Também no que toca às políticas da água e recursos hídricos, que no actual contexto assumem cada vez mais relevo, o programa revela que as grandes preocupações do Governo se centram, não numa correcta e eficaz gestão deste bem fundamental à vida, mas antes na sua entrega em concessão a grupos privados, desprezando totalmente o princípio da gestão pública de um bem que é de todos e não pode jamais ser tratado como mercadoria.

Não podemos finalmente deixar de referir que na área dos resíduos Industriais perigosos, este Governo volta a pôr a Co-incineração no topo das suas prioridades ressuscitando, assim, um real perigo para a saúde pública, em profundo desrespeito pela qualidade de vida e pelas justas reivindicações das populações directamente afectadas. Na nossa óptica, seria desejável que o Governo se concentrasse em resolver o problema de 99% dos RIP que têm comprovadamente alternativas ambientalmente mais sustentáveis de reciclagem e inertização antes de pensarna queima de apenas 1% desses mesmos resíduos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados

O contexto em que o XVII Governo Constitucional foi formado, na sequência de eleições antecipadas em que os portugueses expressaram vivamente um profundo desejo de mudança nas políticas que nos têm governado, deve, no entender do Partido Ecologista “Os Verdes”, servir de reflexão a todos.

“Os Verdes”, pela sua parte, tudo farão para que o ambiente e o desenvolvimento sustentável sejam mais do que um mero capítulo dum programa e assumam um lugar central na vida política portuguesa como garante do futuro e da própria vida no nosso planeta.

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